quinta-feira, 27 de junho de 2013

Nunca antes neste país


     Moro numa rua lindeira a um córrego, em cujas margens há um grande espaço coberto de mato e lixo, onde será implantado um "Parque Linear". Há alguns prefeitos atrás, foi iniciada a construção desse parque, o mato foi retirado, foram construidos passeios para caminhadas, instalados aparelhos de ginástica para idosos e brinquedos para crianças;  plantou-se grama e a vizinhança colaborou plantando árvores. Eu plantei dois pés de ipê amarelo... todos nós, moradores da rua, ficamos felizes com a melhoria.
     Porém, o tempo passa, os prefeitos mudam e os subprefeitos também. O mato voltou a crescer. As árvores plantadas morreram ou foram roubadas. Os aparelhos de ginástica e os brinquedos foram depredados. O terreno voltou a ser um matagal com depósitos de entulho e lixo.
     Eu mandei muitos emails para a subprefeitura cobrando providências. Às vezes, três ou quatro meses depois da reclamação, aparecia um caminhão, com um bando de funcionários uniformizados, que após cortarem (mal e porcamente) o mato, se deitavam na rua e tiravam uma soneca. Empilhavam o lixo e o mato cortado e alguns dias depois, passava outro caminhão para recolher o lixo.
     Um de meus vizinhos solicitou a operação cata bagulhos, e no dia marcado, tirou todos os móveis velhos  dos quais queria se desfazer e  os colocou na calçada. Pois lá permaneceram por três dias, nos quais ele telefonava várias vezes, cobrando o serviço.
     Na semana passada, o povo de todo o país resolveu dizer que não aguenta mais pagar tantos impostos em vão.
     Ontem, bem cedinho, oito e meia da manhã, chega um caminhão da prefeitura e estaciona do lado da minha casa. Curiosa, fui ver. O vizinho estava novamente se desfazendo de seus "bagulhos". Fiquei por ali assuntando e ouvi essa conversa:
     - Eu  não tive tempo de colocar tudo na rua, afinal, solicitei o serviço ontem à tarde e vocês já vieram! - e o funcionário uniformizado, com cara de chefe respondeu:
     - É... agora que o povo foi pra rua, se a gente não faz o serviço logo,  apanha...
                                                       Nunca antes neste país!

     Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                   Eulina

                               

terça-feira, 25 de junho de 2013

Lágrimas de Pedra


     Quando eu era criança, era chorona. Não tive uma infância fácil. Doenças e desentendimentos na família me faziam chorar todos os dias.
      Meu pai, também abalado pelos problemas, me punha sentadinha no seu colo e  recitava pra mim, o poema I Juca Pirama de Gonçalves Dias:

                                                 Não chores, meu filho,
                                                 Não chores que a vida
                                                 É luta renhida
                                                 Viver é lutar
                                                 A vida é combate
                                                 Que os fracos, abate
                                                 Que os fortes, os bravos
                                                 Só pode exaltar

     Eu ia me acalmando aos poucos e me convencendo de que é importante ser forte, porque a vida é implacável com os fracos. Ouvi tantas vezes esse poema, que decorei. Depois de algum tempo, recitava junto com meu pai e nós nos consolávamos mutuamente.
     Assim, aprendi a ser forte. a não chorar, a agir, procurar soluções.
     Quantas vezes engoli o nó na garganta, sufoquei o soluço no peito e evitei que as lágrimas rolassem...
     Quantas vezes me pus a pensar racionalmente, procurar soluções, trabalhar furiosamente, cantar, dançar, escrever, pintar, viajar, tudo, tudo para não chorar!
     Pensando bem, deu certo. Meu pai morreu. Fiquei sem o meu grande amigo. Apesar de só, apesar de todos os dissabores, não perdi tempo chorando. Fui brava, fui forte, lutei bem a luta renhida. Até agora, aos 70 anos, vida não me abateu.
                                                                      ***
     Mas, meus olhos se revoltaram.
     Eles não puderam se expressar durante todos esses anos. Eles fabricaram lágrimas e elas não rolaram... endureceram e petrificaram.
     Muita gente faz pedras nos rins, outros na vesícula. Eu petrifiquei lágrimas.
     Operei catarata  em abril, no dia 8, o olho direito e no dia 15, o esquerdo. Durante o pós operatório, não se sabe por qual motivo, começaram a aparecer pedras nos meus olhos. Como grãos de areia,  arranhavam, machucavam, eu não podia dormir, porque não podia fechar os olhos. Fui de duas a três vezes por semana ao oftalmo, para me submeter  a sessões de tortura ocular, para extração das pedras. Até meados de maio, o médico extraiu 15!
     O problema com os olhos é que qualquer coisa que se faça, sem anestesia geral, a gente fica vendo! Eu ficava de olho arregalado, inundado de colírio anestésico, porém, vendo o médico empunhar uma pinça e cutucar o olho até tirar a pedra. O fenômeno se chama litíase conjuntival e é raríssimo. O médico que me atendeu só conheceu um caso em mais de 20 anos de profissão!
     E o outro, tinha de ser eu!
     Depois de extraídas as 15 pedras, eu sentia meus olhos inchados. Eu já podia fechar os olhos, mas eles doíam a visão embaçava, a luz me incomodava muito, a cada colírio que o médico receitava, eu me sentia pior, cada vez enxergava menos. Fui ficando apavorada, eu só piorava. Pingava colírios de antes da operação, de depois, de antibiótico, de gel lubrificante, de lágrima postiça, antialérgico e não adiantava. Até que resolvi parar de pingar colírios. Meus olhos incharam mais e ficaram mais doloridos. Fui ao médico e perguntei se não havia algum anti inflamatório via oral, que eu pudesse tomar. E pingar só um colírio descongestionante, tipo Moura Brasil.  Ele falou  "vamos tentar" e receitou o anti .inflamatório.
     Quando tomei o primeiro comprimido, os olhos pararam de doer. E quando pinguei o Moura Brasil, deixei de ter olhos de vampiro. Ufa, que alívio! Pouco a pouco os olhos desincharam e a visão foi melhorando.
     Agora, já estou enxergando bem melhor. Cheguei ao último dia do anti inflamatório. Fui ao oftalmo, ele disse que hoje, eu estou me sentindo como deveria me sentir na primeira semana após a operação. Daqui pra frente, só vai melhorar. Assim eu espero.

                                                                    ***
     Mas daqui por diante, não vou mais ser tão forte. Vou chorar toda vez que tiver vontade.
     Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                    Eulina
   

   


     
     

          

segunda-feira, 25 de março de 2013

A longa volta

                                        

                                    
                                                                      A LONGA VOLTA 
                                                           
                                                                                                                                3/1/13


     Estou indo para Tel Aviv. Da janela da van que me leva, vejo Jerusalém pela última vez.
     Estou feliz, andei pelos tempos bíblicos, conheci o povo palestino, fiquei tres dias em Jerusalém, convivendo com sua babel cultural. Está na hora de voltar pra casa e pensar no assunto. Tentar entender tudo o que vi, se é que é possível...
                                                                        ***.
     O vôo de Tel Aviv para Istambul foi ótimo. Porem, mais uma vez, o meu agente de viagem não teve êxito na reserva do lugar na janela. Vim no corredor. Não liguei, porque o vôo só tem duas horas e meia e está chovendo. Espero que desta vez, eu consiga o tal pernoite que esta incluido no preço da passagem,  Devo conseguir, porque  não estou atrasada.

     Desembarco e vou diretamente ao balcão da Turkish Airlines. Depois de uma pequena fila, e de muito esforço para entender o inglês tortuoso do rapaz, fico sabendo que o pernoite está incluido só no preço da primeira classe. Classe econômica não tem direito a pernoite, nem pagando agora. Tenho que dormir num hotel em Istambul. Que merda! Então, na ida, mesmo que eu chegasse na hora, eu também não teria direito ao pernoite! O agente de viagem foi enganado, ou me enganou... Outra noite no aeroporto. Cheguei aqui às dezoito e trinta e o vôo para Sampa só sai amanhã, às nove e trinta.  Não tenho coragem de me aventurar até a cidade, procurar hotel para passar a noite e ainda ter que tomar taxi amanhã de manhã a tempo de pegar o voo.. Que saco! Outra longa noite no aeroporto de Istambul.

     Enfim... o que não tem remédio, remediado fica, como dizia minha mãe. Vou me dedicar à interessante função de observar pessoas. Depois de andar, ver todas as lojas do free shopping, tomar um lanche, eu me sento numa cadeira em frente a duas mulheres de burca negra. É um pouco assustador. Parece uma pilha de roupas, só ficam os olhos de fora. E uma delas usa óculos. Uma pilha de roupas de óculos! Estão acompanhadas por dois homenzarrões mal encarados. Devem ser os maridos. Eles vestem roupas normais com um gorro na cabeça.
     Eu fico olhando pra elas, disfarço, fingindo que leio uma revista. Elas falam, dão risadas. Quando riem, a pilha de roupas treme. Elas abrem a bolsa, fico curiosa de saber o que haveria dentro das bolsas que carregam. Falam no celular... afinal, são pessoas normais, não sei porque eu estranho tanto. Mas eu estranho. Queria entender a lingua pra saber o que elas dizem. Não dá pra ver a cara, mas o assunto é animado. Elas conversam e riem muito. Será que estão fazendo alguma fofoca? O que será que elas pensam do mundo ocidental, das mulheres que não se escondem debaixo de pilhas de roupas?
     Eu vou ficar perto delas, até  embarcarem. Eu tive de mostrar o passaporte e tirar o óculos, para a soldada me ver bem. Abri a bolsa, tirei os sapatos, fui submetida ao aparelhinho de revista eletrônica... Como vai ser com elas? Será que elas vão ter que levantar o véu? E aquela pilha de roupa? Vão passar o aparelhinho nelas? Ou vão para uma cabine própria e mostram a cara só para a soldada? Elas tiram o passaporte das bolsas e entregam aos maridos. Os quatro se levantam. Eu também.
     Não sei qual é o destino delas, mas sei qual é a fila em que elas entram. A soldada olha  a cara de todos  na fila, comparando com a foto do passaporte. Eu disfarço e fico andando por perto. Elas continuam conversando animadamente. Os passaportes nas mãos dos maridos.
     Chegou a vez delas. Eu estou bem perto. Os maridos passam na frente e entregam os passaportes. A soldada não olha e fala pra elas passarem.  Não olha a cara delas, aliás, não olha pra elas!  A de óculos continuou de óculos! Parece que elas não existem!

      E se não forem as mulheres das fotos do passaporte? Pensando bem, como seriam as fotos do passaporte? As caras com as burcas e os óculos? E se tiverem uma bomba escondida dentro da roupa? E se não forem mulheres, forem terroristas? Desse jeito, não dá pra saber nem se são mulheres! Que coisa! Fico indignada!

     Agora, passa no aeroporto, um grupo de homens envoltos em panos brancos, que parecem fraldas, todos com sandálias e todos barbudos. Na frente, vai um mais velho, de barbas brancas, lendo um livro e cantando. Os outros o seguem, respondendo em côro. Como tem gente estranha no mundo!  Atrás desse bando de homens com fraldas, vai um bando de mulheres cobertas de panos pretos. Mas essas tem a cara de fora. Também cantam.  Homens de branco, mulheres de preto. Que coisa!

     Achei um lugar jóia, atrás de uma coluna. Vou ver se consigo dormir.
                                                             
                                                                                                                                          4/1/13

     Agora, são sete horas da manhã. Ainda está escuro em Istambul. Eu ainda não sei qual é o meu gate.

     Passa gente do mundo todo, com todos os tipos de caras e roupas. Passa uma mulher bonita,  bem vestida, com roupas ocidentais, e um micro cachorrinho numa coleira. O cachorrinho vai andando na frente, todo empinadinho, parece que está se mostrando. A moça para e o cachorrinho continua a andar, sem sair do lugar. A moça suspende a coleira e o cachorrinho fica mexendo as patinhas, caminhando no ar. É engraçado, as pessoas que estão perto dão risada, ela percebe e pega o cachorrinho no colo.

     O vôo das nove horas já está anunciado no painel eletrônico. O meu, é às nove e meia. Preciso achar o meu gate.

     Passa uma mulher numa cadeira de rodas, carregando um cano com uma garrafa de soro. O cara que empurra a cadeira, tem um ar preocupado.  Ainda tem muita gente dormindo nos bancos e nos cantos.     Passa um pai, com um menino de uns três anos. Ambos chutam uma bolinha. O pai é esperto. se não fosse a bolinha, provavelmente teria de carregar o filho no colo.

     Os italianos já devem estar em suas casas, falando, falando, contando mil histórias. Sobre o deserto, sobre os palestinos, sobre a amiga alemã e a amiga brasileira que fizeram. E eu aqui sentada, vendo as pessoas passarem. Parece um filme. Só que é ao vivo.

                                                                       ***
     Fico pensando nos palestinos. Nidal, sempre sorridente, prestativo, eficiente, amigo. Respondia a todas as perguntas.Contou que sua família era de pescadores, morava numa cidade à beira do Mar Mediterrâneo e que ele pretende voltar pra lá, um dia. Atualmente, os palestinos estão confinados às montanhas, no lado oeste do rio Jordão, no lugar que eles chamam de West Bank. São proibidos de ir a Jerusalém, a Tel Aviv, precisam de salvo conduto e em cada check in, ficam muito tensos.
     Eu estava toda comovida com as histórias deles, principalmente porque as famílias são tão simpáticas, nos receberam tão bem... mas depois do episódio da cerveja, passei a examinar os fatos com mais frieza, menos emoção.
     Nidal poderia ter sido menos imperativo, ter explicado que a religião dele é assim.  Poderia ter pedido compreensão, poderia ter pedido por favor... mas não. Simplesmente ele disse:
     - Se voces tomarem cerveja, eu mudo de mesa. Havia uma dureza no seu olhar, na expressão do seu rosto, tão imperativo, tão ditatorial! Por um momento, desapareceu toda a sua cordialidade. Acho que se eu estivesse sozinha com ele, teria sentido medo. No dia seguinte, tudo igual. O mesmo Nidal sorridente, prestativo. Mas eu tive que dar bom dia três vezes, ele só falou comigo, quando perguntei algo na frente de todos. E não se despediu de mim. Esperou que eu fosse ao banheiro para despedir-se dos outros.
                                                                      ***
     Achei meu gate. Nos bancos de espera, pessoas com caras normais, vestidas com roupas normais, falando português. Brasileiros. Ai, que bom entender tudo!
     Presto atenção nos papos. São turistas, andaram por Israel. Falam mal da Palestina. Dizem que as cidades são pobres, sujas e feias. São uns chatos. Só se interessaram pelas cidades totalmente ocidentalizadas, ou pelos pontos turísticos mais famosos. Pobres de espírito.
     Eles não viram os sorrisos das crianças. Nem os pastores e suas ovelhas. E muito menos o sol se pôr e a lua nascer no deserto. 
                                                                   ***
     Para embarcar, passo pelos detetores de metal, tiro os sapatos, sou revistada, submetida ao aparelhinho, perguntam um montão de coisas, inclusive:
     - Do you have any bomb, in your baggage?
     Eu quase dei risada, mas lembrei a tempo de ser educadinha.
     - No. I don't have a bomb in my baggage.
     Mesmo assim, a soldada mandou abrir e revistar a minha mala.
     Eu quase fiquei com inveja das mulheres de burca.

     Voce ja pode dizer: Eu li na tela da
                                                            Eulina

   
 
   
   

sexta-feira, 22 de março de 2013

Jerusalém - Avaliação - Ultimo dia

                                                                                                                        

                                                         ÚLTIMO JANTAR DO GRUPO

                                                                                                                                          1/1/13


     Ultimo jantar dos italianos. Eles discutem muito. Estão empolgados, falam todos ao mesmo tempo.  Estão avaliando o comportamento dos palestinos e em especial o de Nidal.  Ai, como eu queria entender tudo! Mas tenho que me conformar com a tradução de Silvério para o inglês.

      Num determinado momento, Gianfranco fala que está reavaliando sua opinião a respeito de tudo. Os outros se calam para ouvi-lo. Se é que entendo bem, ele cita uma complicada operação eletrônica com suas fotos e filmes, sobre a qual ele teve que pedir ajuda a Nidal e surpreendeu-se com a potência do "celular" dele, capaz de fazer e receber ligações em pleno deserto, em locais que nenhum dos outros aparelhos tinha sinal... Não entendo o que isso pode significar, mas concordo quando Gianfranco diz que em virtude do episódio da cerveja, se deu conta de quanto a atitude do guia foi ditatorial e revela que vai reexaminar todas as situações, a partir dessa ótica.
     Todos ficam quietos. Eu olho bem para seus rostos. Estão todos pensando no assunto. Ai, como eu queria entender...  De minha parte, concordo com Gianfranco. Não sei se os outros notaram, mas eu vi o brilho de aço nos olhos de Nidal. Fiquei assustada.

     Depois, passamos às despedidas. Troca de emails, abraços, Silverio vai escrever um livro e fazer um filme para a TV italiana. Me prometeu um exemplar do livro, para o qual eu contribuí com uma frase, que estou ansiosa para ver impressa numa folha em branco. Gianfranco e os outros me prometeram fotografias.

     Aqui, devo explicar que, no primeiro dia, a bolsinha onde eu carregava minha câmera soltou-se do cinto, perdeu-se e eu não pude tirar nenhuma foto. Por isso não há fotos neste blog. Que lástima! Mas conto com as fotos dos italianos.

     Amanhã, os italianos vão embora bem cedo. Não vou vê-los mais. E eu tenho mais um dia para passear em Jerusalém.



                                                            MEU ÚLTIMO DIA

                                                                                                                                 2/1/13

      Acordo cedo, tomo café e vou para a cidade velha.  Quero andar ao léu. Olhar muito. Olhar tudo, tentar entender. Ah! E comprar uns presentinhos.Gastar os meus shekels. Mas é muito cedo, as lojas ainda não abriram. Eu me sento numa praça e olho os turistas. Os turistas italianos são os mais numerosos. Depois, vem os africanos, vestidos com suas roupas bizarras e turbantes na cabeça. Eles falam inglês com os vendedores e uma língua indecifrável entre si. Que coisa, nunca havia imaginado turistas africanos!
     Não vi nenhum grupo de brasileiros. E nenhum brasileiro avulso. Acho que todos ficaram com medo da guerra...

     Pronto. As lojas abriram. Os vendedores são muito, muito, muito insistentes. Eu preciso fugir deles quando não quero comprar. E na maioria das vezes só quero olhar. Eles nos abordam, falando em todas as línguas, até notarem um brilho nos olhos do possível comprador. Aí eles descobrem que língua falar e não param mais. No começo é divertido, depois, cansa. Vendedores poliglotas.
     Quando vamos comprar, é preciso pechinchar. O preço despenca, com uma boa pechinchada. Os africanos são mestres. Fico um tempão numa loja observando os africanos negociarem suas compras. Encheram sacolas e sacolas de compras. Sempre pagando a metade do preço inicial. Entro em outras lojas e observo grupos de outros países. Europeus são mais arrogantes, americanos mascam chiclete, latino-americanos fazem mais barulho, mas todos  pechincham e compram.

     São 11 horas. Eu já comprei tudo o que queria. Tudo coube na minha bolsa vermelha.  Já tomei suco de romã, vou andar num caminho em cima do muro. Katia e Giacomo andaram ontem e disseram que é muito bonito. Me perco nos becos e vielas. Acho um colégio de judeuzinhos (entre 8 e 10 anos), com calças pretas, camisa branca e cabelinho de molinha, todos jogando futebol, numa quadra poliesportiva!  E o restante dos alunos, todos com uniformes escolares pretos, é lógico, sentados num grande banco que fica  em volta da quadra, torcendo acaloradamente! Um baratinho!

    Mais becos e vielas, chego à escada que sobe às muralhas. Katia e Giacomo tem razão. A vista é realmente linda!
    Depois de um belo passeio pela muralha, estou com fome. Desço e procuro um  restaurante. Ando pelas ruas observando tudo, sentindo todos os cheiros, entrando nas lojas de roupas, nos mercados de frutas e verduras, nas lojas de bijuterias e joias... enfim olho, olho, bisbilhoto bem... e não compro nada. Gosto de fazer isso. Satisfazer minha curiosidade. Ver o que o povo come, o que veste, como se comportam numa loja, como os vendedores atendem.

     Fora da zona de turistas, é tudo muito mais  normal. Os vendedores não ficam atormentando os fregueses. e é bem interessante ver lojas com roupas femininas compridas com um monte de lenços para cobrir os cabelos. Vi uma mulher experimentando um casaco comprido com vários lenços, para escolher o que combinava mais, falando animadamente com uma acompanhante e com a vendedora.
     Em uma loja de cosméticos, comprei um cajal, desses que vem numa embalagem com rosca. Depois que tinha pago, já na rua, verifico que a rosca não funciona. A ponta do cajal não cresce quando giro a base da embalagem. Volto à loja, o vendedor me diz que é assim mesmo, que depois que eu usar a ponta vai sair. O inglês dele não é muito bom, mas deu pra entender. Concluo que ele me acha otária. Respondo que não acredito e que quero devolver a mercadoria e receber meu dinheiro de volta. Ele faz cara bem feia, mas concorda. Os direitos do consumidor foram respeitados. Pelo menos desta vez.

     Já são quase quatro horas. Ainda não almocei e daqui a pouco vai escurecer. Escolho uma lanchonete. Fast food árabe, se é que se pode falar assim. Peço um espetinho de carne, com batatas fritas. O cardápio tem fotos das comidas, senão eu não conseguiria entender nada. Sento numa mesa e fico esperando. A food não é tão fast. Aproveito para ver como as pessoas se comportam.
     Verifico ma coisa interessante: nas mesas onde há mulheres com lenço na cabeça, não há homens. Só crianças. Nas mesas onde há homens com gorros ou pano Arafat, não há mulheres. Nas mesas que tem homens e mulheres, estão ambos com a cabeça descoberta e vestes ocidentais. Fico rememorando todos os outros restaurantes que vi, e não me lembro de nenhum onde houvesse uma família, com homens de gorro e mulheres de lenço. E me lembro também, das familias muçulmanas, em que as mulheres não se sentam a mesa com os maridos. Será que dá pra concluir que nos restaurantes também é assim? Se a familia sai pra jantar fora, os homens e as mulheres se sentam em mesas separadas? Ou a familia nunca sai junta pra jantar fora?

     Acabo de comer, já são quase seis horas. Passo num camelô, compro meis um saquinho de faláfels, tomo mais um suco de romã, como todas as tâmaras de um saquinho, e vou para o hotel arrumar as malas.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                                Eulina
   
 
   
                                                                                                               
 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Jerusalém

                                                         


                                                           BELÉM - JERUSALÉM


                                                                                                                                30/12/12

     Vamos de ônibus para Jerusalém. Mais um check point. Desta vez, entraremos definitivamente em Israel. Silêncio no ônibus. Passaporte na mão, estamos todos preparados para descer e responder perguntas, talvez passar por uma revista. Italianos em  um silêncio apreensivo e obedecendo as instruções de Nidal, com as máquinas fotográficas guardadas dentro das mochilas. Uma soldada nos recebe. Suspense... porém, para nossa surpresa, não precisamos descer! Ela nem entra no ônibus! Olha para as nossas caras pelas janelas, mesmo. Acho que concluiu que somos inofensivos, pois nos liberou rapidinho. Assim, sem nenhuma formalidade, sem perguntas, sem revistas, nem carimbos. O ônibus pôde partir. É a última vez que enfrentamos um check point. Ufa! Que alívio.

     Estrada muito congestionada. Parece a Marginal do rio Pinheiros. Anda, para, anda, para. Chegamos à periferia de Jerusalém. Muitas lojas, trânsito, trânsito, trânsito. Fico olhando as ruas de dentro do ônibus. Olho para o povo. Mulheres com roupas compridas e lenço na cabeça. Homens com gorro ou pano Arafat. Há também muita gente com roupas ocidentais, turistas e homens de sobretudo preto, chapéu de abas largas e cabelo com cachinhos de mola. São os judeus.

     As lojas são pequenas e cheias de coisas dependuradas, tipo Vinte e Cinco de Março ou José Paulino. Muitos mercadinhos, com frutas e verduras expostas. Camelôs em barracas vendem faláfel, suco de romã e tâmaras. Muitos sons, muitos cheiros, muita gente. Não parecem muito amigáveis.

     Chegamos ao hotel. Fico sozinha num quarto. Não tenho com quem conversar. Saudade da Andrea. Amanhã conheceremos a cidade.



                                                                 JERUSALÉM I

                                                                                                                                31/12/12

     Como sempre, temos um guia urbano: Salim.  É chato. Talvez, o mais chato de todos.
     Jerusalém são duas cidades. A moderna, grande que eu já vi parte ontem e a antiga, cercada de muros e inteiramente dentro da outra. O guia nos leva à cidade antiga, falando muito, dizendo obviedades, num inglês quase ininteligível. Constatamos que a aparência é semelhante a das cidades palestinas. A mesma confusão, porém aumentada mil vezes!

      Ruas estreitas, vielas, ladeiras, escadas, pontes, pracinhas, tudo apinhado de gente e de coisas. Um labirinto! Estamos numa rua, subimos uma escada e chegamos ao quintal de uma casa, descemos outra escada e saímos dentro de uma loja! Andamos mais um pouco e agora, estamos numa igreja, logo depois uma praça, outra igreja, uma mesquita, uma sinagoga, muitas lojas, uma atrás da outra, camelôs gritando suas mercadorias, toldos cobrindo as calçadas, ou telhados construídos entre um lado e outro da rua, uma loucura, esse trajeto!

     O guia nos leva pela Via Dolorosa. Há igrejas católicas em todos os pontos: onde Jesus foi preso, onde foi julgado, onde foi coroado com espinhos, onde cai, carregando a cruz, onde Maria Madalena enxugou seu rosto... É muito, muito triste. E  todas as ruas são cheias de lojinhas vendendo de um tudo. Vendedores assediando os turistas aos berros, empurrando suas mercadorias. Eu vou andando, sem conseguir prestar atenção no guia, passo a mão em todos os locais onde dizem que Jesus passou. As pedras desses lugares estão gastas de tantas  passadas de mão. O pior pedaço é o da Igreja da Crucificação. Eu me sinto mal, tenho taquicardia, nó na garganta, falta de ar, pressão baixa... Eu me sento em um banco de igreja e acho que vou desmaiar. Porém, passados alguns momentos, respiro fundo e consigo me recuperar.

     A minha paciência para grupos e guias turísticos acabou. Não ouço mais o que o guia diz. Tenho a impressão de que os italianos também não estão gostando.

     Quanto a mim, prefiro a estrada. Passo a passo, podemos conversar com o guia, perguntar coisas, fugir da história decorada. Sentir o chão, olhar a paisagem, respirar o ar, ver tudo. Gosto de andar por um país, em lugares onde  não há turistas nem lojinhas. Não gosto de ouvir histórias de guias.

     Penso em Cristo. Ele sofreu muito nesta cidade. Porém, se viesse hoje, sofreria muito mais. Veria tantas igrejas, templos, sinagogas, mesquitas... todas as religiões, todos os locais sagrados ocupados por vendedores de bugigangas. Acho que não só Cristo sofreria, Maomé, Moisés e Alah também seriam infelizes aqui.

     Depois da Via Dolorosa, o guia nos levou a  outras igrejas todas com sacristias cheias de "lembrancinhas" e a uma loja grande. Fiquei achando que ele teria comissão nas vendas. Não comprei nada. Que saco!

     Voltamos exaustos para o hotel. Definitivamente, andar subindo e descendo de montanhas no deserto cansa muito menos do que andar atrás do guia em Jerusalém.

     Hoje é aniversário de minha filha Susana. Tento ligar pra ela várias vezes, mas a ligação não se completa.  Como é o último dia do ano, temos um jantar especial, no hotel. Foi uma festa, todos felizes, em clima de confraternização. Gianfranco me empresta seu celular e a ligação se completa. Todos nós cantamos parabéns em inglês, para Susi, foi lindo! Temos vontade de ver a festa de Ano Novo em Jerusalém, mas estamos tão cansados, que Silverio sugere começar uma contagem regressiva simbólica, às dez horas. Nós concordamos: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1... abrimos um vinho espumante e... Alguri! Felicità! Happy New Year! Feliz ano novo!  Muitos abraços, beijos e brindes!   Às dez e meia, já estamos dormindo o sono pesado dos peregrinos cansados.
     Dizem que houve queima de fogos, um barulhão. Eu não ouvi nada. 


                                                             JERUSALÉM II

                                                                                                                       1/1/13

     Hoje, temos o dia livre. Como ninguém é fanático por compras, decidimos passear um pouco pela cidade antiga e depois conhecer a cidade moderna. 

     Andar pelos labirintos da cidade antiga, sem o guia é bem melhor. Andamos por vielas e becos indescritíveis, vimos um galinheiro, no quintal de uma casa. Nos disseram que é uma clausura (não sei se é esse o nome) de monges. Não deu pra ver os monges, mas olhando pelas frestas de uma parede, dava pra ver as roupas marrons dependuradas (acho que vimos uma espécie de vestiário), na frente de um banheiro.

     Subimos e descemos escadas largas, bonitas de mármore, estreitas e feiosas de tijolos, algumas de pedras, andamos por  todos os tipos de ruas, becos, pracinhas, praçonas, ruas com escritórios, ruas com restaurantes, ruas com casas de família, apartamentos, hotéis, pensões, etc. Às vezes, parávamos maravilhados diante de alguma obra de arte, às vezes diante de um saboroso suco de romã. Fomos caminhando até uma grande praça, onde fica o Muro das Lamentações.

      O muro tem lugares separados. De quem olha de frente, mulheres se lamentam do lado direito e homens se lamentam do lado esquerdo. E se lamentam mesmo. Todos os judeus de preto, tanto homens como mulheres, alguns com um livrinho de oração. Eles ficam em pé, balançando o corpo para frente e para trás, rezando na língua deles. Parece que choram. O livrinho de orações também tem a capa preta. Já os turistas, são coloridos, vem de todos os lugares do mundo. Alguns, como os africanos vestem belos panos com estampas floridas de cores vivas. Aliás, eu não contei antes, mas há muitos grupos de turistas africanos em Belém e Jerusalém. Um espanto!

     Eu me posiciono do lado esquerdo e me aproximo da multidão que está perto do muro. Quando chegam perto, as mulheres encostam a cabeça. Às vezes, ficam batendo com a cabeça no muro. E sempre trazem um papelzinho com seus pedidos para enfiar numa fresta por entre os tijolos. Eu fico ali, esperando pacientemente minha vez de encostar a cabeça e enfiar o meu papelzinho. Quando chego na  frente, procuro um lugar, nos vãozinhos entulhados de papéis. Tá difícil. Ando um pouco pra esquerda, pra direita... é ali. Um diminuto buraquinho, bem pequenininho, mas com mais uma dobradinha, o meu papel entra no vão. Enquanto estou empurrando o meu pedido, olho um pouquinho à direita e vejo um papelzinho grudado ao muro, com chiclete. Dei risada.

     Depois, saímos dos muros e fomos caminhar pela cidade moderna. Ruas largas, arborizadas, praças,  jardins, tudo como em cidades ocidentais. Fomos ao bairro mais rico. Entramos num shopping center. Luxo, lojas de grife: Dior, Gucci, Prada, etc. As mulheres vestem roupas ocidentais e não cobrem os cabelos (dizem que usam perucas). Os homens vestem preto. Penso que esse local  é frequentado só por judeus ricos.

      Andamos mais, por uma avenida onde passa um trem e chegamos ao bairro judeu mais tradicional. É inacreditável! Homens de terno e casacões pretos, chapéu de abas, e longos cabelos presos, com os cachos de molinhas cobrindo as orelhas. Alguns, com barba. Todos! Todinhos assim! E são muitos, as ruas são cheias de gente! As mulheres, também de preto, as vezes cobrem a cabeça. Será que as que não cobrem estão de peruca?  Mas o mais impressionante é que todos  são sérios. Não vejo nenhum sorriso. Até as poucas crianças, que encontramos, são sérias. Meninas de longas saias e longas tranças. E meninos de calças curtas e pernas finas e brancas, todos vestidos de cores escuras, ou preto total. Um único carrinho de bebê, com um cobertorzinho negro! É tudo muito triste. Silencioso. Baixo astral. As pessoas nos olham muito. Chamamos muita atenção, com nossas roupas coloridas. Mas os olhares não são amigáveis. Não nos dirigem a palavra, e não nos sentimos bem vindos.

     Continuamos a caminhar e a paisagem vai mudando. Começam  a aparecer mulheres de lenço na cabeça, homens com pano Arafat. As ruas vão se estreitando e as lojas tem mercadorias dependuradas no teto. As coisas vão mudando pouco a pouco, até que estamos novamente no meio da total confusão dos bairros muçulmanos, cheios de camelôs, mercadinhos, sucos de romã, tâmaras e gente barulhenta.
     Chegamos mais cedo ao hotel. Hoje é o último dia dos italianos e eles tem que arrumar as malas.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                             Eulina
   

quarta-feira, 13 de março de 2013

Belém

                                



                                                                            BELÉM         
                                                                                   
                                                                                                                                       30/12/2013


     Quatro quilômetros antes de chegar, descemos do ônibus. Queremos chegar em Belém a  pé. Desta vez, caminhamos em silêncio. Estamos todos emocionados com a chegada. Afinal, completamos o percurso. 
    Para Maria e José deve ter sido muito mais difícil.  Eles não tinham carro de apoio, não passavam a noite dormindo em camas quentinhas, nem comiam comidas especialmente preparadas para eles... Eles só tinham um burrico.

      Belém é uma cidade grande, moderna. Chegamos por volta de meio dia e fomos direto ao Siraj Center (entidade palestina que organiza essas caminhadas). O escritório pequeno fica no segundo andar de um predinho. Para entrar, subimos um lance de escadas. Fomos recebidos por Michel, membro da diretoria. Muitos abraços, muitas confraternizações, muitos sorrisos. Eu propus que nos dessemos as mãos para agradecer a Deus a graça de termos chegado à nossa meta, sem nenhum contratempo e  dedicamos toda a nossa caminhada à Paz entre os povos.

     Depois de prometer que iremos divulgar tudo o que vimos, saímos de lá felizes, e fomos
dar uma volta pela cidade, com direito a  compras. Fomos almoçar num restaurante típico ( como se ainda não tivéssemos comido nada típico!), com  serviço de rodízio. Comida boa, nós nos empanturramos. Ao fim do almoço, Nidal chega e nos apresenta o nosso guia da cidade. Ficamos todos conversando um pouco. Eu vou ao toalete. Quando volto, Nidal não está mais. Ele se despediu de todos e deixou "um abraço" para mim. Seu trabalho como guia do deserto está encerrado. Diante do meu espanto, os italianos me explicam que ele tinha pressa, porque ia tomar um ônibus para voltar à sua cidade. Custo a crer! Se ele tinha pressa, por que não começou a se despedir antes?

     Quanta coincidência! De repente ele  se despede de todos, justo na minha ausência, e com tanta pressa, que não deu tempo de  esperar eu voltar do toalete!  Se foi proposital, eu fico pensando no tempo que ele gastou pensando em como fazer para não se despedir de mim... Que coisa! Que estrago pode fazer uma  cerveja...  descumprir uma ordem boba... Ah, não vale a pena ficar pensando nisso.

     O novo guia nos chama, o ônibus nos espera.  Belém é uma cidade grande e turística, cheia da lojinhas de badulaques. A grande atração é a Igreja da Natividade. Como sempre, em cima de um local onde aconteceram fatos importantes para os cristãos, construíram um igreja.  É pra lá que vamos, foi por isso que viemos.

     A Igreja fica ao fundo de uma grande praça. É bem grande, toda de pedra e pelo menos de frente, tem o aspecto de uma igreja católica convencional. É administrada por sacerdotes franciscanos. Entramos. O guia desanda a falar suas histórias. De início eu até me esforço para ouvir... mas não consigo. Ele fala tudo bem depressa, porque atrás ficam outros grupos com outros guias esperando para contar suas historias.

     Fico olhando em volta. É tudo de pedra, o interior é sombrio. A igreja está cheia de turistas, que se aglomeram em uma grande e tortuosa fila. Cada grupo com seu guia, todos falando, falando... Ai, que saco! E o pior é que não há alternativa. Ou ficamos na fila e conseguimos ver o local da Natividade, ou não vemos nada. A fila passa por um buraco que fica no chão, à esquerda, por onde se vê um pedaço da antiga igreja que existia neste local e que foi destruida em alguma das muitas guerras que o guia tenta relatar em meia hora.

      A fila anda, o guia fala. Não há a menor possibilidade de recolhimento ou elevação espiritual pelo menos, pra mim. O guia conta que nas noites de Natal, vêm turistas do mundo todo. Participam de uma procissão e depois assistem à missa... Credo!  Imagino a balbúrdia! Ainda bem que não consegui vir a tempo de chegar na noite de Natal!  Comento com os italianos, eles concordam comigo.

      Ao lado direito do altar, na sacristia, há um balcão onde se vendem coisas. A fila passa por lá. Eu compro um quadrinho com a cena do presépio. Logo em seguida à esquerda, há uma porta, e depois de alguns degraus, começam as cavernas. Esta igreja também entra dentro da montanha. Entramos. Quando digo entramos, não estou me referindo a uma ou duas pessoas. É o grupo inteiro, que estava na fila. E não é só este grupo. Todos os que estavam no começo da fila entram na primeira caverna, que não é grande. Ficamos aglomerados, falando baixinho e bufando num lugarzinho apertado, enquanto os guias dos vários grupos baixam o tom da voz e vão ficando em silêncio. Andamos com as cabeças rodando, para ver todas as paredes da caverna onde estamos, e vamos indo em direção a mais alguns degraus, até que chegamos em outra caverna.

     Então se dá o encanto. Todos silenciam. Estamos no lugar onde Jesus nasceu!  Dá pra sentir a vibração no ar! Do lado direito, numa reentrância maior na parede de pedra, existe uma grande uma estrela dourada encrustrada no chão. Dizem ser o primeiro lugar na terra tocado por Jesus. O lugar é pequeno e apertado, mas todos se aproximam, um a um e se ajoelham. Passam a mão na estrela e rezam em silêncio. Eu faço o mesmo.
     Parodiando Roberto Carlos, eu canto em silêncio: "Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui." Foi pra isso que vim. Foi pra isso que atravessei o deserto. Finalmente, a emoção, coração disparado, água nos olhos. Sim, eu estou aqui! Foi aqui que Maria pariu!

     Do outro lado dessa caverna, noutra pequena reentrância, fica o local da manjedoura. Lá o Menino ficou, envolto em panos.
     Mas é difícil manter o encanto, dentro desse lugar tão pequeno e tão aglomerado de gente. Logo começo a pensar. A vaca e o burrico não cabem neste lugar onde Jesus nasceu. Provavelmente, depois do parto, Maria o colocou na manjedoura e só então ele foi aquecido pelos animais. Eu fiquei imaginando Maria dando a luz. Será que José estava perto? Como será que ele cortou o cordão? E como fez para limpar  tudo, depois que nasceu a placenta? Ai! Será que é pecado pensar essas coisas? Sei lá! Acho que o mais importante não é o jeito que Jesus nasceu, mas sim o que ele ensinou, a vida que levou, o exemplo que deixou. Essa último pensamento me reconforta e eu saio desta caverna. Ainda há outra caverna, menor, mais escura e surpreendentemente, quase vazia. Passo por lá e já estou aflita para sair. Quero sol!

    Saio depressa e vou para o jardim, onde fico esperando pelos italianos, respirando aliviada. Foi uma decepção? Não sei. O encantamento ocorreu, mas foi só por instantes! E a única coisa que pude fazer, foi lembrar da canção do Roberto Carlos...Logo o ônibus chega e vai nos nos levar para Jerusalém. 
   
    Como será Jerusalém?

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                                                              Eulina
   
   
   
   

quarta-feira, 6 de março de 2013

Jericó - Belém

          
                                                                                        

                                                            JERICÓ -  BELÉM


                                                                                                                                    30/12/12

     Hoje caminharemos até Belém!

     Logo depois do lauto café da manhã, no enorme salão do Resort em Jericó, empilhamos as malas na portaria do hotel. Quando chegou o ônibus, Nidal começa a colocar as malas no bagageiro. Ele está nessa função, quando eu chego:
     -Good morning, Nidal!
     Silêncio. Eu tento de novo:
     - Good morning, Nidal!
     Desta vez, não houve silêncio. Ele começa a falar na língua dele, com o motorista do ônibus.  Será que ele não quer falar comigo? Estou esperando ele parar de falar para tentar novamente, mas ele continuou falando e saiu de perto.  Pôxa! Acho que a cerveja que tomei, fez um estrago maior do que pensei.
     Ah! Deixa pra lá.

     O ônibus parte com nossas malas e nós partimos a pé atrás de Nidal. O percurso  hoje é mais curto, estamos no último trecho da caminhada, vamos almoçar em Belém.
     Andamos agora, por montanhas, mais altas,  mais áridas e mais bonitas.  Mas não é muito difícil, porque existe um caminho, não é preciso andar no meio do campo, ou no leito seco de rios. Andamos felizes, subindo as montanhas, em fila indiana. Vemos precipícios no lado esquerdo do caminho e lá em baixo correm riachos. Vimos até um rato do deserto. Ele não tem medo. Fica paradinho nos olhando, da mesma forma que ficamos olhando para ele. A paisagem portentosa,  montanhas,  vales,  céu muito azul,  pássaros, tudo me faz pensar na eternidade... Passamos por mosteiros construidos nas cavernas, então, só vemos a fachada, as instalações do mosteiro ficam dentro da montanha. É estranhamente belo, enxergar a montanha, com uma fachada de mosteiro numa das encostas.

     Tento conversar com Nidal, perguntar coisas, mas ele age como se eu não existisse. Toda vez que eu me aproximo, ele começa a falar com outra pessoa. Que coisa! Mas alguém  perguntou e ele explicou que nesses mosteiros vivem monges que fizeram voto de solidão... não sei se é assim que se chama, mas eles não tem nenhum contato com outras pessoas. Vivem isolados nas montanhas, comem o que plantam. Alguns monastérios são cristãos ortodoxos e outros católicos. Eu estou fervilhando de perguntas a fazer, mas estou sem jeito de falar com Nidal novamente.

     Comento com Giacomo a atitude de Nidal e ele fica espantado, mas diz que pode ser uma coincidência, que ele pode não ter me ouvido. Eu fico sem saber se concordo ou não. E assim fomos andando, em fila indiana, todos extasiados com a beleza do lugar. A subida vai se tornando mais e mais íngreme, até que chegamos a um desses mosteiros nas cavernas.

     Há um grande portão de ferro e um caminho de pedras até a porta de entrada. O portão e a porta estão abertos. Não há ninguem à vista. Nidal diz que é assim mesmo, que esse monastério é ortodoxo e dedicado a São Jorge..
      Entramos numa sala comprida, toda de pedra, com uma parede aberta para o vale entre as montanhas. Deslumbrante! No meio da sala está uma mesa, com um bule bem grande cheio de café, uma vasilha com biscoitinhos, e uma jarra com água fresca. Há copinhos para o café e copos maiores para a água. Mais ao fundo, depois de atravessar um corredor, ficam os banheiros, limpíssimos. Segundo Nidal, fica tudo sempre a disposição de peregrinos.

     Depois de ir ao banheiro, tomar água, café e comer biscoitinhos, vamos explorar o local. Entramos por uma porta á direita, e estamos numa capela, cheia de estátuas e pinturas de São Jorge, com dragão e tudo! Eu até rezei para o Corinthias!  É tudo muito bonito, de grande qualidade artística. Nessa capela.há uma porta que dá num pequeno museu. Vou andando e observando as relíquias de São Jorge, painéis com a história dele em latim, quadros e objetos. Sigo olhando, até que vejo os italianos, no fundo da sala, cheio de exclamações: Mamma mia, Cáspita, e outras mais que não sei reproduzir. Vou lá ver e fico boquiaberta!

     É a múmia de São Jorge! Eu nunca tinha visto uma múmia antes! É horroroso! Uma pessoa inteirinha preta, bem magrinha, com a boca aberta, cheia de dentes enormes, toda vestida com um traje de guerreiro da época, de seda (pelo menos me pareceu seda) vermelha, com bordados dourados. Das mangas largas saem braços bem fininhos, pulsos e mãos esquálidas com dedos compridos e unhas que parecem garras. A cena me causou uma impressão horrível, acho que se eu fosse criança ia chorar de medo. Deu vontade de chorar, mesmo sendo adulta.

     Olhei um pouco... pra que serve mumificar uma pessoa? Sei lá, os faraós queriam ser eternos... então mumificavam seus corpos. Mas um santo cristão? Ele já não tem uma alma eterna? Salve Jorge!

     Saio logo desse museu e fico na sala aberta para as montanhas. Depois do susto e do medo da múmia, esta sala com sua vista esplendorosa me dá uma grande sensação de paz. Na hora de ir embora, chegam dois monges. Todos agradecemos a acolhida (em inglês) e eu peço a êles que rezem por nós.

     Na saída, Nidal  reúne todos para dar alguma explicação e eu aproveito que estão todos ouvindo, e faço uma pergunta. Não me lembro qual foi a pergunta e nem qual foi a resposta, mas me lembro de que Nidal respondeu. Foi breve, foi uma resposta curta, mas respondeu. Creio que por falta de alternativa, afinal não ia ficar bem ele não me responder na frente de todos.

     Novamente a caminho, vamos agora para um mosteiro muçulmano. Vamos descendo, agora. Somos seguidos por um homem, com pano estilo Arafat na cabeça, levando um burrico. Ele fica oferecendo a descida no burrico. Nidal diz para não aceitarmos, porque depois ele vai cobrar caro. Mas o cara não desiste. Eu olho bem, porque parece cena de filme. Aquele cara, com as vestes de algodão, bem simples, o pano na cabeça, levando o burrico, poderia ter saido do filme "Ben Hur" ou os "Dez Mandamentos". Ele vê que eu o olho muito e acha que eu estou com vontade de montar no burrico. Eu até tive mesmo vontade de montar, mas não me atrevi a descumprir outra ordem de Nidal. O homem ouve os italianos me chamarem de Lina e passa a me chamar também. E lá fomos nós, andando em fila indiana, com o cara atrás, chamando meu nome toda hora. Foi bem chato.

   E vamos assim, até uma espécie de praça, onde ficam os ônibus de turistas e lá estão vários homens vestidos da mesma forma, com o pano Arafat na cabeça, cada um com seu burrico. Essa praça fica na beira de uma estrada bem grande, asfaltada.  Entramos no nosso ônibus  e começamos a subir outra montanha. Subida muito acentuada. Montanha bem alta.

     Algum tempo depois, chegamos a um mosteiro muçulmano. Acho que o nome é Mar Sabat. Descemos do ônibus e os homens entram no mosteiro, enquanto nós mulheres ficamos no jardim, em frente ao portão. Só podemos ver o portão e os muros. Que merda!
     O monge que fica na porta traz suco de romã pras mulheres. Simpático.

     Aproximadamente meia hora mais tarde, os homens voltam. Falam, falam contando o que viram e pelo que entendi do italiano, dizem que este templo muçulmano não tem muita diferença dos outros  pelos quais passamos. Grande coisa, nós mulheres não entramos em nenhum. Mas, pelo pouco que pude ver do lado de fora, os templos muçulmanos tem um grande salão, onde os homens colocam seu tapetinho para rezar. Não tem mesmo muita graça, pelo menos aqueles que espiei curiosamente do lado de fora, sob os olhares apreensivos de todos os homens que estavam perto.  Essa é outra coisa que eu das quais vou ficar curiosa para sempre. Como as mulheres rezam? Por que as mulheres rezam diferente dos homens?

     Descemos até chegar ao local onde ficou o ônibus. Só que desta vez, não entramos nele. Queremos chegar a pé em Belém.

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                                                                Eulina

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ainda Jericó - Mar Morto ~A cerveja

                                                              


                                                           JERICÓ - MAR MORTO


                                                                                                                                     29/12/12


     Vamos todos ao Mar Morto. Todos com seus trajes de banho por baixo.
     Saímos da cidade. O micro ônibus vai por uma bela estrada larga e asfaltada. Estamos em território israelense. Passamos por carros novos, avistamos terras férteis. Tudo muito diferente. Chegamos num balneário. Entrada por um jardim, caminhos floridos, passamos por lojinhas, restaurantes e depois de descer uma escada, vestiários. Os frequentadores são na maioria loiros, altos, creio que americanos, franceses e alemães.

    Descemos as escadas e chegamos em uma grande praia. Apesar de ser inverno, está calor. Estamos quatrocentos metros abaixo do nível do mar! Na areia da praia ficam cadeiras e guarda sóis. Olho em volta. Se me mostrassem uma fotografia deste local, eu iria achar que era alguma praia do nordeste brasileiro ou do Caribe. Não tão bonita, mas parecida.

     Os homens entram no mar. As italianas ficam nas cadeiras, com exceção de Antonia e Katia que entram também. Eu entro na água. Esperava que fosse mais gelada.  É  quase sem ondas e a água tem temperatura agradável. Mas o chão... ah, o chão é coberto por uma lama preta grudenta e movediça. Eu ando, ando e não saio do lugar, é difícil tirar o pé do chão. Os pés vão afundando na lama. Olho em volta, vejo uma porção de gente se lambuzando com a areia. Ficam todos negros.

      Eu não consigo andar direito, continuo engatinhando, até chegar numa altura em que a água fica acima de minha cintura. Então, eu boio. Dá pra ficar sentada  na superfície. É engraçado, dá pra curtir,  mas a lama preta é nojenta. Me fa squiffo, como dizem os italianos. Só agora percebo que as pessoas pretas que vi são  Giacomo e  Nidal que parecem se divertir muito, pois dão muitas risadas. Eu continuo sentada na água, olhando, sem achar nada de graça e me sentindo melada com toda aquela lama preta. Afe!

     Eu não aguento por muito tempo, me arrasto penosamente até a praia e depois de cambalear sobre a lama movediça chego à praia e me dirijo imediatamente a um dos chuveiros que ficam na areia. Fico um pouco com as italianas nas cadeiras e logo vou para o vestiário. Em seguida, saímos da praia,  passamos pelas lojinhas, onde se vendem, entre as onipresentes "lembrancinhas",  frascos de lama preta, que dizem fazer bem pra pele - argh!
 
     Eu resolvo dar uma volta pelos arredores, enquanto espero o resto do pessoal. Num carrinho, parecido  pipoqueiro, um rapaz vende tâmaras. Eu compro uma caixa. O rapaz vê a camisa amarela tipo seleção brasileira e, para meu espanto, começa a cantar:
      "Ai se eu te pego, delícia, delícia!"
       Ele capricha na coreografia! Meu Deus, que coisa! Até aqui! Tanta música brasileira boa e eu ouço logo essa!

      Antes de voltar ao hotel, o ônibus passa pelo centro de uma pequena vila, para que possamos dar uma volta a pé e conhecer o local. Parece uma típica cidadezinha de praia, dessas que existem em países ocidentais. A grande diferença, além da língua falada, são as letras nos cartazes das lojas. A maioria das pessoas se veste à maneira ocidental. Há uma pracinha, com um coreto no centro, e sinais de trânsito nas ruas em volta. As ruas  de comércio são muito parecidas com a Vinte e Cinco de Março ou a José Paulino, em Sampa. Lojas pequenas, apinhadas de gente, cheias de mercadorias dependuradas no teto. Numa delas, eu entro e compro um pano "Arafat".

     Pequenos restaurantes, cheirando a gordura, com o cardápio do dia escrito numa lousa, na entrada. Nós tomamos suco de romã, abundante e delicioso. Uma curiosidade: os restaurantes colocam mesinhas na calçada, e em cima delas, fica um narguilé. Vários velhinhos (só velhinhos) estão sentados em volta fumando e conversando. É uma espécie de happy hour. 
     Tudo tão diferente das paisagens bíblicas às quais estávamos acostumados!

                                                                        ***
     Voltamos para o hotel. Banho demorado, com shampuzinho, condicionador, potinho de creme, tudo o que tenho direito. Roupa limpa, me sinto revigorada, novinha em folha.
    O restaurante como tudo neste hotel é grande e bonito. Comidas caprichosamente decoradas, expostas numa mesa enorme. Nós nos servimos e nos sentamos a uma mesa. Nidal virá jantar conosco. Estamos todos alegres e pedimos cerveja. Nidal chega e conversamos um pouco. Nidal fala que somos um ótimo grupo e que ele se sente amigo de todos nós. Eu digo que nós pedimos cerveja e queremos brindar com ele. Estamos todos em clima de festa, nos preparando para um brinde, e levamos um susto quando Nidal disse:
     - Se voces forem tomar cerveja, eu mudo de mesa! 
     - Por que?  - eu não estou acreditando direito, acho que é um tipo de brincadeira, sei lá... 
     - Porque eu sou proibido de me sentar à mesa com alguem que toma bebida alcoólica - brilho de aço no olhar.  
     Eu acho absurdo, acho difícil de acreditar, não pode ser verdade... os italianos desandam a falar, falar, eu acho mesmo que é um tipo de brincadeira. O garçom fica parado esperando. Eu mantenho o meu pedido. O garçom vai embora e os italianos continuam falando. Nidal está em silêncio.
     O garçom volta com as bebidas. Eu gelei quando vi várias garrafas de refrigerante e só uma cerveja, a minha. Não era brincadeira! Os italianos cancelaram a cerveja. Obedeceram  Nidal, aos preceitos da religião de Nidal!  Afinal estamos na terra dele... disseram. E eu? Fiquei com cara de transgressora. Fiquei sem saber o que fazer. Se eu tivesse entendido a discussão dos italianos que resultou no  cancelamento do pedido, eu provavelmente também teria, muito a contragosto, cancelado a minha cerveja.
      Mas não foi o que aconteceu. Eu mantive o pedido, agora não sabia o que fazer! O constrangimento foi geral! Nidal fechou a cara e eu não tenho coragem de tomar a cerveja. Comemos todos em silêncio. Aquele que seria um jantar agradável, com um brinde às nossas aventuras, se transformou numa situação altamente desconfortável para todos e especialmente para mim, que não consegui tomar a cerveja, sentada ao lado de Nidal, de cara amarrada. Como em silêncio enquanto observo a cerveja degelar suando a garrafa, na minha frente. Até que uma das italianas, a Donata veio pegar a garrafa e a levou para a outra ponta da mesa, longe de Nidal.
     Quando acabei de comer, peguei a garrafa, e mudei de mesa para tomar sozinha a cerveja quente! Foi horrível!
     Depois que Nidal foi embora, os italianos todos começaram a falar ao mesmo tempo, discutindo e analisando a situação. Tentei participar, mas eles estavam exaltados e falavam muito depressa, eu não consegui acompanhar. Mas deu pra entender que eles também não aprovam a conduta de Nidal. Não sei o que pensaram de mim, mas não deve ter sido nada muito ruim, porque continuaram a me tratar da mesma maneira.
     Eu  fui dormir impressionada com o brilho gelado nos olhos de Nidal, com a intolerância de seus preceitos religiosos e com o absurdo da situação!
     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                               Eulina  
   
     
     
   

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Al Auja - Jericó

       



                                                                     AL  AUJA -  JERICÓ

                                                                                                                         29/12/12

     Al Auja é o nome do lugar onde fica a Tenda dos Beduinos.
     Ontem, depois do jantar, veio um taxi e levou Andrea ao aeroporto.  Ficamos à luz do luar, esperando o taxi com ela. Hoje ela vai voltar para a Alemanha. Sentimos sua falta. Agora somos dez.
     Hoje a caminhada é mais curta: dezesseis km. Vamos para Jericó.

     A paisagem é a mesma. Porém as terras são um pouco mais férteis. Há plantações de laranjas. Continuamos descendo. Agora, a descida é mais suave. Hoje há um novo check point. Visto a minha camisa tipo seleção brasileira. É o meu maior trunfo para enfrentar a guerra. Sigo a recomendação de um reporter que cobriu a guerra. Ele disse que vestindo a camisa da seleção brasileira, ele deixava bem claro que não tem nada a ver com essa guerra. Por isso, nunca teve problemas com autoridades de ambos os lados. Sem Andrea para conversar, fico mais tempo em silêncio. Os italianos continuam sua algazarra.

     Chegamos ao check point. Muitas recomendações. Stress. No photos, No jokes. Everybody quiet.  Passaporte na mão. Italianos em silêncio. É uma construção no meio do nada, quadrada, enorme, dois ou três andares, com poucas e minúsculas janelas. Passamos pelas catracas em fila indiana.Outra vez, não há ninguém. O que será que aconteceu com os check point?  Estão sempre vazios... Gianfranco, para desespero de Nidal, pergunta a cada cinco minutos:
    - May I take a photo now? 
    - Não! - responde Nidal - Eles devem estar escondidos em algum lugar, de onde nos observam. No photos, keep walking! 
    E nós caminhamos tranquilamente, sem incidentes, até a entrada de Jericó, onde havia um micro ônibus a nossa espera. Se os "israelis" nos observavam, perderam seu tempo, pois  viram apenas pessoas pacíficas.
    Andamos de ônibus por Jericó, até uma estação de teleférico. Local turístico, lojinhas com badulaques para vender. Depois de tanto tempo no meio do deserto e de pequenos povoados, estranhamos a cidade grande, o asfalto, os turistas... pelo menos, eu estranhei. Acho que os italianos também. Não houve oportunidade para perguntar e comentar, porque logo entramos na fila do teleférico e chega a nossa vez. Lotamos dois bondinhos. Eu fico admirando a cidade de Jericó, rodeada de montanhas. 

Mais uma vez, não sei aonde vou. Eu acho um barato! Adrenalina pura, estar a caminho de um lugar, que eu não conheço, para ver alguma coisa que eu não sei o que é! Curto cada instante da viagem de bondinho.

     Chegamos. Nidal explica que estamos no local, onde Cristo foi tentado por Lúcifer. Eu me lembro das  aulas de catecismo. Cristo ficou no deserto meditando por quarenta dias, se preparando para a vida de pregações que iria enfrentar. Ao final dos quarenta dias, Lúcifer o tentou, dizendo que olhasse e cobiçasse todas as riquezas  da cidade ao pé do morro. Cristo resistiu. Depois dessa breve explicação em inglês, traduzida para o italiano por Silverio, começamos a subir uma enorme escadaria. Na metade, estamos todos bufando. Nidal, com seu senso de humor muçulmano, diz:
   - Cristo subiu, e naquele tempo não tinha escada...
   - Mas Cristo era Deus e eu não sou, - respondo. Nidal fica em silêncio.
   - E, além disso, ele tinha 30 anos e eu tenho 69!
   - Ah, desta vez, voce tem razão...  Já estamos quase chegando.

     No alto, uma igreja cristã ortodoxa. Como em todos os lugares sagrados que vi, sempre há uma igreja em volta. E dentro da igreja mais escadas. Essa igreja fica encostada na pedreira e vai subindo, então a parede do fundo é sempre de pedra. Passamos por uma capela, com altar ao fundo, atravessamos, subimos mais escadas, passamos por outra capela, outro altar, mais escadas, uma sacada, uma salinha que parece um museu, cheia de imagens e fotos, com um padre barbudo e mal humorado vendendo velas e no fundo dessa salinha, uma escadinha. Vou direto para a escadinha subo e chego a uma salinha menor, sendo que do lado direito na parede de pedra, há um lugar especial que, segundo as explicações, foi onde Jesus estava quando foi tentado. Os visitantes, creio que quase todos cristãos, passam a mão na pedra. Eu, obviamente, passo a mão também, pensando que talvez eu estivesse colocando a mão no mesmo lugar que Cristo colocou...  Senhor, livrai-me das tentações.

      Desço a escadinha, acendo uma vela e me dirijo à capela maior, onde agora há um grupo de cristãos negros com longas vestes de um branco encardido, rezando, com um padre na frente do altar, celebrando uma cerimônia. Os negros cantam e alguém filma. Fico ali observando. Não sei que língua falam.
     De repente, o padre barbudo e mau humorado interrompe a cerimônia aos gritos, falando outra língua  difícil. Eu não entendo nada, quero ficar olhando para ver o que vai acontecer, mas Nidal me chama. Eu pergunto que esta acontecendo e ele diz que o padre não quer aquela cerimônia. Grande coisa, isso eu tinha visto, eu quero é saber o motivo. Nidal diz que também não sabe e que não devemos ficar ali, porque os outros estão nos esperando. Desço as escadas relutando... mais uma coisa que eu nunca vou saber.

     Em baixo de todas as escadas, fica um restaurante. Almoçamos numa mesa grande, de frente para um terraço com a vista da cidade. Além da comida árabe, sempre deliciosa, há pratos internacionais. É um grande ponto turístico.

     Descemos de  teleférico e depois tomamos o ônibus até o hotel.
     Oh! O hotel! Trata-se de um resort, com direito a piscinas, saunas, parques, jardins, entrada com escadaria e criados uniformizados que carregam a mala, andam quase marchando, peguntam se não queremos mais nada, e... acho que no nosso caso, desistem de pedir gorjeta, tendo em vista as nossas roupas empoeiradas, as botas imundas e os cabelos desgrenhados...

     Fico sozinha num grande quarto, com uma cama de casal, banheiro também grande e uma varanda com vista para os jardins e as piscinas, num primeiro plano e a cidade de Jericó mais ao longe. Toalhas e lençois alvíssimos, sabonetinho e shampuzinho e creminho. Realmente, este hotel deve ter muitas estrelas.

     Tomo banho, lavo minhas roupas, ponho tudo para secar nas cadeiras da varanda, visto o biquini  por baixo da roupa limpa e vou me encontrar com os italianos para irmos ao Mar Morto.

      Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                               Eulina

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Duma - Tenda de Beduinos

                               
                                                                         

                                                     DUMA - TENDA DE BEDUINOS



                                                                                                                                   28/12/2012

      Sabemos que o dia de hoje será difícil. Subidas e descidas íngremes, principalmente descidas. Vamos descer até abaixo do nível do mar. Poucos povoados. A região é a mais deserta de todas.

     Passamos por um empório, para comprar o lanche e eu novamente cheguei perto de uma mesquita pra ver como é por dentro. Vejo a cara preocupada do guia e de todos os homens que estão na rua. Eles todos suspiram aliviados quando eu saio de perto da porta.
     Por que mulheres não entram?  Onde as mulheres rezam?

     Lanche na mochila, partimos. Hoje temos dois guias. Nidal e um outro cujo nome não ouço direito e fico envergonhada de perguntar pela terceira vez. Mas ouvi contar que ele tem três mulheres e onze filhos! Uau! Como pode?

     Na subida eu vou bem. Bufo um pouco, como todos, mas não tenho maiores problemas. Mas na descida... eu cometi um erro enorme quando estava preparando minha bagagem de peregrina. Não olhei para a sola de minhas botas. Fiquei feliz de tê-las já há tempos e de serem tão confortáveis.  Mas não vi que as solas estão perigosamente carecas. Isso significa que para andar no plano e na subida, eu não tenho problemas. Mas na descida, quando todos os santos ajudam e o diabo empurra, as botas não me dão nenhuma segurança. Escorregam muito, principalmente se existem pedrinhas no chão. As pedrinhas são um perigo. E o que não falta são pedrinhas no chão das montanhas dos desertos da Palestina. Eu nem pude prestar muita atenção na paisagem, nem nas conversas. Fiquei concentrada no caminho. E a descida foi se tornando cada vez mais difícil. À certa altura, passamos a caminhar sobre o leito de um rio seco. Além das pedrinhas redondinhas no chão, há pedras enormes, em trechos que devem ser encachoeirados, quando há água. As pedras grandes requerem mais força, mais agilidade. Eu escorrego e caio três vezes e a cada vez, tenho que me levantar depressa e explicar a todos que eu estou bem, que não me machuquei, que estou em perfeitas condições de continuar, que não se preocupem. Mas eles se preocupam. Nidal passa a segurar as alças de minha mochila, o que me deixa ainda mais aflita. Ando um bom trecho com Nidal segurando as alças da mochila, como se fossem os arreios de um burrico. Fico pensando que agora, eu pareço o burrico que carregou Maria, sendo levado por José que segurava as rédeas. Não gostei. Pedi a Nidal que me desse a mão. Senti que para ele, pegar na mão de uma mulher, deve ser complicado. Mas eu estava realmente precisada de uma mão amiga. Sei lá o que ele deve ter pensado, mas pra mim foi tudo o que eu precisava para descer aquela montanha.

     Descemos, descemos, por entre pedras e pedregulhos, até que chegamos a uma planície. Soltei a mão de Nidal. Estamos quarenta metros abaixo do nível do mar! Depois de um tempo, chegamos a um acampamento de beduinos, povos nômades, que vivem nesta região da Palestina. Moram em tendas. São muito pobres. Os homens são pastores e as mulheres criam galinhas. Acho que eles vivem da renda proveniente dessas atividades. Como sempre há muitas crianças sorridentes, mas não há escolas. Para estudar, as crianças devem deixar o acampamento. Pela quantidade de crianças que vemos, acho que bem poucas vão à escola.

     Chegamos à tenda em que vamos dormir. É um barracão enorme, coberto de lona e plástico por fora, sendo que nas beiradas foram colocadas pedras para segurar o plástico, durante as ventanias. Por dentro, há cortinas e o chão é todo acarpetado. Tiramos as botas e andamos descalços dentro da tenda. Os beduinos fizeram uma grande roda ovalada no chão, com colchonetes. Cada colchonete tem um travesseiro. É onde vamos dormir. Muito mais confortável do que qualquer camping que eu conheço. Em um dos lados da tenda, há uma grande prateleira onde se encontram as famosas pilhas de cobertores. Eu escolho um lugar, coloco minha mochila do lado, estendo meu saco de dormir em cima do colchonete  e me sinto em casa!

     O banheiro merece um parágrafo especial. Fica longe, uns cem metros de distância. Consiste em uma parede de alvenaria, em forma de caracol, sem telhado. Inteiramente escondido, (para quem está do lado de fora), no centro do caracol,  fica um buraco com um vaso sanitário em cima, daqueles que a gente coloca os pés e fica agachada. Fedorento, porém limpinho.  Usei com gosto.

     Chegamos, arrumamos nossas coisas e saimos para conhecer o acampamento. As crianças vem atrás.
São várias tendas, que ficam em volta de um grande curral de ovelhas. Eu fico um tempão vendo os pastores e os cachorros recolherem as ovelhas no curral. As ovelhas bebês, não vão para as montanhas. Ficam o dia todo num pedaço cercado do curral.  Depois que as ovelhas adultas chegam, os pastores, especialmente as crianças, soltam as mães no curral dos filhotes. É um belíssimo espetáculo. Todos os filhotes berram muito e as mães ficam andando bem devagar, dando pequenos balidos e olhando para todos os lados, até que acham o seu filhote. Elas cheiram cheiram, dão uma lambidinha e os filhotes param de berrar e começam a mamar. Tudo isso dura uma meia hora, no máximo. É uma meia hora de puro encantamento.

     Estamos na hora do por do sol. É outro espetáculo glorioso. O céu da Palestina tem tons pastéis. Bem diferente das nossas berrantes cores tropicais. Lá ele vai se tingindo de rosa, laranja, vermelho escuro, roxo, mas sempre meio esfumaçado, não há contrastes, estamos olhando um tom de rosa, quando nos damos conta já é um vermelho, quase roxo e tudo isso se faz suavemente.
 Eu acho que essas ocasiões sempre merecem uma música. E a música aqui, seria a tão óbvia quanto suave Ave Maria de Gounod e não a bombástica Jesus é a Alegria dos Homens de Bach, mais apropriada para o por do sol no Pantanal de Mato Grosso do Sul... 

Pois bem, ficamos todos, alemã, italianos e eu, em um silêncio extasiado, admirando o sol se pôr atrás das montanhas desertas. E não acabou aí. O êxtase continuou, porque logo em seguida, o céu já quase escuro, passa a ficar avermelhado novamente e começa a aparecer a lua. A primeira beirada da lua é quase vermelha, depois ela vai crescendo, ficando alaranjada, e quando está quase inteira, fica amarela. Esse amarelo vai clareando, até que ela fica inteiramente prateada. É noite de lua cheia!
     Como diz o Gil: "...do luar...  não há nada mais a dizer... o luar... é preciso ver o luar".
     Que bom que eu vi o luar  no deserto!

     Hoje, não há banho. Ficamos todos na tenda. Algumas das italianas jogam cartas: Porca miseria! Mamma mia!   Caspita!   Aspecta un attimo!  São engraçadas as italianas.

     Andrea fica rodeada de crianças. Chego perto. As crianças não falam inglês e ela não fala árabe. Mas eles se entendem. Fazem gestos, emitem sons, fazem mímica e dão muita risada... Antonia e eu vamos dar uma volta à luz da lua. Chegamos numa tenda. Uma mulher com suas longas roupas e o véu negro, mexe numa panela sobre um braseiro, dentro de uma tenda. Reparamos que ela segura seu pulso e faz uma cara de dor. Falamos em todas as línguas que conseguimos e descobrimos que ela machucou o pulso. Eu tenho uma pomada espírita do Vovô Pedro e Atonia tem uma atadura. Vamos para a nossa tenda e voltamos com a pomada e a atadura. A mulher nos espera. Eu passo a pomada e fico massageando seu pulso, até ela sorrir e acenar com a cabeça. Então Antonia vai enrolando a atadura, suavemente, até ficar bem firme. Ela sorri bastante. Acho que está agradecendo.

       Estamos abaixo do nível do mar e está uma temperatura agradável, mas Nidal disse que de madrugada vai fazer frio.Voltamos para a nossa tenda. Temos que ficar esperando o jantar. Acendemos nossas lanternas. Imagino uma produção complicada, com panelas de comida, bebida, pratos e copos, e provavelmente uma mesa, para acomodar tudo... mas, pelo contrário, vieram duas travessas, redondas e enormes, cobertas por um pano, que parecia uma lona. Uma criança nos deu colheres, uma para cada um e uma latinha de refrigerante.

    Falaram que devíamos nos sentar nos colchonetes. Os colchonetes estão colocados de forma oval, então eles colocaram as travessas nas extremidades e para nosso espento, Nidal nos disse para  tirar, rasgar e comer o pano! Na verdade, o pano é um tipo de pão, do qual a gente rasga um pedaço e come. Em baixo do pão, está uma grande quantidade de arroz, com especiarias e vários pedaços de frango, que devemos comer com as mãos. O arroz se come com a colher. Que delicia de comida! E que delicia comer assim, partilhando o mesmo prato, no centro da tenda à luz das lanternas! Nidal explicou que as beduinas nunca sabem a que horas os pastores (seus maridos ou filhos) vão chegar, então preparam a comida, cobrem com o pão e deixam no braseiro. Assim, os homens sempre comem comida quentinha.

     Dormi feito um anjo. Levantei à noite para ir ao banheiro, nem precisei da lanterna. Fiz pipi à luz da lua.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                              Eulina

     

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Nablus - Duma

                                                                                                  



                                                            NABLUS - DUMA


                                                                                                                                          27/12/12

     Café da manhã no hotel. Farto, como todos.
     Malas no carro de apoio, saímos caminhando. Primeiro, andamos pela cidade. Nidal nos leva para ver o mercado, pela manhã. O mercado é enorme e já amanhece confuso. Vendem-se desde móveis, eletrodomésticos, roupas, brinquedos, aparelhos eletrônicos,  utilidades domésticas, até grãos, frutas verduras, ervas, etc. E todos gritam e berram anunciando suas mercadorias. Fica na cidade velha, dentro de muros e tem inúmeros becos, vielas, pracinhas, tudo coberto por toldos. Cheio de sons, cheiros, cores e  gentes... tinha até uma loja com a bandeira do Brasil!

     Se a intenção era nos fazer gastar dinheiro no mercado, foi frustrada. Nem a alemã, nem os italianos e muito menos eu, compramos coisas. Olhamos tudo, com o maior interesse, Comentamos muito, falamos nossas línguas misturadas... mas não compramos.

     Nidal compra as coisas para o lanche do caminho e vamos  novamente por o pé na estrada.
     Ah! Que delícia a estrada, que bom estar nas montanhas! Tanta paz, depois da balburdia do mercado...      Vou caminhando, feliz, me lembrando de todos os amigos. Acho que me lembrei de todos mesmo.

      É engraçado, uma lembrança puxa outra. Comecei por lembrar dos meus pais, do tempo em que morava no Rio, meus colegas de infância no Externato Coração Eucarístico de Jesus, depois do Sacré Coeur, em São Paulo, do Clube Pinheiros, do Clube Paulistano, do Ginásio N. S. do Brasil, do Mackenzie, primeiro Secretariado e depois a Faculdade de Direito, da União Cultural Brasil Estados Unidos. Tudo isso, sem falar da família do Rio, na de Sampa, na de Mato Grosso do Sul, na Fazenda Rancho Alegre, onde passava as férias, na família da Bahia, nas empregadas domésticas com as quais convivi em minha casa ou em casa de parentes, dos amigos que fiz em viagens, dos que fiz enquanto era casada, dos que fiz logo depois de me separar, do ex-marido, dos namorados, dos paqueras, dos "casos",  dos amigos peregrinos, dos que fazem terapia comigo, dos que fazem artesanato, dos escritores amigos do curso antroposófico de escrita criativa, dos que trabalharam comigo em escritórios de advocacia, na escola/agência Yufon, no Jornal do Brooklin,  na Prefeitura, Freguesia do Ó, Butantã, Sto. Amaro, Campo Limpo, HABI e RESOLO... lembrei também dos vizinhos, do Rio, e em Sampa na Tucumã, no Butantã e na Vila Sonia.  E tem um capítulo especial para as filhas: eu me lembrei de cada uma delas, desde que nasceu, quando eram bebês, quando começaram a ir para a escola, me lembrei de suas gracinhas, de suas travessuras, de  seus amiguinhos de seus acidentes, dos sustos, das brigas, das alegrias, dos abraços e beijos. Muito boas lembranças!
     Vou andando e me lembrando... às vezes dou risada, as lembranças são engraçadas, às vezes sinto um peso no coração. Maus momentos, pessoas que me fizeram sofrer e pessoas que já morreram. Tentei ser democrática nas orações. Desejei Verdade, Justiça, Paz e Amor a todos, sem exceção.
     Credo! Acho que estou ficando carola, rezando tanto! Minha finada tia freira, Madre São Luiz, teria achado lindo!

     Hoje a caminhada é mais suave, as subidas e descidas não são tão íngremes, por isso deu pra ligar o "piloto automático", ou seja, as pernas andam, enquanto a cabeça voa. Enfrentamos novamente a prazerosa rotina do deserto: admiramos as montanhas, passamos pelo pastores, pelos burricos, almoçamos no campo e tomamos chá de ervas, fazemos pipi nas moitas olhamos as nuvens, ouvimos os cânticos muçulmanos... e voamos...
     "O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar..."

    Avistamos ao longe, uma grande construção no alto de uma das montanhas, que Nidal nos informou ser a Universidade da Palestina. Seu filho mais velho estuda lá.

   Chegamos a Duma que é um vilarejo, um pouco diferente. As ruas são mais largas e menos tortuosas. Paramos em um local, na entrada da cidade onde  vários carros nos esperam. Novamente fomos divididos em pequenos grupos. Eu fiquei num grupo com duas italianas Katia e Francesca além da Andrea. Subimos mais uma ladeira e chegamos numa casa grande casa térrea.  O dono da casa nos recebe e nos leva até uma sala bem grande, dividida ao meio. Na metade perto da porta, ficam dois grandes sofás, com uma mesa no centro. Na outra metade, ficam quatro camas e as tradicionais pilhas de cobertores. É onde vamos dormir. A sala é cheia de cortinas em todas as paredes. A um canto, uma mesinha, com várias fotos emolduradas. A maior é de um irmão do dono da casa, que foi morto num combate com os "israelis". Aliás, nas outras casas em que ficamos, também havia fotos de parentes mortos pelos "israelis".

     Como sempre, chegamos e nos sentamos no sofá, com o pai, que chama os outros filhos. São quatro.
E ficamos todos conversando. Essa família foi mais light, não contou tantas histórias tristes. A filha mais velha, tem por volta de 18 anos, veio de véu e estuda jornalismo na universidade que vimos no caminho. Um menino aparentando uns 14 anos ficou falando de futebol comigo. Ele disse que gostava de jogar e era fã de Cacá, Romario, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, que ele custou muito a pronunciar e eu custei a entender. Os  filhos mais novos eram mais tímidos, quase não falaram. A menina mais nova trouxe o chá e ficamos todos na sala, menos a mãe.

     Depois do papo, o banho. O chuveiro, no meio do  banheiro, era suficientemente quente, mas a água espirrava  na horizontal, em todos os sentidos, menos em cima da cabeça. Andrea tomou o banho circulando em volta do chuveiro. Eu resolvi o assunto. Desatarraxei o chuveiro e a água passou a sair direto do cano. Avisei a Katia, que tomou banho por último e ela atarraxou o chuveiro novamente.

     Depois do banho, o jantar. Sempre farto e desta vez, servido só para nós na mesa da nossa sala/quarto, encortinada. Os filhos se revezavam para trazer as comidas, mas não se sentaram conosco. Depois que jantamos fomos até a grande e escura cozinha, onde conhecemos a mãe. Atarefada no fogão e na pia. Ela não fala inglês. A filha mais velha serve de intérprete. Sem muita serventia, porque ela nada falou além de seu nome e dos agradecimentos aos nossos elogios à sua comida. A filha maior, tirou o véu. Tem longos, lisos, lindos e negros cabelos.

     Quando o pai chega, a mãe lhe serve um prato. Serve outro a um tio que chegou também. Parece que o restante da família já jantou.  Faz frio. A um canto da cozinha, há um braseiro, rodeado de almofadas, na frente de uma TV, que apresenta o noticiário local. Al Jazeera. Não dá pra entender nada. Eu tento conversar com as crianças, mas não tenho assunto. Andrea consegue. Conversa com o menino e depois com a futura jornalista. Ela diz que pretende fazer pós graduação nos Estados Unidos, que já tem um primo que estuda lá. Observo a mãe, ela olha para a filha, com olhos bem tristes. Vai perder a companhia. Fico pensando em quantas dificuldades essa menina vai encontrar para realizar esse sonho. Rezo pra ela também.

     Dei para a mãe um brochinho com a bandeira do Brasil, foi a única vez que a vi sorrir. No dia seguinte, na hora das despedidas, o menino que gosta de futebol, me deu um brochinho com a bandeira da Palestina. Deu e saiu correndo envergonhado, nem viu o meu sorriso e nem ouviu o meu agradecimento.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                                            Eulina