sábado, 26 de dezembro de 2015







                                                                    "PIPLO"


                    Não sei como se escreve, mas é como eles pronunciam"people". Vou tentar contar alguma coisa sobre cada um dos diretores e funcionários administrativos. E sobre os atuais estudantes.

                                           Diretores, Professores e Funcionários

                    Stina e Jesper. Noruega e Dinamarca. São os diretores São marido e mulher. Controlam tudo. Dirigem a escola, o hotel, a fazenda, a fábrica de suco, as plantações e os animais, tudo  com mão de ferro. Trabalham muito, exigem muito de todos os trabalhadores voluntários ou não, e dos estudantes. Conseguem manter tudo funcionando. Às vezes funcionando mal, mas sempre funcionando. Eu desenhei uma "schedule" para Stina e o sino que chama os alunos para as atividades, para Jesper.
                     Else Marie. Encarregada da promoção. Dinamarquesa.  Sua função é conseguir novos alunos e novos trabalhadores voluntários. Fica todos os dias num escritório, em frente ao computador. Adora brasileiros, sempre tem um ajudante voluntário brasileiro(a). Ela gosta de fazer caminhadas. desenhei um coqueiro, que está em todas as trilhas.
                     David. Professor. Polônia. Dá aulas chatas, sobre o fim do mundo, aulas cheias de estatísticas. Está sempre lendo, pesquisando. Engole as palavras quando fala. Eu dormia em quase todas as aulas dele. Está sempre com uma caneca de café nas mãos. Desenhei a caneca.
                     David inglês. Responsável pelo hotel e pelos hóspedes. Trabalha muito. Mas vai nadar quase todos os dias depois das quatro horas. Pra ele fiz um par de pés de pato e um óculos de mergulho.
                     Mahsa, iraniana. Gerente geral. Atualmente é lider do grupo de luta contra a pobreza. É muito simpática, mas muito exigente com o trabalho, com os horários, com a limpeza, etc. Eu fiz uma mandala colorida
                     Keke, americana,  Lider do grupo contra o aquecimento global. Candidata a professora. Super alegre, simpática comunicativa. Se atrapalha com o excesso de regras.  Namora a Mahsa. Desenhei o seu grande sorriso com um aparelho azul nos dentes.
                     Miguel. Colômbia. Vegano. Seguidor de todas as regras. Brigou muito comigo. E eu com ele. Mas era bom professor, deu aulas interessantes. Há um mês atrás, adoeceu, emagreceu e foi embora sem se despedir de ninguém. Acho que era um pouco louco. Compulsivo.
                     Francisco, venezuelano. O líder do meu grupo. Cheio de energia, e bom humor. Canta, dança, toca violão, cozinha, dirige a pick up, faz yoga, capoeira, trabalha na horta, cuidou da colombiana doente, me levou ao médico pra ver o que tinha acontecido com minha perna.  Super paciência. Um grande ser humano. Mas, um pouco confuso nos planejamentos. Juntava com a minha dificuldade de entender, e ficava tudo muito confuso. Desenhei o céu estrelado de Bequia.
                     Jona, sueca. Cuidava dos cavalos. Voluntária.Toda lindinha! Enfeitava a mesa com flores. Namorava o Francisco. Desenhei um carrinho de mão, cheio de esterco, que ela vivia transportando para fazer o composto.
                     Selly. Vincentiano. Também pau pra toda obra. Canta, dança, toca tambor, trabalha nas plantações, dirige pick-up, dá aula de história de St. Vincent, E o mais importante: conhece toda a população do país. Ele é a ponte entre a RVA e o povo de St. Vincent. Sem ele, a RVA não funcionaria. E o único que não mora aqui. Mora com a mulher e os filhos em Rose Hall.   Fiz um tamborzinho pra ele.
                     Monique.Vincentiana. Funcionária. Cuida da cozinha. Faz comida com pimenta demais! No começo só rosnava pra mim. Depois ficou minha amiga, diminuiu a dose de pimenta. Eu acho que nem ela gosta da comida que faz, porque traz marmita de casa. Fiz um caldeirão.
                      Fire. Vincentiano. Funcionário.  Rastafari e vegano.  Cuida da horta, do pomar, do jardim e dos pastos. Era muito mal humorado. Depois, começou a paquerar a Ana, ficou todo sorridente. Desenhei uma  touca de crochê, bem colorida, que os rastas usam pra cobrir o cabelo.
                     Susy. Assessora da Else Marie. Voluntária. Lindona. Parece pintura de  Di Cavalcanti. Mulherão! Coração enorme também. Ela é de Salvador e mora em Brasília. Espero encontrá-la muitas vezes ainda. Ganhou um berimbau.
                    Fabiana e Rosi. Também assessoras de Else Marie. Amba voluntárias, de Belo Horizonte. Super simpáticas. Com Fabiana, eu inaugurei "a hora da fofoca". Continuei com Rosi e por último com Susy. Espero reencontrar todas no Brasil. Elas não estão mais aqui, não ganharam desenhos.
                    Tyson. Vincentiano. Funcionário. Um Apolo negro. Beleza pura! Trabalha nas construções, com tratores, e ajuda nas aulas de mergulho. Sabe pescar com as mãos e consegue resgatar sozinho, um bote naufragado. Diz que está apaixonado pela Susy. Deixei com Francisco o desenho de um barquinho, pra ele.

                                                                  Alunos

                      Climate Complience Conference. Foi o curso que fiz. De julho a dezembro. Nunca entendi o que significa esse nome, apesar de todas as explicações. O curso começou em julho e acabou em dezembro.
                      Kelly, Maira e Laura. Colombianas. Jovens, alegres festeiras, trabalharam muito no sistema de filtragem de águas servidas, foram a muitas festas, quebraram as regras. Tiveram que ir embora. Laura ganhou uma carinha sorridente, Kelly uma mandala e Maira um jeans todo rasgado.
                      Nadhia. Companheira e amiga. Inventamos o sabão. Partilhamos muitas coisas, até que se apaixonou. ficou de cabeça virada e foi embora. espero encontrá-la no Brasil.
                      Fernanda, colombiana, Max, alemão, Raquel, vincentiana e Tosh indiano. Ficaram durante pouco tempo. Fernanda descobriu que estava grávida. Raquel e Max, fizeram o compacto de um mês. E Tosh não aguentou as regras.
                       Sixia, chinesa. Pessoinha adorável. Todos gostavam dela. Ela começou em março, junto comigo. Logo nos tornamos "avó e neta". Eu voltei para o Brasil e ela fez o curso praticamente sozinha e  terminou em agosto. Ainda convivemos mais dois meses. Dei pra ela um coqueiral.

                                                                       ***

                       Fight With the Poors. Outro nome esquisito. Começou em setembro, vai até fevereiro, depois todos passam  seis meses no Ecuador ou Belize, trabalhando com comunidades locais, voltam e passam  mais seis meses na RVA.
                       Walid, Baha e Manal. Vieram da Jordânia. Ficamos amigos instantaneamente, no momento em que contei que tinha ido para a Palestina. Walid é um crianção, ganhou uma pipa, ou papagaio. Baha tem o cabelo engraçado. Desenhei uma cara em branco, com o cabelo em volta. Manal é toda doce, desenhei florzinhas. Baha e Manal são um casal.
                        Mariana, do Mexico. É artista. Desenha e pinta muito melhor do que eu, gosta de música clássica, teatro, dança... desenhei uma palheta cheia de tintas e uma clave de sol. Está namorando o Walid.
                        Lilly, norueguesa. Bem bonita e super esportiva. Me dava um abraço todas as vezes que me via. Toma conta da lojinha. Ganhou o desenho da campainha da lojinha.
                        Nelson, americano de Los Angeles. Gosta de trabalhos manuais e faz o melhor pão da RVA. Fica na rede todo o tempo livre. Fiz uma rede pra ele.
                        Estes, ainda não foram pro Ecuador e Belize. Vão daqui tres meses, ficam seis, trabalhando com o povo de lá, e depois voltam para mais seis meses aqui.

                                                                      ***

                        A seguir, vou falar dos que já voltaram de Belize:
                        Alessia, italiana, bonita e exuberante. Arranjou um namorado vincentiano e teve que brigar muito. Pra ela não dei um desenho. Dei uma pulseirinha artesanal, que ela me ensinou a fazer.
                        Anna. Húngara. Loirinha, quietinha, namorava o David.  Escreveu um conto me deu pra ler. Eu desenhei a heroína do seu conto.
                        Keith, da Colombia. Sério e eficiente, cabelo moicano.  Usa um mini poncho. Desenhei o mini poncho
                        Thomas, dinamarquês. Esteve com Keith em Belize. Gosta de fazer fogueira na praia nas noites de lua cheia.Desenhei uma fogueira.
                         Finalmente,
                       Jocelyn, chilena e Zdenka, eslovaca. Veganas. Jocelyn era festeira e Zdenka namorava o Fire.  Estão atualmente no Ecuador.  

                                                                              ***

                         Climate Compliance Conference, de novembro. Vai até março.
                         Lukas e Melissa. Ele alemão e ela colombiana que mora na Espanha.  Eles se conheceram e começaram a namorar no Brasil e em português. Ambos alegres, muito inteligentes, dedicados, cheios de propostas.  Ele toca violão e ela pandeiro. Fiz,  um violão e um pandeiro.
                         Dominik , alemão. O caçula. Só dezoito anos. Super sorridente, super companheiro. Nunca penteia os cabelos. Desenhei a cara em branco, com os cabelos lourissimos e desgrenhados.
                         Markus Todo longilíneo, parece uma quadro de Modigliani. Tem um vozeirão e canta durante o banho. Desenhei o seu chapéu de palha, que era durinho e está todo amarfanhado.
                         Ana, do Ecuador. Personalidade forte. Bonita e séria. Mas sabe muito bem rir e participar de uma brincadeira. Desenhei seus olhos. Ela e Fire estão se paquerando.
                          Hafiz do Sudão, Gaylene, vincentiana que mora no Canadá, e Justin americano de Minesotta. ficaram durante um mês e partiram por motivos diversos. Foram presenças marcantes enquanto estiveram aqui.

                                                                          ***

                            Ficamos todos amigos. É extraordinário pensar que todo esse povo, de tão diferentes lugares,  línguas, costumes, tradições e idades possa conviver tão respeitosa e pacificamente, fazendo  todas as coisas junto, comendo pouco e trabalhando muito!
                           É inacreditável! E eu, que tenho fama de ser tão encrenqueira, fiquei amiga de todos!
                           E do meu grupo, fui a única a ter o Certificado.
                           Maravilha!

                          Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                 Eulina
                         
                       


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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015







                                                             ROLLING STONE


                    Não tenho mais tarefa nenhuma, nem aulas, nem "schedules", nem "meetings", nem DMM, nem "kitchen day", nem área de limpeza, nada, nada! Totally free! Maravilha! Fico na rede...
                    Os grupos tem atividades natalinas. Eu participo.

                    Rose Hall. Pela manhã, fomos limpar e enfeitar o salão do centro comunitário. Repetiu-se a cena do dia da limpeza das praias. Nós trabalhando e os marmanjos locais, sentados nas cadeiras olhando.  À tarde ficamos ensaiando uma apresentação natalina para a comunidade. Vamos contar a história do nascimento de Cristo, entremeada de canções de Natal, cantadas em inglês, espanhol, alemão e português.
                    À noite, fomos à festa.  Salão arrumado, cheio de luzes. Chegam DJs que colocam "soca music" no volume mais alto. Nós estamos prontos, mas as cadeiras não estão arrumadas. Estão todas encostadas nas paredes laterais e no fundo do salão. E ocupadas por crianças. Chamamos as crianças, mas elas não vieram.  Chamamos outra vez e nada. Os DJs desligam o som, mas as crianças continuam falando alto. Pedimos silêncio, em vão. então resolvemos começar assim mesmo. Contamos a história, cantamos, fizemos tudo o que ensaiamos, debaixo da maior algazarra, com o salão vazio, as cadeiras com as crianças encostadas na parede e os adultos na varanda,do lado de fora, olhando pela porta. Foi triste. Muito triste.
                     Jamal.  Mas teve uma coisa boa. Todas as vezes que fui a Rose Hall, encontrei um rapaz, com algum grau de deficiência mental, que sempre ficou cuidando de mim. Quando fomos limpar o rio, caminhando no meio do mato, ele ficava perto de mim e me ajudava nos trechos mais difíceis. Nas subidas e descidas, ele me dava a mão, me oferecia água, perguntava se eu estava bem... eu gosto dele. Então fiz pra ele um marcador de livros, igual ao que fiz pra todos, com o desenho de um barquinho.
                      Logo que cheguei, ele veio me cumprimentar, e eu dei o presentinho. Ele olhou com o rabo dos olhos e saiu correndo. Algum tempo depois, ele veio até a cadeira em que eu estava sentada, colocou um pacotinho de biscoito no meu colo e saiu correndo de novo. Eu queria muito poder abraçá-lo e agradecer, mas ele fugia sempre que  encontrava comigo. Aproveito agora, para mandar um abraço e um beijo telepático pra ele.
                    Foi a única coisa boa que aconteceu na festa.

                                                                 ***
                    Garden of Eden.  Dia seguinte eu fui, com um dos grupos, cantar num asilo. Lugar lindo, um casarão azul, em cima de uma montanha. Chegamos e uma enfermeira simpática nos conduziu até a varanda onde estavam as velhinhas. Começamos a cumprimentar uma por uma e nos emocionamos de ver seus rostos tortos, enrugados, com olhos vazios, se iluminarem em sorrisos toscos e desdentados... mas lindos! Após as apresentações, começamos a contar a história e a cantar, olhando para suas caras animadas, e suas mãos batendo palmas. Uma delas, parecia a mais jovem (noventa e um anos!) levantou-se e começou a dançar ao som do Jingle Bells. Nó na garganta! vontade de abraçar todas!
                      Quando fui cumprimentar uma delas, ela me disse:
                       - You are an ancient too! I can see that you are ancient!
                       - Yes, I am! - Respondi rindo.
                       Acabamos de cantar para as velhinhas e duas estudantes ficaram com elas jogando bingo enquanto nós nos dirigimos ao salão onde estavam os velhinhos.
                       Outro nó na garganta. Rostos desfigurados pelo tempo, quase imóveis, se iluminavam. Os que conseguiam, sorriam com a boca também. Mas todos os olhos estavam sorrindo. Exceto um senhor cego, que pegava em nossas mãos. Eu pus a mão dele em cima do meu coração e ele sorriu.
                        Quando um dos velhinhos,(o que parecia mais velhinho), ouviu uma estudante tocar Silent Night, na flauta, ele começou a cantar. Com sua voz tremula, mas afinada, cantou tudinho, até o fim. Enquanto isso as lágrimas rolavam dos meus olhos. E até agora, enquanto escrevo meus olhos fabricam lágrimas. Eu olhava pela janela, via a montanha verde e o mar do Caribe..., tinha que espantar o nó da garganta, pra poder cantar quando chegasse a hora.
                         Enfim, cantamos tudo. Um dos velhinhos que não podia sair da cama, falava Aleluia, Aleluia! e eu concordei Aleluia, Aleluia! Ficamos todos tão felizes!

                                                                      ***

                           Prisão. Dia seguinte, escolho ficar com o grupo que vai à prisão feminina. Seguimos instruções: calças compridas, sapatos fechados, ombros cobertos. Bolsas e pacotes na portaria. Os presentes que levamos, tiveram que ser entregues para a policial.
                          Subimos uma escada e chegamos a uma salinha, com algumas cadeiras e dois bancos. Só existem seis presas. Nós nos sentamos nas cadeiras e elas nos bancos. Elas são jovens e sorridentes, bem simpáticas, estão todas com um gorro de Papai Noel.  Vieram vestidas para a ocasião! Tem só uma que é mais velha. Ela se senta num canto e fica olhando pra parede o tempo todo. Que crime será que cometeram?
                           Cantamos tudo, elas bateram palmas e acompanharam a música o tempo todo.  A certa altura, uma delas se levantou e voltou com um caderno. Abriram o caderno e começaram a cantar. Negras tem belas e fortes vozes. Então cantaram Adeste Fidelis, no dialeto vincentiano. Lindo! Quando acabaram eu criei coragem lembrei dos meus tempos de coral e fiz o coro em latim, sozinha. A mexicana não se conteve, foi sentar no banco e cantar junto com elas.
                           Eu me senti em estado de graça. E todos se sentiam assim.
                           Ficamos sabendo que todas as jovens se envolveram com tráfico de drogas e a mais velha que olhava pra parede, matou a própria filha!  Que coisa! Por que será que ela fez isso? Quanto sofrimento!
                           - Pelo menos, hoje ela cantou um pouco! - eu pensei.

                                                                   ***

                           Esses últimos dias, fora os melhores aqui. Eu estive sempre rodeada de amigos. Muito presentinhos, muitos abraços, manifestações de carinho. Faz tão bem pra minha alma solitária... E o fato de não ter nada definido, de poder escolher o que fazer a cada minuto, me faz sentir "like a rolling stone". Eu vou na onda, vou onde a onda me levar. Vou sem medo. E eu confio nas pessoas em volta.
                           Como é bom poder confiar!  Eles me aceitam, mesmo sabendo que eu nunca sei nada direito, mesmo sabendo que eu não consigo trabalhar com computadores, ou ficar acordada durante um documentário ou uma aula chata, mesmo sabendo que eu vou esquecer metade das coisas que me dizem... eles me  respeitam, aceitam e acolhem... É muito bom.
                             Embora eu saiba que provavelmente não verei novamente nenhum deles, apesar das promessas de encontros futuros, o  profundo sentimento de amizade que tive  aqui, vai me acompanhar pra sempre.
                            Pra sempre, eu vou saber que por um tempo, eu fui amada em St. Vincent and Grenadines.

                             Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                      Eulina












domingo, 20 de dezembro de 2015






                                                                       MOMENTOS



                     Aniversário. A festa foi linda! Fomos às quatro e meia da tarde, carregando a tralha toda. Eu imaginava que a festa seria na praia de Richmond, mas não foi. Foi em outra praia. Fomos de barco, apreciando a paisagem e sentindo aquela sensação de liberdade, quando o vento bate na cara e o horizonte parece acessível. Dá vontade de sair voando do barco!
                     Praia linda, areia preta, rodeada de montanhas cobertas pela floresta. Coqueiros, rochas nos cantos. O mar bate nas rochas e forma cavernas. tudo perfeito. Os rapazes fazem fogo, colocam o peixe pra assar, enquanto nós, as mocinhas vamos pra água. Depois nos sentamos pra ver o por do sol. Tudo lindo, maravilhoso. A meia lua começou a brilhar e as estrelas apareceram.
                      Os vincentianos trouxeram o som. Soca music. Enquanto o peixe assa, nós rebolamos na areia.
                      Em matéria de velhota assanhada, eu ganho qualquer parada! Rebolei muito!
                      Depois, o peixe com banana assada. Delícia! Ainda dançamos mais um pouco, desta vez com música latina, salsa, cumbia, lambada... danço até minha perna pedir pra parar. Fico deitada na areia, feliz... Como seria bom se a vida fosse sempre assim!  Tudo lindo, tudo em paz... Mando essa energia boa para minhas filhas... pra toda a familia... pra todos os amigos... pra todo o Brasil... pra todo o mundo!
                       Voltamos cerca de meia noite. Lua alta, estrelas, pusemos tudo no barco e viemos. Por alguns momentos choveu, uma garoa fina, que se misturou aos pingos de água do mar. A cada marola, a proa do barco levantava e caía dando um tapa na água e um tranco na bunda. Todo mundo ria feliz. Fomos todos dormir em estado de graça!

                                                                            ***
                       Festa de despedida. Um dia antes, o "common meeting". Muitas atividades, Programação intensa, tarefas pra todo mundo," skedule" lotada, todos os quadradinhos preenchidos, e eu injuriada! Como vou embora na semana que vem, eu não consto mais da programação... E agora? Passei a semana toda desenhado lembrancinhas pra todos... e não vou ter a chance de entregar? Todo mundo teve festa de despedida, menos eu?  A Maria Eulina de cinco aninhos, que mora dentro de mim, se manifestou:
                       - May I say something?
                       - Yes!
                       - As everybody knows, I'll go away next week. I see this skedule completely full and I want to know when will I have an opportunity of saying goodbye to all my friends?
                       Eles riram, como sempre riem das asneiras que eu falo:
                       - Here Lina! - e apontou um quadradinho vazio - Suturday by night! But it is a surprise! Pretend you don't know!
                       - OK, OK, OK, I don't know!

                       E a festa foi a melhor de todas as festas da RVA! Primeiro os filmes, com os melhores momentos, depois discurso emocionante do meu professor e da diretora.. Que coisa, nós brigamos tanto, e ela vem fazer discurso em minha homenagem! Mas, como sempre, eu entendi só pela metade. Depois recebi presentes. Flores, um desenho feito pela mexicana, um CD dos tocadores de tambores.                        Então, foi a minha vez! Eu disse que tinha preparado um discurso, mas esqueci todas as palavras... Agradeci a todos e distribuí os  marcadores de livros com desenhos personalizados. Abracei e fui abraçada, um por um, e adorei ver os sorrisos e comentários, quando viam os desenhos!
                       Depois, teve bolo biscoitinhos e o show de tambores! Tocaram algumas músicas de Natal primeiro e depois o ritmo alucinante da música daqui. Todos dançaram,  inclusive eu, que pulei e rebolei tudo o que consegui! Quando minha perna doeu demais, puseram uma cadeira no meio da roda e eu continuei dançando com uma perna no chão e outra em cima da cadeira. Foi hilário, porque vários vieram colocar uma perna na cadeira também... parecia um novo passo de música. "A soca da perneta". E depois de tudo, o casal "quase brasileiro" trouxe o violão e o pandeiro e ouvimos samba.
                        A noite só acabou, depois de um passeio noturno para apreciar a  meia lua e as estrelas da noite caribenha...
                        Mais uma vez, eu mandei toda essa energia pro mundo!

                                                                      ***

                        Agora, acabaram-se de vez as minhas tarefas. Posso ir a praia na hora que quiser, posso passar a tarde toda na rede, posso arranjar carona e ir pra Chateaubelair ou pra Kingstown... até o dia vinte e seis, estou de férias.
                       
                        Fico pensando em tudo o que passei aqui.
                        Vim com a expectativa de trabalhar para o povo. Trabalhei para um hotel fazenda que pretende ser orgânico e sustentável.
                        Vim achando que ia aprender inglês, aprendi a usar o google tradutor.
                        Vim esperando um grande contato com a população local. Fiquei aqui, confinada nesta bolha.
                        Vim acreditando que faria um curso e dormi em quase todas as aulas.
                        Vim para exercer a minha curiosidade e exerci a minha paciência.
                        Vim "gordinha", vou embora "magrela".

                         Em compensação...
                         Fui à praia quase todos os dias!
                         Saltei do penhasco de sete metros!
                         Conheci quase todas as escolas deste país!
                         Nadei nas mais belas praias!
                         Fogueira na praia e banho de mar nua, nas noites de lua cheia!
                         Noite estrelada na ilha de Bequia!
                         Muitas risadas!
                         Muitos amigos, de muitos países, muitas línguas, muitas culturas!
                         Comidas secretas, fofocas no quarto!
                         E o melhor de tudo, consegui me adaptar a todas essas situações!
                       

                         Enfim, apesar de todos os problemas, apesar da  pimenta, da falta que faz um bife, da sensação de estar presa, da leptospirose, dos mosquitos, do excesso de reuniões, das brigas por liberdade, da minha perna estropiada, eu posso dizer:  I had a great time!

                         Voce já pode dizer eu li na tela da

                                                                                      Eulina









                   











quinta-feira, 17 de dezembro de 2015






                                                                OUTRA VEZ!



                    A RVA funciona sempre com dois cursos. Um, com a duração de seis meses, sobre a mudança climática no mundo, que é o que eu estou acabando de fazer. Outro, com a duração de dezoito meses, sendo seis passados aqui, seis em outro país e depois mais seis aqui. Ao final, ganhamos um Certificado.
                    Ambos os cursos devem ter ao início, entre dez e quinze alunos e tem como objetivo "ajudar" países pobres a enfrentar as mudanças climáticas e "lutar contra a pobreza".
                    Pois bem. O meu grupo, começou com dez pessoas. Logo no início, uma colombiana descobriu que estava grávida. Foi embora, restaram nove. Dois membros fizeram um curso compacto de um mês. Foram embora, restaram sete. A chinesa, remanescente de outro grupo que acabou, foi embora depois de três meses. Restaram seis. Parecia uma situação estável. Mas aí começaram os problemas.
                    Até então, achávamos que o que importava era assistir as aulas, fazer o trabalho voluntário de limpeza e manutenção da fazenda, fazer o "homework", e cumprir todas as tarefas do DMM. E todos nós estávamos fazendo tudo isso, de maneira aplicada, reclamando um pouco, mas nada capaz de comprometer o bom andamento da escola. Acreditávamos no que diziam sobre democracia,  igualdade e respeito aos cidadãos, vida em comunidade, solidariedade e outros valores "nobres".  Achávamos que estávamos indo muito bem, e até estranhávamos o mau humor dos estudantes mais antigos, em relação aos métodos da escola.                
                    Mas depois de um dia de trabalho, tomar uma cerveja, ir a uma festa, era direito nosso. Pelo menos, era isso o que pensávamos. No começo, ainda era divertido. Sair de noite, no escuro, pra tomar cerveja no boteco da praia... era engraçado. Mas pouco a pouco, foi perdendo a graça e tomando ar de protesto. Nadhia e as colombianas disseram que nunca tomaram tanta cerveja na vida. E elas faziam isso só porque era proibido! Eu não ia junto, porque não tenho mais saco pra tanta festa. Mas dava todo apoio e cobertura. Ajudei a inventar desculpas, a buscar caminhos no escuro, a entreter professores, enquanto elas saiam.
                   Depois a leptospirose da colombiana e o tétano da égua. E a gritante diferença de atitude em relação a cada um dos episódios. E houve os "meetings"! Começaram os papos de fazer tudo juntos, de não comprometer o bom nome da escola, de estarem preocupados com a nossa segurança, e da regra de vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, à disposição do programa. O primeiro meeting eu achei muito chato, mas não me importei muito, no segundo, fiquei indignada, pensei seriamente em ir embora. O indiano não suportou e foi embora, restaram seis.
                     No terceiro "meeting", eu desisti. Saí na metade e resolvi ir embora. Fiquei furiosa!
                      - Não fico aqui nem mais um dia. Vou embora no primeiro vôo! - disse pra todo mundo.
Eles não respeitam nada! Fazem lavagem cerebral, jogam tudo pra resolver em assembléias e manipulam as assembléias. Tem todas as técnicas pra isso. Vencem pelo cansaço.  Mas, acabei não indo. Só não fui embora por causa do grande prejuizo financeiro e por causa dos amigos todos que fiz.
                      Depois de algum tempo, Nadhia desistiu. Foi embora. E as colombianas continuaram indo a festas. Até que duas semanas atrás, foram mandadas embora. E  alugaram uma casinha num vilarejo próximo e vão ficar lá até o dia do voo de volta delas. Estão felizes. Disseram que agora, que não é mais proibido, não vão a festas todos os dias. Então, de todo o grupo que era de dez pessoas, restou eu. Sou uma sobrevivente.
                      Tudo isso pra contar o que aconteceu ontem.

                                                                         ***

                       Em novembro, formou-se outro grupo de seis meses. Oito novas pessoas. Cheias de entusiasmo,  idéias e planos. Apresentaram seus novos projetos, que incluem a participação de uma família local, e receberam a ordem (disfarçada de sugestão) de fazer uma "skedule". Muitos "meetings" em torno do projeto. É a maneira que eles tem de sufocar qualquer princípio de criatividade. Reuniões e reuniões para discutir o assunto e responsabilizar cada membro do grupo, por uma parte da nova ideia, até transformar tudo numa colcha de retalhos, cujos pedaços ao final, dificilmente vão poder ser costurados. Ou se puderem, vão deixar tudo muito diferente da ideia inicial.
                       O grupo se entrosou rapidamente e começaram a contestar algumas posições da diretora. Depois de um mês, dois membros foram embora e depois de dois meses, mais uma desistência. A vincentiana que mora no Canadá desistiu e voltou pra Toronto.
                       O alemão e sua namorada colombiana, que já estudaram permacultura, ele na Alemanha e ela no Brasil, observaram a horta e  concluiram que se fossem utilizados outros tipos de fertilizantes orgânicos, a produção iria aumentar. Então elaboraram uma proposta para fazer um novo "compost", com restos de peixe, açúcar e coisas diferentes das que eles estão acostumados. Propuseram também que a experiencia seria realizada numa fazenda próxima, para iniciar uma relação com a comunidade local.
                        Eu soube que as reuniões em que apresentaram a proposta, não foram fáceis. mas o alemão e sua namorada colombiana insistiram, argumentaram e conseguiram. Fizeram uma apresentação para toda a escola e se responsabilizaram pela execução do novo projeto. Foi difícil, mas conseguiram. Ficaram animados com a vitória, então...
                       Amanhã é o aniversário da colombiana. O alemão planejou convidar os amigos para passar uma noite na praia, dormindo em barracas, fazer um churrasco de peixe, ouvir música e dançar à luz da lua,  para comemorar o aniversário. Eu estava animada com a festinha na praia, dormir na barraca, comer peixe, estava rezando pra não chover. Estamos na lua crescente, e se não chover teremos muitas estrelas, porque a luz da lua ainda não é tão forte. Seria tudo perfeito!
                       A diretora soube... e não permitiu. Somos uma comunidade, blablabla, temos que fazer tudo juntos, blablabla, voce não convidou todos, blablabla, voce está excluindo pessoas, blablabla... Quanto mais ele argumentava, mais ela radicalizava na negativa.
                      Susy e eu estavamos passando perto e o alemão nos chamou. Venham aqui, ficar do meu lado, nós estamos resolvendo o acampamento e a diretora não quer deixar! Assustamos um pouco, mas sentamos do lado dele para apoiá-lo. Susy disse que a diretora representa a autoridade e que, nesse momento, ele queria se sentir mais à vontade. E eu disse que todos tem direito à privacidade. A diretora disse que permitiria se fossem todos, inclusive ela . Ele quase surtou! Mas respondeu calmamente que havia só duas pessoas que ele não queria que fossem: a diretora e seu marido. Meu Deus! A cara da diretora! Olhos bem arregalados, fazendo um grande esforço para não demonstrar emoções... eu não queria estar no lugar dela! Aliás, eu não queria estar nem no meu lugar! Mas o alemão precisava de apoio e, mais que isso, merecia esse apoio. Então ficamos.
                       E o "meeting' continuou. A diretora, um professor, o alemão, Susy e eu. Sinceramente, eu tive medo de que o alemão desse um murro na cara da diretora, mas ela blablabla, permanecia firme no seu discurso de vida comunitária, blablabla, partilhar tudo, blablabla, não excluir ninguem... mas estava cansada. Disse que esse assunto deveria ser discutido por toda a escola num "common meeting".
                      - Temos que discutir sobre a exclusão!
                      Para ela, discutir sobre os erros alheios é fácil. Ou ela pressiona até a pessoa desistir, ou ela "perdoa" o erro e a pessoa aceita as condições que ela impõe. Então, ela coloca o foco da discussão na exclusão, porque assim fica fácil manipular e fazer todos acharem que o alemão está errado.
                      - Não! - eu disse -  O assunto não é esse! Temos que discutir sobre o direito à privacidade!
                       E a diretora e o professor que estava com ela, me olharam atônitos e calados. Falaram que era tarde e que deveriam continuar a discutir esse assunto outra hora. E era mesmo. Foram quase duas horas de discussão inútil. Deu pra ver que para discutir privacidade, eles não estão preparados. Vamos ver o que acontece. Hoje é dia de "common meeting".

                                                                       ***
                                                         
                       Acabou o "common meeting". A diretora amarelou. A festinha e o acampamento não foram assunto.  O acampamento não vai acontecer, porque as barracas são da RVA e ninguem vai pedir emprestado. Então a festinha vai ser na praia de Richmond mesmo, vamos fazer o churrasco, ouvir música, dançar e depois voltamos cada um pro seu quarto. A diretora não foi convidada e não insistiu mais no assunto. Tudo em paz.

                        Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                  Eulina


          
















quarta-feira, 9 de dezembro de 2015





                                                             BEQUIA AGAIN

                             Minha turma que tinha inicialmente onze pessoas, foi diminuindo, diminuindo e agora só tem eu. O professor venezuelano e eu.  A próxima tarefa seria a de investigar como funciona o criadouro de tartarugas marinhas  e a estação de dessalinização de águas, na ilha de Bequia.
                              Fomos na terça feira passada.  Acordamos às 5,30, fomos de van até St. Vincent, tentamos ir ao médico pra examinar minha perna de novo, mas não foi possível. Depois fomos ao  ao porto e tomamos o ferry boat. Chagamos em Bequia na hora do almoço. Descansamos um pouco, almoçamos e depois fomos à estação de dessalinização. Bequia não tem nenhum rio. Toda a água utilizada na ilha é da chuva ou dessalinizada. Mas a estação estava fechada. Com cara de abandonada. Olhamos, tiramos fotos, apreciamos a paisagem e fomos embora. Fomos à praia. Caminho lindo, no meio do mato.  Na praia, após um longo banho de mar, secar ao sol e algumas cervejas e cigarros, voltamos caminhando pela trilha, ao longo da costa, apreciando o por do sol, com todas as cores do Caribe... e depois, a noite estrelada... Nós nos perdemos no caminho de volta pra casa.
                              Depois de subir e descer várias vezes, várias ruas próximas, finalmente encontramos a rua certa. Descansamos um pouco, tomamos banho e fomos jantar fora. Mais de tudo um pouco... e muitas, muitas estrelas! Bons papos, ótimos silêncios, bons amigos e com certeza, boas recordações de um dia vivido intensamente. Quando voltamos pra casa, nos perdemos outra vez, nas ruas escuras de Bequia. Nós caminhávamos olhando as estrelas... é claro que nos perdemos!
                              No dia seguinte, fomos ver as tartarugas. Muito triste, vários tanques, bem pequenos para tartarugas tão grandes. O tanque maior estava vazio. e os pequenos cheios. As tartarugas pareciam doentes e estavam com certeza esfomeadas, pois nadavam freneticamente em nossa direção. E não havia ninguem para explicar. Olhamos, tiramos fotos e fomos visitar uma ex aluna da RVA que gerencia o hotel em cujo terreno as tartarugas estão. Hotel chique, com certeza várias estrelas, tenho vontade de falar sobre as tartarugas e acho que o professor também... mas, sei lá por quais motivos, não falamos. Preguiça de falar sobre coisas sérias... Voltamos caminhando por uma estrada linda, apreciando as praias "encoqueiradas", as mansões dos ricaços, a cor do mar, e as borboletas do caminho. O problema foi minha perna. Quando eu caminho, ela incha e dói. Andamos bem uns tres ou quatro quilômetros, até que pegamos uma carona com um turista canadense bem falante. Ele nos deixou perto do Banco e, desta vez, não nos perdemos.
                               Quando passamos perto da escola, uma menininha, cheia de trancinhas, de uns sete anos, mais ou menos, veio em minha direção e disse:
                               - You have been here planting trees! - que lindinha, me reconheceu!

                                                                  ***

                             Contagem regressiva. Agora, faltam só duas semanas. Olho a vista pro mar, da porta do meu quarto. Quero deixar gravada na minha retina a cor do mar do Caribe. Da janela, vejo árvores floridas, no pátio interno. Se vou até o salão principal, vejo a grande montanha do vulcão e mais mar azul.
                              Quando vou a Kingstown, não me canso de olhar para cada pedaço de estrada. A estrada mais bonita e mais perigos que já vi. A cada curva, primeiro levamos um susto, depois vemos uma praia linda com areias negras, rodeada de montanhas e florestas magníficas.
                               E todos os vilarejos, são dignos de cartões postais. Casinhas super coloridas, todas com varandas enfeitadas de estatuetas de galos, cachorros, leões, ou vasos com flores. Bandos e bandos de crianças, sempre limpinhas, cheias de trancinhas... Festas nas ruas todos os sábados... Cerveja geladinha e cheiro de marijuana em todos os lugares... Soca music. Calypso. Reggae. Grandes traseiros femininos e rebolantes. Pequenos traseiros masculinos, também rebolantes.
                               E o céu! Meu Deus, o céu do Caribe! Como eu acordo muito cedo, dá pra ver o nascer do sol, com todas as suas cores... e à tarde temos outro espetáculo: o pôr do sol. Algumas vezes eu estava na praia, dentro d'água durante o por do sol. A água vai mudando de cor, passa do azul profundo para verde, vai clareando até ficar completamente dourada, antes de começar a escurecer. Não sei se as cores mais lindas são as do céu, ou as do mar!
                                E as chuvas fortes inesperadas, caem de repente, num dia de muito sol. Muitas vezes o sol continua brilhando com força durante a chuva. As chuvas duram cinco ou dez minutos. E cada chuva tem o seu arco íris. Nunca vi tantos arco íris na minha vida. Alguns tão pertinho, que dá vontade de correr atrás. Outros longe, enormes, riscando todo o céu com suas cores...
                               Vou sentir falta desta ilha linda, cheia de florestas e do povo alegre e amigável.

                                                                           ***
                               Frustrações. A gente não pode ter muitas expectativas na vida. Pelo menos, eu não posso. Sempre que espero alguma coisa, acontece outra. Não sei se com todo mundo é assim, mas comigo é sempre assim.
                               Então, eu esperava vir aqui para trabalhar com população. Sempre me imaginava ajudando num hospital, trabalhando numa escola, num centro comunitário, sei lá... mas imaginava um contato diário com o povo daqui. No entanto, o que encontrei foi uma fazenda, que está se formando de maneira orgânica e sustentável, totalmente mantida com o trabalho dos estudantes. Todos nós passamos a maior parte do tempo trabalhando na fazenda. A fazenda pretende ser um exemplo de vida para os vincentianos... o problema é que os vincentianos não vem até aqui. Só em ocasiões especiais. Não há um curso regular para eles, assim como há para estudantes do resto do mundo! Eu me lembro quando estive aqui em março, aconteceu um curso bem rápido para vincentianos, mas eles não se integravam com os outros alunos... Por que?
                               Hoje, só hoje, duas semanas antes de ir embora, eu tive uma aula sobre a história de St. Vincent, contada por um dos professores vincentianos. Primeiro um documentário, mostrando como vivem, mostrando a música, a dança, a religião, a cultura, e depois a aula. Foi ótimo! Mas muito pouco! Deveríamos ter mais acesso à vida, aos costumes, à cultura, à história...
                               Esse pouco contato com o povo local me deixa frustrada.

                                                                            ***

                               O resgate. ontem à tarde, por volta das quatro e meia, estavamos na praia, o casal de jordanianos e eu, quando os vincentianos que trabalham aqui passaram de barco e nos convidaram a ir com eles.
                                Meu Deus! Que ilha linda! fomos beirando a costa, vendo as montanhas cobertas pela floresta e alguns vales, por onde correm rios, pequenas praias com areias negras, ou a costa de pedras onde as ondas batem e formam cavernas... e o céu, no fim da tarde, já tomando todas as cores do pôr do sol, a água azul do mar virando verde... a gente nem sabia pra que lado olhar.
                               Depois de de uns quinze minutos, eles pararam o barco e um deles desceu com o snorkel. Nadou um pouco e voltou trazendo um rolo de cordas. Depois de puxar todas as cordas pra dentro do bote, colocou só a máscara, sem o respirador e mergulhou novamente. Fiquei olhando. O que está fazendo? Ficou bem uns dois minutos dentro d'água e voltou carregando uma âncora. Olhei pro fundo do mar, tinha um bote lá! Ele queria resgatar o bote!
                              Então, ele veio a tona  pediu para o amigo jogar o tubo de oxigênio, Com movimentos rápidos e precisos engatou a mangueira do oxigênio no bocal do snorkel
 e mergulhou, carregando o oxigênio debaixo do braço. Ficamos olhando, atentos. As águas claras permitiam que víssemos o barco no fundo. Por um momento, ele sumiu nas águas. O rapaz que ficou no barco jogou as cordas. O outro continuava sumido. Enquanto isso, nós olhávamos, quase sem respirar. O rapaz movimentou o barco. Sentimos um tranco e  o barco começou a andar devagar. O mergulhador apareceu, jogou o oxigênio dentro do bote e subiu. O barco andou mais depressa e o bote foi emergindo, até aparecer inteiro fora d'água! Batemos palmas! Eles conseguiram!
                            Trabalho realizado em conjunto, em silêncio, com uma precisão de movimentos admirável! Eles não trocaram nenhuma palavra, mas ambos sabiam o que fazer, a cada momento! Uma sincronização perfeita. E observando seus corpos, principalmente o do mergulhador, eu pude sentir a força e o vigor da juventude,  a cada movimento atlético,  a cada músculo retesado. Corpos negros brilhando ao sol, trabalhando em silêncio...  Caetano definiu bem:
                                                                       Beleza pura!
                                                                       Dinheiro não,
                                                                       A pele escura!
                                                                       Dinheiro não,
                                                                       A carne dura!
                               Voltamos pra nossa praia, navegando pelo mar dourado pelo por do sol, em estado de graça. A lembrança desse passeio de barco vai nos acompanhar pra sempre.

                                                                         ***

                                Prisão. É tudo lindo. Mas é uma prisão. Alguns colegas do outro curso querem passar o Natal em Bequia. Fizeram reserva na casa em que fiquei e estavam se preparando pra ir.     Porém, a diretora não permitiu.
                                Fez uma reunião de duas horas pra dizer que não, com muitas palavras, somos um time, blablabla uma comunidade, temos que partilhar todos os momentos,blablabla concordamos com isso quando assinamos o contrato  blablabla... todos sairam furiosos da reunião.
                                Meu Deus, por que será que acham que a gente não tem direito à uma vida privada?

                                Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                          Eulina



















segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

                                                               


                                                                  O DEBATE



                    Segue o artigo que escrevi para o blog da RVA, sobre a legalização da maconha.



                                                                THE DEBATE
                                                             In my point of view

                                                                                                                                                    By Lina

                    Last week, the Sports and Culture Group promoted a very interesting debate about legalizing marijuana.  This is a very important issue in this island,  because there are many illegal plantations of marijuana, destroying the forests, especially in the volcano mountain, the main touristic attraction of the island.
                     St. Vincent is going to elect the Prime Minister next week, so this issue is  being debated by every people interested in the country’s direction .  I will tell you my impressions about the debate.
                     It  was  very well organized by the Culture Group. There were two tables, one in front of the other, where the two teams, for and against legalization, and in front of them there was a framework with the rules of the debate.  At the other side sat the judges with a paper with the criteria for judgment.
                      At first there were the presentations done by the leaders of the groups, and then the judges asked questions.  After the questions from the judges, the groups asked questions to each other. There was a time to manifestations from the public and at the end, they presented the final reasons.
                      The group who was against legalization was very well prepared. Their main argument was the great possibility of large companies in buying the land and practicing monoculture on a large scale, using the vincentians for cheap labor, damaging the environment,  and doing nothing for the country.  And this argument was said with a beautiful speech, full of academic citations and very well placed and interpreted numbers. During the questions and the debate, they strengthened their position, always seriously, telling about the danger of lead people to addiction. They also told about some mental illness that could be triggered with the use of marijuana.
                       The group for legalization, did not have a beautiful speech, but had good arguments such as the plant can be used for fabrication of plastic, clothes, biofuel; marijuana has a lot of medicine employments; the way it is now, only the lords of traffic are becoming rich and powerful with the drug, and if it was legalized, the government could receive much more money with the taxes; it could be better for the economy. They were all very good arguments, but were said not with a serious face, and academic phrases. They had no numbers to demonstrate their propositions.
                         I  also noticed that the “not legalization” group, during the debates, told several times “this is not an argument” and the “yes” group did not answer it!
                        For me, it seemed that the set favorable was so sure about their ideas, that they thought that the facts would speak for themselves and they would not need to argue with the other group, because they were saying obvious things.
                    After a short break,  the judges concluded.  All of them explained their vote and said that according to the criteria for judging, the team against legalization won the debate.
                     The debate was finished.  But the issue was not.  Both teams continued discussing. And now, with more passion! New theories, new arguments, the losing   team, not happy with the outcome, criticized the judges.  The judges defended themselves, saying  that  had only followed the criteria of judgment.
                     And from what I understood, the criteria for judgment referred especially to the panelists, and not to the facts!  The judges did not judge the issue, they judged the performances!
                     I kept thinking about this way of judge, for all the next day… and new questions appeared in my mind:
                      Does the society judge the same way?
                      Instead of paying attention and have an opinion about facts, and acts, the society usually watch the performing of people. The way of showing an idea is more important than the idea?
                      In my opinion, the judges were not wrong. They had to judge according  the rules. And the rules were focused mainly on how the ideas and facts were presented, and not on the content thereof.
                      Which is more important in our life: an idea or the way to present it?   Share your thoughts about it.
                                                      
                                                                                    ***


                              Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                                 Eulina

sábado, 28 de novembro de 2015






                                                             DEU MERDA!



                   Isto é uma prisão. Uma bela prisão, cercada de paisagens magníficas,  belos ideais de democracia, igualdade, equilíbrio ecológico e social, tudo enfeitado com muitas, muitas palavras bonitas, belos discursos "profundos, nascidos do fundo coração, carregados de emoção, de paixão", cheios de vontade de mudar o mundo!
                   Mas... na prática a teoria é outra!
                   Na realidade, temos que estar à disposição deles, durante vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana! É o que consta do livro onde estão nossas obrigações e que eles dizem que aceitamos, quando nos matriculamos.
                   Temos que trabalhar muito, de graça, economizar água, luz, sabão, papel higiênico, suportar ratos, sapos e baratas em todos os lugares, inclusive na cozinha, assistir documentários chatíssimos sobre a fome na África, a superpopulação no mundo, a matança de animais, o aquecimento global, enquanto a população daqui carece de informação sobre  como combater mosquitos, ou manter as ruas e as praias mínimamente limpas... temos de fazer tarefas intermináveis pelo método "pedagógico" deles, o DMM... e muitas outras coisas absurdas que eu ainda vou contar.
                    Mas o pior é o racionamento de comida! Pouca carne, muito ruim, cheia de pimenta, muito grão, batata, pão, macarrão, tudo com pimenta e pouca verdura, pouca fruta, ou melhor, só tem as frutas e verduras daqui, isso significa que comemos goiaba, geléia de goiaba, suco de goiaba... antes foi carambola, na salada, na geleia, no suco... durante semanas. E verdura, só espinafre!  No começo todo mundo come, depois, só o pig e se alguem reclama, dizem: temos frutas e verduras, voces é que não comem!   Afe! Eles dão nó em pingo d'água.
                    E o mais perigoso, são as "schedules". A semana dividida em quadradinhos, com horários pra tudo. Todos os minutos ocupados. Se alguem tem alguma idéia nova, tem que compartilhar, porque vivemos numa comunidade, somos um time e temos que compartilhar tudo! Aí, quando alguem compartilha, a idéia é picada em pedacinhos e cada pedacinho fica colocado num quadradinho da "schedule".
                   Esse processo mata qualquer tesão por idéias novas. Uma vez, o professor da horta pediu voluntários que eventualmente acordem antes das sete, para trabalhar na horta até as sete horas. Eu me apresentei. Acordo sempre antes das sete. Não me custa ir para a horta nesse horário. Então, no dia seguinte choveu e eu não fui. Aí, me perguntaram por que não fui, já com um ar de cobrança, e eu tive de responder que, como voluntária, eu iria quando  quisesse, não tinha obrigação... No dia seguinte, havia um um novo quadradinho na "schedule", para esse horário e todos os "voluntários" que se apresentassem iriam adquirir uma nova obrigação. Esse sistema acaba com qualquer tesão por novas idéias.  Eu desisti. E o quadradinho ficou em branco até o mês passado, quando foi preenchido por alunos novos.

                                                                          ***

                   Tudo isso pra contar porque deu merda.
                   As colombianas, ontem, depois de terem trabalhado e cumprido todas as obrigações da "schedule", foram a uma festa na cidade e voltaram de madrugada. Acho que não avisaram ninguem. Da última vez, a Nadhia avisou onde ia e não deixaram. A Nadhia foi assim mesmo e no dia seguinte resolveu ir embora por conta própria. Então, as colombianas sabiam que não teriam autorização pra sair. Sairam escondido. Pois alguem denunciou e hoje antes do café da manhã, elas foram comunicadas de que teriam dois dias para terminar o projeto delas e ir embora.
                    Que merda! Estamos mesmo numa prisão!
       
                                                                         ***
                    O que será que eles querem de nós?
                    Por que manter todos os alunos aqui, sob controle?
                    Por que considerar todos os vincentianos maconheiros, traficantes e perigosos?
                    Afinal é isso que eles alegam quando dificultam nossas saídas. É lógico que não é com essas palavras. É com palavras politicamente corretas sobre a necessidade de evitar o envolvimento com certas pessoas e situações... sobre como proceder em caso de perigo... sobre a responsabilidade que a escola tem em relação aos estudantes... e coisas assim.
                   Mas essas palavras significam: não queremos que voces saiam daqui. Vamos tornar essas saídas muito difíceis.  E se voces saírem,  sem a nossa autorização, serão advertidos e se repetirem, serão punidos.
                    Estamos numa prisão. Por que?

                                                                       ***

                   Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                           Eulina                                                                  

                                                                 










                                     

quarta-feira, 25 de novembro de 2015





                                                       DE PERNA PRO AR


                    A comida é tão ruim, que eu perco a fome. Estou ficando anoréxica. Todo dia, eu deixo comida no prato. Já emagreci sete quilos e acho que perdi massa muscular. Eu já tinha pouca, nunca fui de fazer exercícios... então, um dia teve uma brincadeira de dança das cadeiras e eu senti algo dentro da batata da minha perna direita. Sentaram na minha cadeira, eu saí do jogo e fiquei sentindo algo esquisito na panturrilha, logo atrás do joelho. Não doeu propriamente, Foi só uma sensação esquisita.
                     Dia seguinte, ainda tinha essa sensação, mas foi desaparecendo no correr do dia. Não dei mais bola. Passou de vez.
                     Daí dois dias, fui fazer uma caminhada. Comecei a caminhar toda lépida, Fomos até o pomar e então eu senti. A coisa esquisita, que tinha começado atrás do joelho, correu pela panturrilha e parou perto do tornozelo. Desta vez, formigou, esquentou e doeu. Eu parei imediatamente de caminhar, fui para o meu quarto e olhei para a perna. Nada aparente. Tomei banho, passei um spray geladinho e deitei com a perna em cima do travesseiro. Parou de doer. Mas quando eu levantei, doeu de novo.
                     Isso foi há dez dias atrás. Desde então, tudo o que faço é com a perna pra cima. E não faço nada que precise andar. Fui ao médico, ele disse que é uma distensão muscular e me receitou uns comprimidos e repouso. Que merda!  A perna inchou e ficou dolorida. Agora já está passando, mas no começo doeu bem. Agora, só dói no finzinho do passo.
                    Tive voluntários que cobriram meus dias de cozinha, e não participei de nenhuma atividade, que exige esforço físico. Fiz geleia, fiz sabão, escrevi para o blog da RVA, e vagabundeei. Passei muito tempo deitada na rede olhando as nuvens e lembrando das minhas férias na fazenda, onde fazia a mesma coisa quase todos os dias.

                                       "O pensamento
                                         parece uma
                                         coisa a toa
                                         mas como é
                                         que a gente voa  
                                         quando começa a
                                         pensar..."

                       Passado, presente, futuro, tudo misturado na minha cabeça, criando histórias malucas!  Fui heroína, fui vilã, amei, odiei, fui amada e odiada, fui esposa e fui a outra... venci batalhas e fui derrotada, voei, voei muito, pelos mares e ilhas do Caribe, pelos prédios de São Paulo, pelo Cristo Redentor, pelos campos de Mato Grosso do Sul... e mais que tudo, sonhei, com um bom bife, mal passado, bem sangrento. Estou escrevendo agora, com  água na boca.
                     Ainda estou fazendo repouso. Já consigo andar bem melhor. Estou sarando, mas ainda tenho um medinho de não conseguir fazer nenhuma caminhada maior... eu me consolo quando vejo notícias sobre os jogadores de futebol que se estropiam muito e depois de um tempo, voltam a jogar.
                    Consultei minha sobrinha nutricionista ela disse que eu preciso de proteínas. Comprei sardinha, atum, leite em pó. Aqui só temos carne ruim, duas vezes por semana! E é tão ruim, que muitas vezes eu dou pro pig.
                    Estou enjoadíssima de repousar com a perna pra cima.

                                                                  ***

                    Os funerais aqui são uma festa. Já me deparei com dois, enquanto andava pela única estrada da ilha. Todos cantam e dançam atrás do carro fúnebre, como se fossem atrás de um trio elétrico. A diferença é que estão vestidos de preto, e a música é   lenta. Eles não se entristecem com a perda. Eles comemoram a entrada do amigo em outra vida. Seguem rituais africanos, pelo menos nos enterros. Eles são, na maioria, cristãos, anglicanos, luteranos, metodistas, alguns católicos mas não fazem sincretismo. Não tem Iemanjá/N. Senhora da Conceição, nem Ogum/São Jorge, nem Iansã/Sta. Bárbara, se tem, não é escancarado, como no Brasil.  Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Em New Orleans os enterros são assim, festivos, também com forte influência afro, mas sem sincretismo aparente.
                                                                  ***
                     Desde que o jordaniano reparou que as crianças não sorriam, eu comecei a prestar mais atenção. As crianças sorriem, quando nos vêem passando na pick up. Sorriem, e abanam a mão, fazem festa. Mas quando começamos a conversar com elas, ficam sérias. Custam a responder e a sorrir novamente. Parecem desconfiadas.
                     Passei a reparar mais nos adultos também. Ele são sorridentes entre eles. Conversam muito, riem muito, mas quando falam conosco, são reservados. Falam menos, sorriem menos, eu me lembro sempre do homem que disse que eles eram ciumentos e não sabiam do quê.

                                                                     ***

                    Como estou de perna pro ar, tenho tempo de sobra pra conversar com todos os que chegam perto da rede e acabo descobrindo que quase todos tem a impressão de que existe algo de muito errado, mas ninguem sabe identificar o que é.
                     Ficamos aqui, nesta bolha, enquanto acontecem atentados terroristas em Paris, enquanto a Vale do Rio Doce mata o Rio Doce, preocupados em ter uma boa desculpa pra sair daqui e tomar umas cervejas proibidas!
                     Todos reclamam da internet e desde que cheguei, ouço que estão providenciando uma conexão melhor, mas nada acontece. Parece que querem mesmo isolar a gente do mundo. Sempre inventam alguma coisa no fim de semana, pra gente não sair daqui. E quando saimos, sempre vai um professor junto, acho que pra garantir que ninguem vai beber nem se drogar.
                     Os vincentianos que trabalham aqui dizem que os diretores são racistas, acham que só tem bêbados e drogados neste país. E que os alunos da RVA podem ser "contaminados" se tiverem contato maior com os vincentianos.

                                                                    ***

                     Todas essas conversas me levam a uma conclusão provisória. Talvez muito simplista, talvez muito apressada, mas que, até agora, me parece óbvia: existe uma enorme diferença entre as cabeças de um país europeu, que nunca foi colonizado e de um país americano que foi colonizado.
                     É a diferença entre crescer e amadurecer livremente, ou crescer e amadurecer sendo obrigado a seguir idéias alheias.  Quem é obrigado a seguir idéias alheias, precisa primeiro escolher quais idéias alheias são adequadas para o seu crescimento e depois desenvolver suas próprias idéias. E isso leva tempo.
                     Os europeus, que tiveram seu bem estar assegurado às custas do trabalho escravo das colônias, agora tem a consciência pesada e querem "ajudar". Por outro lado, os países que foram explorados, às vezes acham que precisam ser indenizados, outras vezes querem que os europeus fiquem longe, e não se intrometam mais.
                     Não consigo evitar de pensar que muitos europeus, mesmo bem intencionados, acreditam que são melhores. Na verdade, existe um "gap" enorme entre países livres e países colonizados. Esse "gap" deve ser estudado. Antropólogos, psicólogos, assistentes sociais? Não sei, mas enquanto não for superado, e as relações forem encaradas como "ajuda aos pobres", as coisas vão continuar muito difíceis.
                     E eu  continuo me lembrando do homem que disse que os vincentianos tinham ciumes, mas não sabiam do quê.
                                                                        ***

                     Outro assunto muito discutido, enquanto estou de perna pra cima é o DMM. Não sei o que significa a sigla. Não encontrei ninguem que saiba. Mas é uma série de lições que consistem em vídeos, documentários, ou textos para serem lidos, seguidos de perguntas e tarefas tudo feito segundo o sistema que eles inventaram, o DMM.
                     Estudamos o pensamento dos filósofos gregos sobre o planeta Terra, a fome na África, a revolução industrial, o aquecimento global, estudamos até como tornar Marte habitável! O resultado é um "Samba do Crioulo Doido", que somos obrigados a deglutir e digerir, sob pena de não ganhar o "Certificado", que aliás ninguem sabe direito pra que serve. Isso ocupa um tempo enorme, que seria muito melhor aproveitado se tivéssemos algum trabalho a ser realizado com a população.
                    Afinal, pra que saber o que um filósofo grego pensava sobre o planeta, enquanto a população de St. Vincent está constantemente sendo atacada por mosquitos que transmitem dengue, malaria, chicungunya, etc.?
                    E por que não há, nesta escola, cursos regulares para vincentianos?
                    E por que a RVA não promove programas perenes de educação ambiental junto  escolas do país?
                    E por que programar cada hora do dia com atividades não deixando nenhum tempo livre
para pensar e propor novos projetos e programas?

                                                                     ***

                    Eles fazem coisa boas. Esta fazenda é um modelo de agricultura orgânica e sustentável. Recolhem  e utilizam  a água da chuva. Estão construindo um filtro para reutilizar as águas servidas. (esse é o projeto das colombianas). Tem planos de produzir  biogas. Tem uma plantação de bananas e outra de maracujá. Tudo isso foi criado e é mantido com o trabalho voluntário dos estudantes.
                    A fazenda é um modelo a ser seguido. Mas não há vincentianos aqui pra aprender tudo isso! Por que?
                 
                                                                      ***

                     Nadhia foi embora e eu sinto falta. Tenho que arranjar um voluntário pra fazer sabão comigo.
                    Aqui neste BBB continuam acontecendo e "desacontecendo" casais.
                    Fico com vontade de ter trinta anos menos, para me apaixonar, nesta ilha cheia de praias, coqueiros, sol, lua e estrelas... mas meus hormônios não colaboram mais.
                 
                    Voce já pode dizer eu li na tela da

                                                                             Eulina