Era uma vez uma cabritinha
Nasceu na
América do Sul, no começo da selva amazônica, ao pé da Cordilheira dos Andes.
Era
curiosa. Era obstinada. Resolveu que queria subir os Andes. Queria chegar bem
perto do céu. Queria ver o horizonte bem longe.
Vivia com a
família, nos vales úmidos, perto dos rios encachoeirados que vão crescendo e se
juntando para formar o Amazonas. Era uma bela paisagem. A cabritinha gostava.
Mas continuava querendo subir as montanhas. Ela achava que quando visse o mundo
do alto, saberia muito mais coisas e seria muito mais feliz. Na verdade, a
cabritinha queria saber mais. Achava que a felicidade estava na sabedoria.
E foi crescendo.
Sempre com a mesma idéia. Sempre se preparando para subir as montanhas.
Até que um
dia, sentiu-se suficientemente forte.
Achou que estava preparada. Despediu-se da família, juntou-se a um bando de
outras cabritas que também queriam subir e partiu. Andou, andou, com muitas
cabras, bodes cabritos todos muito animados com as aventuras que os esperavam.
No começo,
foi muito divertido. Iam todos contando histórias, rindo, cantando... Depois de uns dias, começaram a reclamar do
cansaço, do desconforto, mas ainda estavam imbuídos do mais alto espírito
aventureiro. Na verdade, o grupo se encorajava mutuamente, quando um ameaçava
desanimar, os outros o encorajavam.
E assim
foram subindo, subindo. Os caminhos se tornavam mais difíceis, as subidas mais
íngremes. O cansaço foi aumentando. E o descontentamento também. Quando o
primeiro desistiu, foi uma comoção. Todos ficaram em silêncio. Ficaram se
questionando:
- Será que eu consigo? Será que eu quero?
Mas a nossa
cabritinha não desanimava. Era obstinada. Continuava firme no seu propósito.
Queria chegar no alto, ver o horizonte de longe. Queria saber mais.
O tempo foi
passando, e mais e mais cabras, bodes e cabritos foram desistindo. Os primeiros
justificavam a desistência, davam explicações. Depois, não havia mais
necessidade de explicação. Desistiam e pronto. O grupo foi se tornando cada vez
mais reduzido.
O caminho, a
cada dia mais difícil, árido, gelado, o ar rarefeito, quase não havia vegetação
e o grande número de pedras soltas tornava a jornada mais perigosa. Mas a nossa
cabritinha não desistia.
Às vezes ela
ficava apreensiva:
- Será que dou conta? Será que terei forças? Estou tão cansada,
tenho tanto frio... e então aparecia um
amigo para reanima-la. Assim como ela também reanimava os amigos que
fraquejavam.
Ela olhava a
paisagem cada vez mais do alto. Sua vista alcançava cada vez mais longe...
via as cidades, os vilarejos, as
estradas, os campos, as outras cabras, tudo cada vez mais pequeno, mais
distante. O mundo lhe parecia tão belo, tão pacífico, a vida tão simples,
bastava caminhar, comer e descansar, para ter acesso a toda aquela beleza, toda
aquela paz... Esses momentos valiam todo o esforço. E a cabritinha se sentia
recompensada. Sentia que estava aprendendo muito, que estava no caminho certo,
que era isso mesmo que ela queria.
E nesses
momentos, sua alegria era tanta, que ela queria repartir com todos os companheiros! Era alegria demais, não cabia
dentro do peito, tinha que ser dividida, partilhada!
Mas... toda
essa felicidade tinha seu preço. Os poucos amigos que restavam, estavam muito
ocupados com suas próprias jornadas. Já não andavam mais em grupo... ela os
encontrava somente nas paradas de descanso, quando procuravam algum lugar
seguro para pernoitar. Estavam sempre tão cansados que pouco se falavam. Ela
procurava lembra-los da animação do começo, das cantorias, das histórias e
risadas, mas quando percebia, eles já estavam dormindo e não dava tempo de
falar das belezas que tinha encontrado pelo caminho. Quando havia algum
problema, ela ainda tinha ajuda. Mas era uma ajuda eficiente e silenciosa. E
então, ela compreendeu que só tinha companhia nos momentos difíceis. As
alegrias eram solitárias.
Porém ela
não desanimava. Continuava a subida. Estava resolvida a ver o mundo do alto.
Queria continuar subindo. Queria continuar aprendendo. E ficava cada vez mais
só.
E é assim
até hoje. A nossa cabritinha continua subindo. Continua aprendendo. Já não
avista quase ninguém. Quando tem oportunidade de olhar a paisagem, fica
deslumbrada. Continua curiosa. Continua persistente. Continua solitária.
E espera que
quando chegar ao fim da jornada, encontre outros cabritos curiosos e
persistentes para compartilhar o deslumbramento com ela.
***
***
Voce já pode dizer eu li na tela da
Eulina
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