ENFIM, PEREGRINA
As minhas sucessoras no trabalho voluntário deveriam ser duas brasileiras, segundo me informaram. No entanto, na véspera do término do meu período, no fim da
tarde, chegou uma canadense, bem branquinha, com pequenos e assustados olhinhos azuis, gorducha e ofegante. Ela se parecia fisicamente com a fada madrinha da Cinderela de Walt Disney e sofreu para subir as escadas, o que me fez ficar apreensiva quanto à sua capacidade para subir e descer, essas escadas inúmeras vezes, no dia a dia. Contei a ela tudo o que tinha aprendido no meu período e ela anotou tudo num caderninho. Parecia cheia de boa vontade e disse que estava aguardando sua companheira também canadense, no dia seguinte.
No dia seguinte, de manhã, após o café, durante o qual meu "chefe" e eu tentamos responder a todas a suas aflitas perguntas, ela disse:
- Onde eu devo deixar as louças do café para serem lavadas? - Ai meu Deus, ela não entendeu nada!
- Você deve lavar a sua louça e dar exemplo aos peregrinos para que cada um lave tudo o que sujou!
Tadinha! - Seus olhinhos até cresceram, de tanto que ela arregalou.
Eu me despedi e fui embora com peninha dela. Fui de ônibus me encontrar com as amigas. No caminho até a rodoviária, fui me despedindo de Logronho.
Missão cumprida!
***
Desci do ônibus em Burgos e assustei com o toque dos sinos da Catedral ao meio dia. bonito, mas ensurdecedor. Depois tomei um taxi a Hornillos del Camiño, onde iam pernoitar minhas amigas. Cheguei ao albergue, agora como peregrina. Cheguei cedo, consegui uma cama "baja", ou seja, a cama baixa do beliche. Minhas amigas chegaram mais tarde. Uma delas ficou na cama alta. Comemoramos com cerveja antes e com vinho durante a refeição. O menu do peregrino é sempre farto e regado a vinho.
"Com pan e viño se hace el camiño!" É uma das muitas alegrias do caminho!
***
Manhã seguinte, mochilão nas costas, comecei a caminhar. A alegria de caminhar no meio da natureza é indescritível!
A sensação de liberdade, a cabeça solta! O privilégio de poder olhar as plantas, de ouvir os pássaros, de sentir os cheiros, de comer as frutas colhidas no pé... e de fazer voar os pensamentos! Que coisa boa!
Quando passamos por cidades grandes ou pequenos vilarejos é muito bom observar a arquitetura, o traçado das ruas, a maneira de se comportar do povo, suas tradições e sua história, usos e costumes. Percebemos que as pessoas, embora diferentes, são tão iguais...
As enormes planícies espanholas, onde o caminho é uma reta sem fim, e de onde podemos ver o horizonte em todas as direções... nos fazem pensar na eternidade! É fácil rezar, falar com Deus! Bendito caminho!
Quando olho pra trás e vejo o horizonte, penso: - Eu vim de lá! - e olho pra frente, pro outro horizonte e penso: - Eu vou pra lá! - com meus próprios pés, eu me sinto toda poderosa, quase não caibo em mim, minha cabeça cresce, desprende-se do pescoço e vai parar nas núvens... além das núvens, não tem limites... maravilha! Vou repetir: Bendito caminho!
***
Você já pode dizer eu li na tela da
Eulina
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