sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

 


                                                              

                                                                   INTRODUÇÃO 

                                                                                                                                            21/12/2012

    Estudei em colégio de freiras. Tinha aulas de catecismo, fiz primeira comunhão vestida de "noivinha", rezava o terço, ia à Missa todos os domingos... pacote completo.

   Gostava das aulas em que descreviam a viagem que Maria grávida, montada num burrico puxado por José, fizeram pelo deserto da Judeia, quando eles saíram de Nazaré e foram até Belém, para serem recenseados. Gostava também do nascimento de Jesus, em Belém. Como não conseguiram lugar em nenhuma hospedaria, Maria e José se abrigaram numa gruta, onde Maria deu a luz. No local, havia uma manjedoura onde o recém nascido foi colocado, envolto em panos. Gostava da estrela que guiou os reis magos, gostava dos pastores e dos anjos que cantaram aleluias.

   Depois, o menino cresceu e me ensinou que para viver em paz é preciso amar também os inimigos, por mais difícil que isso possa parecer. Eu também cresci, a vida seguiu e eu segui gostando de tudo isso até hoje.

                                                                            ***

   Pois bem. Um dia, um amigo que sabe que eu costumo fazer longas caminhadas, me passou um e-mail do Siraj Center, uma instituição palestina que promove caminhadas de Nazaré até Belém, atravessando o deserto de Negev (chamado de deserto da Judéia, nos tempos bíblicos). O caminho se chama "Natividade" e tem o objetivo de tornar mais conhecida a Palestina, sua cultura e seu povo. 

   Eu me interessei imediatamente por essa nova aventura. Entrei em contato com o Siraj Center e manifestei meu interesse em atravessar o deserto e chegar em Belém na véspera do Natal. Eles disseram que para programar a caminhada era preciso que houvesse no mínimo cinco pessoas. Então eu me empenhei em arranjar quatro peregrinos (as) para ir comigo. Arranjei bem mais. Fizemos algumas reuniões e eu estava animadíssima.

   No entanto, no dia sete de dezembro de dois mil e doze, durante uma operação militar realizada por Israel, houve um bombardeio e morreram mais de cento e setenta palestinos. Todos os meus amigos peregrinos desistiram de caminhar pela Palestina. Eu não desisti.

   Entrei novamente em contato com os organizadores e eles disseram que havia um grupo de italianos que já tinha confirmado a caminhada  para essa época. Mandei e-mail para os italianos e eles disseram: "Yes, you are wellcome! Si, sarai il benvenuto!" Enfim!

    Assim começou a minha grande aventura em terras palestinas, no dia vinte e um de dezembro de dois mil e doze. Vale lembrar que o Calendário Maia previu que o mundo ia acabar nesse dia. Tempos depois,  Hollywood fez um filme devidamente catastrófico sobre isso.

   Eu não me importei com o fim do mundo. Fui feliz para a Palestina, pronta para caminhar o caminho de Maria e José.

                                                                         ***



quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

 

          

                                                                    INTRODUÇÃO


Minha sobrinha é sócia de uma empresa de captação de voluntários para projetos sociais.

Em 2019, eu me inscrevi para ser agente de saúde na Amazônia, por um mês. Ia morar num barco e percorrer os rios, trabalhando em algumas cidades ribeirinhas. Uma grande aventura. Comecei a pagar em parcelas. Estava animadíssima, era a realização de um sonho antigo.

No entanto, veio a pandemia. O projeto foi sendo adiado. Eu continuei pagando as parcelas. Passou 2020, eu continuei pagando. Passou 2021, eu acabei de pagar... e o projeto foi cancelado! Que triste! Mas eu fiquei com o crédito.

Então, me ofereceram outras alternativas de projetos sociais em andamento. Aventura igual a da Amazônia, estava difícil. Mas após algum tempo, decidi ir para a África, em setembro de 2022. Moçambique, porque lá, falam português e principalmente, por caber dentro do crédito que eu já tinha.

Assim, comecei a me preparar para outra grande aventura. Quinze dias trabalhando em Moçambique! Porém, pagar uma passagem de avião para cruzar o Atlântico, ir para o outro lado do mundo e ficar só quinze dias? Era muito pouco.

Então, convidei duas amigas também aventureiras, para uma viagem à África. Elas toparam. Eu ficaria trabalhando em Moçambique, e quando terminasse o meu período, me encontraria com elas e faríamos um "tour" pela África do Sul. Começamos a definir os locais que iríamos conhecer. Elas se encarregaram de fazer a programação do roteiro. Eu fechei a minha passagem, com a volta marcada para outubro.

Porém, em julho, num encontro com as amigas, perguntei como estava o roteiro. Elas responderam:

- Porque você tem tanta pressa? Nós só vamos no ano que vem! 

Ai... elas erraram de ano! Ou fui eu que não expliquei direito quando eu iria? Não importa. Elas não poderiam ir em 2022. E eu já tinha fechado a passagem de ida e volta! Acabou que eu fiquei com quinze dias livres no continente africano. Que fazer?

Recorri novamente à minha sobrinha, que depois de falar: Tia do céu! (frase que ouvi várias vezes, ao vivo, ou por mensagens, durante toda a viagem), me ofereceu novas alternativas. Escolhi então, trabalhar por uma semana na África do Sul, e ainda me restaria uma semana para conhecer Capetown.

Foi assim que iniciei esta nova grande aventura. Primeiro em Moçambique, na cidade turística de Ponta do Ouro, onde trabalhei no projeto Lwandi Surf, depois na África do Sul, onde trabalhei no projeto Daktari e turistei em Capetown.

                                                                            ***










terça-feira, 6 de dezembro de 2022

 

                                                                


                                                                    ÚLTIMO DIA


Vou embora hoje. São seis horas da manhã. Escrevo sentada na escadinha da varanda da minha cabana,  onde fiquei  várias noites observando a lua e as estrelas. Espero a hora do "breakfast" e depois virá o carro que vai me levar a Hoedspruit. 

Gostei daqui? Sim. Gostei do projeto, da maneira como tratam os animais. Já a parte da inclusão social... Pelo que vi, acho que eles (europeus, brancos) querem formar mão de obra para servi-los. As meninas Lilly e Lou fazem tudo direitinho e o Freddie também, mas acredito que nem percebem os olhares desconfiados das crianças.

As meninas que passaram esta semana aqui, são ótimas. Todas querem estudar na universidade. Prestaram atenção às aulas, fizeram os exercícios, foram à piscina diariamente, por vinte minutos, alimentaram os bichos... Quando perguntaram a elas o que elas mais gostavam de fazer, uma delas respondeu: comer. Será que ela come o suficiente em casa?  E a mesa de refeições delas era separada. Elas recebiam o prato feito. Não se serviam no bufê, como o pessoal da administração e os voluntários.

Agora, vou para Hoedspruit. Fico lá dois dias e depois, Capetown, por mais três dias. Finalmente, livre, leve e solta! Depois volto para o Brasil.

                                                                   ***

Esta noite, ventou muito. Os leões não zurraram esta noite. Me disseram que eles não zurram quando venta. Agora está tudo em silêncio.  Nenhum pássaro cantando, nem as galinhas d'angola, nem  cachorros latindo, nem insetos zunindo. Esquisito. Parece que os animais se calam para ouvir o vento. O que será que o vento diz pra eles? Estou curtindo o silêncio da savana, me lembrando das férias de minha infância passadas na fazenda... Quanta paz, quanta beleza, segurança, crença no futuro... saudade!

Pronto. As galinhas d'angola acordaram. Ouço os "tofracos". 

                                                                     ***

Agora, já tomei o café da manhã. Estou aqui sentada no varandão, esperando a Van que vai me levar. Já deram comida para os bichos e eu aqui, sem fazer nada. Tentei fotografar os esquilos, mas não consegui. Eles correm muito.

                                                                     ***

Aqui, neste sofá é o fumódromo. Sim, a diretora, a chefa e alguns voluntários fumam. Eu acho ótimo, porque assim ninguém reclama. A chefa até me fornece um cigarro todas as noites, após a janta.

                                                                    ***

Recomeça a ventania! Leões quietos. Acho que eles estão achando bom que eu vou embora... Pra falar a verdade, eu também estou achando bom. É ótimo ver os bichos, alimentá-los, "take care"... mas eu gosto mesmo é de gente. Pensando bem, eu preferiria ter ficado mais uma semana em Moçambique... Agora está quase na hora da Van. Adeus Daktari.

                                                                        ***









terça-feira, 25 de outubro de 2022

 

                                                                

                                                                CONCLUSÕES


O povo de |Moçambique é mais pobre, mais negro mais colorido e mais sorridente. Suponho que seja mais feliz. Ainda conservam vários vestígios da cultura original. 

O povo da África do Sul é mais rico e dividido. Metade são negros e pobres e a outra metade são brancos e ricos. São todos sérios. Raramente sorriem. Parecem mais tristes. Aparentemente, foram completamente ocidentalizados.

Essa opinião se refere apenas às cidades que vi: Maputo e Ponta D'Ouro em Moçambique e Hoedspruit e CapeTown na África do Sul.

Não consegui saber o quê os africanos do sul acham dos colonizadores.

Fui feliz em Moçambique e me senti desconfortável na África do Sul.

Mandela conseguiu acabar com o apartheid oficial, mas ele ainda persiste na vida real. Em Hoedspruit, no sábado pela manhã, com as lojas e restaurantes abertos, a maioria de pessoas no centro turístico era branca, mas à tarde, quando tudo fechou e só alguns restaurantes abriram, cidade estava cheia de negros. Apartheid com horário determinado. E em CapeTown, vários negros me alertaram para não atravessar uma avenida. Por quê?

Tanto em Maputo, como em Hoedspruit e em CapeTown, existem favelas cercadas por muros lindamente grafitados.

Não havia quase igrejas. Em Ponta D'Ouro, vi apenas uma igreja católica. Consegui assistir o fim de uma Missa. A única vez que vi os negros  cantarem, sem rebolar! Em Hoedspruit, vi apenas uma igreja, creio que luterana. Fui ver um culto. Só havia brancos. Em CapeTown, vi um templo, imagino que muçulmano, pelas letras escritas na porta. Não vi nenhum vestígio de locais dedicados ao culto de religiões dos povos originários. 

Em ambos os países, recebi lindos sorrisos cada vez que dizia que sou brasileira.

Finalmente, posso dizer que quanto mais viajo, mais acho que o Brasil é o melhor país. Mais gosto de ser brasileira!

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

                                                                           ***






sexta-feira, 21 de outubro de 2022

 


                                                ALMOÇOS E JANTARES


Um passarinho entrou na sala. Pousou em cima de uma poltrona e ficou quietinho. Em seguida, veio a gatinha da Sara. Estava toda arrepiada e se preparava para dar o bote. Mas eu cheguei antes! Peguei o passarinho, tão pequenininho, senti seu coraçãozinho batendo forte. Ele me bicou, arranhou meu dedo. Eu o levei para a varanda, ele se soltou e voou sem olhar pra trás. A gatinha me olhou feio. Roubei seu almoço. Me vinguei do omelete.

                                                                          ***

Eu me referi várias vezes ao mercado. Não é uma construção, cheia de mercadorias arrumadas em vários balcões. É difícil descrevê-lo, mas eu vou tentar. São três ruas, vielas ou becos, bem estreitas, por onde só passam pedestres. As ruas são inteiramente ocupadas por lojinhas muito pequenas, muito coloridas, completamente abarrotadas com todos os tipos de mercadorias, alguns bares, empórios, salões de beleza, serviços eletrônicos, alfaiates, etc.  Vendem-se roupas, comidas, material de construção, existem até casas de câmbio, onde troquei meus dólares por meticais (moeda local).Tudo junto e misturado. É uma parafernália fenomenal de cheiros, cores, sons, e gente, muita gente. Mulheres vendedoras, vestindo capulanas e com os filhos nas costas... Homens apregoando suas mercadorias, crianças ajudando os pais no comércio... Tudo muito interessante. Na rua lateral ficam os restaurantes, perto de um grande braseiro, situado numa esquina, onde se assam as carnes... não sei como as pessoas não tropeçam no fogo e não se queimam! Na frente, fica uma espécie de feira livre, com frutas, verduras, legumes, ovos e ervas. Eu fui ao mercado todos os dias, para comprar alguma coisa, para comer num dos restaurantes, ou apenas para ver tudo. Adorei ficar passeando pela vielas e apreciando o caos organizado moçambicano.

                                                                        ***

A casa da Sara fica bem pertinho da praia. Fui caminhar quase todos os dias pela areia fofa. E nas partes menos frequentadas, a areia canta, tal qual a de Juqueí. Mas o oceano Índico, enquanto eu estive lá, era gelado. Só molhei até a canela. Não me atrevi a entrar. Venta muito! O vento faz barulho, encobre o barulho das ondas quebrando na praia. O barulho é contínuo, como se fosse um rio passando por entre pedras. Ponta do Ouro fica bem ao sul de Moçambique e é rota de baleias, que vêm ter seus filhotes na frente da praia. Então, se observamos o mar, podemos ver, com certa frequência,  as baleias brincando com seus filhotes, fazendo aquele esguicho. Dava pra ver da minha varandinha. Pena que eu não tinha binóculos.

                                                                        ***

Um dia, Gabriel, Rômulo e eu fomos almoçar num restaurante chamado Safari, que fica no topo de uma pequena elevação, no extremo sul da praia, quase na fronteira com a África do Sul. Foi uma linda caminhada de uns quarenta minutos nas areias da praia, ouvindo o barulho das ondas, quebrando nas pedras... depois um almoço bem gostoso, regado à cerveja local. Nós nos sentamos perto de uma grande janela, de onde ficamos observando as baleias brincando de esguichar água nos filhotes, enquanto o papo corria solto, bem gostoso... Na volta, viemos por uma estradinha bem cheia de árvores e plantas menores, que passa por um bairro distante da praia, onde ficam as casas modestas dos moçambicanos. Foi um dia perfeito! 

                                                                      ***

A Sara tinha convidados quase todos os dias. Era impossível passar por sua varanda, sem que ela me convidasse para um chá, uma cerveja, um petisco... Seus convidados eram sempre interessantes. Lá todos falavam inglês. Um dia, ela me chamou para uma festinha. Um jantar muito gostoso, com muita gente alegre... quase eufóricos. Reparei que vários tinham um objeto parecido com aqueles pimenteiros para pimenta do reino, onde se colocam os grãos, e depois de girar a tampinha, a pimenta vira pó. Pois bem, eles tinham esse moedor. E fabricaram vários cigarros com  as ervinhas moídas. Me ofereceram, eu não aceitei e perguntei se o fumo era permitido. Eles me responderam rindo que em Moçambique não, mas todo mundo tinha... e na casa da Sara era permitido.  Daí a pouco, a Sara veio com um saquinho cheio de cogumelos secos e me ofereceu um. Eu disse que não conhecia, nunca tinha experimentado, que no Brasil não tinha. Ela respondeu:

- This is imported from Brazil!

Fiquei toda sem jeito e acabei aceitando um pedacinho, bem pequeno. E, enfrentei os olhares atentos de todos, durante o jantar... Mas não aconteceu nada comigo. Só senti muito sono. Dei uma de cachorro magro. Acabei de jantar e fui dormir. Tive belos sonhos, dos quais não me lembro. Só me lembro de que acordei muito bem.

                                                                     ***

Um dia, depois de um jantar na casa da Sara, um dos convidados, um jovem bonito, de uns vinte e poucos anos, depois de algumas cervejas e de alguns cigarros feitos com o conteúdo dos potinhos moedores, começou a conversar comigo. Ele é africano do sul e conhecia Florianópolis, porque já tinha ido surfar lá. E continuou falando. Eu pedi pra ele falar devagar, umas três vezes. Não adiantou. Eu desisti. E ele falava, falava, eu entendia uns fiapos de pensamentos, ele estava falando sobre o mundo atual, sobre a solidão das pessoas... acho que era isso, e eu não sabia o que responder, só ficava olhando pra ele e pensando, um moço tão bonito, tão triste... e eu pensava o que posso dizer? Não entendo nada desse papo... a outra convidada foi embora e eu querendo ir embora também, mas o moço não parava de falar, e eu sem saber o que dizer... que situação! Então eu disse:

- Sometimes, life is very difficult, isn!t it?

Pra quê? Foi pior! Aí ele começou a falar da infância, dos pais... e eu fiquei mais aflita ainda, mais sem respostas pra ele... Mas a Sara, percebeu minha aflição e começou a tirar a mesa, os pratos talheres, e eu me ofereci para ajudar. Limpamos a mesa, enquanto o moço tomava mais uma cerveja. ao final, eu me despedi. Não sei como a Sara fez para dar boa noite para o rapaz. Ele estava hospedado lá mesmo, no quarto em baixo do meu. No dia seguinte, logo que acordei, senti o cheiro do cigarro do rapaz. Ele começou cedo. Muito triste.

                                                                   ***

Na última noite que passei lá, a mãe de uma das meninas do surf ofereceu um jantar na casa dela. Presentes, a mãe, o pai, duas irmãs, um irmão maior e outro de três aninhos, lindinho, bem pretinho, carequinha, a gente só via o branco dos olhos e o grande sorriso malandro! Seu nome é John Lennon! Mais uma tia e um bebê, filho da tia! Família completa! Família linda! Alegres, falantes, calorosos. Prepararam uma comida típica que é uma espécie de purê de mandioca, com molho de tomate, frango assado e uma carne moída cosida com gengibre, tomate e  (uau!) bastante pimenta. Eu repeti tudo, menos a carne com pimenta. Antes de servir a janta, a tia trouxe uma pequena bacia, uma jarra com água e uma toalha, para que nós  lavássemos as mãos. É o costume local, uma vez que todos comem as carnes com as mãos. Adorei conhecer a família! A casa pequena, com uma varanda onde foi posta a mesa. Tudo muito simples, mas tão rico, tão cheio de amor! 

                                                                   ***

Finalmente, chegou o dia de ir embora. O último almoço com Gabriel e Rômulo. Eles me deram uma mini pranchinha de surf, com meu nome gravado, que agora está orgulhosamente enfeitando minha estante de livros e lembranças. Que bom ter amigos do outro lado do mundo! Depois do almoço, Joel (o motorista) chegou para me levar até Maputo. Pegamos dois rapazes que também iam pra lá, para participar de um campeonato de surf. Antes de pegar a estrada,  Joel parou numa tenda que vende produtos para turistas e comprou um lindo chapéu de abas largas... e me deu! Fiquei emocionada, quase não tive contato com ele...  mas ele disse que foi muito bom ter tido a oportunidade de falar sobre a história de seu país. Muito bom mesmo fazer amigos do outro lado do mundo!

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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

 


                                                       MOMENTOS DAKTARI



 Hora da janta. As meninas africanas ficam em uma mesa separada. Pedem algo. A diretora diz: 

- Peçam por favor! -  elas pedem por favor. A diretora atende o pedido e fala:

- Agora digam obrigado! - elas dizem. São obedientes, mas eu olho bem para suas caras sérias e desconfiadas. Falam com os olhos. Eu acho que dizem:

- Vocês brancos, vieram aqui, destruíram nossa cultura e agora querem nos impor a cultura de vocês!

                                                                            ***

Fui ao Safari do resort Makalali. Vi uma família de rinocerontes. Pai, mãe e o filhote. O filhote se assusta com o carro, que chegou bem perto deles... e começa a chorar! O choro parece de uma criança! A mãe esfrega sua cabeça na cabeça do filhote... não dá pra dizer que fofura... porque eles podem ser tudo, menos fofos... mas foi uma bela demonstração do carinho materno.

                                                                              ***

Estamos na lua quarto crescente. No Brasil ela tem a forma de um C. Em Moçambique, tinha a forma de um D, sem o tracinho vertical. Aqui, na África do Sul, parece um U invertido. Parece que está de ponta cabeça... Muito interessante, as posições da lua.

                                                                                ***

Uma das meninas puxa conversa comigo:

Ela - Você acredita em Deus?

Eu - Sim, acredito.

Ela - Ás vezes parece que eu não existo!

Eu - Por que?

Ela - Você viu como aquela nova voluntária nos cumprimentou?

Eu - Vi.- foi um cumprimento bem comum, fruto de boa educação. Ela quase nem olhou para mim nem para as meninas.

Ela - Você gosta de conhecer novas pessoas?

Eu - Gosto. 

Ela - Ás vezes eu gosto, às vezes não gosto. - ela continua me analisando - Às vezes eu sinto que pessoas brancas discriminam... Você acha que todos são iguais?

Eu  - Acho.

Ela - Brancos e negros?

Eu - Sim! Brancos, negros, amarelos, vermelhos...

Ela - Quem são os vermelhos?

Eu - Os índios.

Ela - Ah é! Os índios.

Eu - São todos iguais, você não acha?

Ela - Acho. Mas, alguns brancos não acham.

Eu - É... muito triste, isso.

Ela - Muito triste.

A menina negra, sul africana, com 14 anos de idade, e eu tivemos essa conversa, com muita dificuldade, porque foi tudo em inglês e eu tive que pescar palavras no meu pequeno vocabulário, para dar mais fluidez a esse assunto tão difícil... mas em síntese, foi isso. Quando foi embora, a menina me deu um abraço bem apertado! Amei.

                                                                       ***

No caminho para a minha cabana, tem um burrico todo branco. Parece triste. O funcionário que estava me levando ara a cabana disse:

 - He is blind!

- Is he albino?

- He is blind!

- But, is he albino?

- He is blind!

Tá certo. Ele é cego. Não vou encompridar a conversa. Mais tarde, o Google me disse que existem muitos burricos albinos e mostrou fotos de vários. Igualzinho àquele. Tadinho. 

                                                                          ***

O carro do safari para num ponto especial, para a gente apreciar o por do sol. Eu pergunto onde é o banheiro, me dirijo a uma pequena cabana coberta de sapé (ou algo parecido sapé) e tento abrir a porta. Giro a maçaneta, aperto, movo pra cima, pra baixo e... nada. A porta não abre. Mas tenho certeza de que está vago, porque a mulher que estava lá tinha acabado de sair... Eu ouço a guia do safari dizendo: do outro lado, do outro lado! Eu procuro o outro lado da porta e não vejo nada. Até que a guia veio até a porta, morrendo de rir e empurrou a porta. Eu estava puxando.

                                                                         ***

As cores daqui são todas terrosas. Com exceção dos amarelos brilhantes e vermelhos cor de fogo das auroras e dos crepúsculos, que são portentosos, todos os bichos, aves, construções e vegetação, tem cores que variam entre beje, marrom, marrom esverdeado, cinza e negro. Vi uma manada de búfalos, todos negros. lindos, bem perto da minha cabana. Galinhas d'Angola, bem escuras. As diversas variedades de roedores... sempre variando entre o branco sujo, cinza, marrom e preto. Rinocerontes, elefantes e zebras também. Dentre os bichos, única exceção são as girafas que tem manchas em tons de amarelo. Sinto falta das cores vivas das capulanas moçambicanas.


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terça-feira, 18 de outubro de 2022

         

                                                           

                                                  OPINIÕES DOS MOÇAMBICANOS


JOEL - Tem uma barraca no mercado e é o motorista do projeto. Perguntei o que os moçambicanos acham dos portugueses. Ele disse que gostavam… eu não senti firmeza na resposta…fui modificando a pergunta, até acreditar na resposta:

- Eles mandavam em tudo até 1975, quando ficamos independentes. Aí, muitos foram embora para Portugal. Os que ficaram espalharam intrigas. Chegou um momento que todo o país estava dividido: a favor e contra os portugueses! A divisão foi tamanha, que deu origem a uma guerra civil que durou muitos anos. Foi horrível, ver meus compatriotas, meus irmãos se agredindo… eu vi famílias inteiras, cidades inteiras fugindo como galinhas… crianças chorando porque não sabiam onde encontrar os pais e os pais chorando porque não sabiam onde encontrar os filhos! Tudo muito, muito triste… até que todos perceberam que irmãos não podiam lutar contra irmãos e fizeram um acordo de paz. Aí, a vida melhorou. Agora, a vida está boa. Conseguimos manter relações amigáveis com os portugueses que ficaram aqui, e até acontecem alguns casamentos, afinal eles fazem parte de nossa história. Mas eles são racistas.

VITÓRIA- Diarista na casa da Sara e mãe de uma das meninas do surf. Fiz a mesma pergunta. O que você acha dos portugueses? 

- São bons … eu não senti firmeza, mas ela não precisou de novas perguntas, foi logo dizendo… bons, mas algumas vezes eles não gostam da cor da nossa pele...

-São racistas? 

- Sim. São racistas.

MARINA - brasileira, residente há anos em Maputo, onde dormi uma noite, antes do voo para Joanesburgo. Ela é terapeuta ocupacional, professora na universidade e namora um moçambicano, artista gráfico. Ela disse:

- Portugueses são racistas O povo daqui conviveu muito tempo com eles na época da colônia e isso gerou alguns laços afetivos, mas os moçambicanos acham que eles são racistas. E depois da independência, veio a guerra. A guerra foi muito triste, muito traumática, deixou grandes feridas, marcou muito. Mas agora, depois de algum tempo, o povo vive melhor. Moçambicanos são muito acolhedores e gostam muito de brasileiros.

GIL - motorista de tuktuk que me levou para o aeroporto de Maputo. Nem precisei perguntar muito, foi logo falando:

- Eles são racistas. Se acham porque são brancos. Ainda temos muitas relações  comerciais com eles e algumas relações afetivas. Atualmente, até acontecem alguns casamentos... mas eles são racistas.

SARA - inglesa, a dona da casa onde fiquei, mora há mais de vinte anos em Ponta  D'Ouro:

- Foram muitos anos de convívio. Os portugueses fazem parte da história deste povo. Tinham muitas relações afetivas... mas a guerra fez muito mal a todos. Atualmente, vivem em paz. mas acho que existe um certo ressentimento em relação aos portugueses.

VISÃO GERAL - Em Ponta D'Ouro, vi muitas casas grandes bonitas, hotéis e restaurantes chiques, frequentados por brancos, loiros falando inglês. Com exceção dos que trabalham no mercado e vendem artesanato,  não vi nenhum negro nesses lugares, mas me disseram que há alguns, na maioria políticos. O presidente da república e alguns ministros têm casa em Ponta D’Ouro. 

E os moçambicanos negros que falam português e chananga, moram em casas bem modestas, Num bairro que fica longe da praia. Têm barracas no mercado e são os serviçais nas casa dos brancos, nos restaurantes e hotéis.

Chananga é o dialeto falado pelos moçambicanos, derivado do zulu. Tanto os moçambicanos, como os africanos do sul faziam parte dos povos originários, os zulus.

CONCLUSÃO - minha:

- Qual é o motivo, a ideologia, a religião, a seita, a política, ou... seja lá o que for... que autoriza o povo branco de um país, ou continente a invadir outras terras, outros continentes, dominar seus povos e exportá-los para servir de mão de obra escrava? 

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022


                                                                       CAPETOWN


Bonita. Bem bonita. Parece o Rio de Janeiro. Mar, cidade, floresta e montanhas. Mas faltam o Cristo e o Pão de Açúcar. Limpa, organizada, trânsito que flui, muito policiada. Nisto, é bem diferente do Rio. Arquitetura antiga, de origem britânica ou holandesa. Arquitetura moderna engolindo a antiga. Mão do lado esquerdo. Tem poucas faixas de pedestres. Para mim, atravessar a rua em cruzamentos de várias avenidas, foi uma aventura, porque não sabia nunca de que lado vinham os carros. 

O povo que eu vi varrendo as ruas e atendendo nas lojas e restaurantes é predominantemente negro e me pareceu sério, às vezes triste. Falam dialetos variados entre eles, variantes de zulu e falam inglês oficialmente, com um sotaque tão carregado, que não dá pra entender. Depois de algumas tentativas, eu desisti de perguntar as coisas, porque sabia que não ia entender as respostas.

O povo que vi nos restaurantes e loja chiques é branco, loiro, alto, de olhos azuis desbotados e tem aquele ar de importância… se acham. Alguns jovens são bem altos, sarados, corpo malhado, tatuados, um pouco assustadores. Brucutus. As mulheres, quando envelhecem ficam muito peitudas, com os quadris mais estreitos e cara bem enrugada. Feias. As mocinhas são bonitas, altas e atléticas.

Pelo que vi, o país é rico e próspero. Capetown deve ser perigosa para turistas, pois existem muitos policiais nas ruas. Eles me alertaram para não abrir a bolsa, não mostrar o meu dinheiro e nem o meu celular. Eu obedeci. O apartheid foi oficialmente extinto mas na prática, permanece funcionando. Os negros são muito negros e os brancos muito brancos. Não há mulatos. 

Ontem, eu estava caminhando numa  direção e vieram pelo menos uns três ou quatro negros me dizer:  Don’t go that side, mam! - Eu custei a entender o que diziam, até que veio uma mocinha e disse a mesma coisa, de maneira mais clara. Aí eu entendi e voltei no ato. Não fui mais naquela direção. Andei bem depressa na direção oposta. Tive medo. Por que será que eu não podia ir pra lá? Não tive coragem de perguntar.

Sinto falta da alegria dos moçambicanos. Bem mais pobres, desorganizados, caóticos, mas com lindos sorrisos. Dentes todos muito brancos! Já os sul-africanos não tem dentes tão bonitos. Nem sorriem tanto.

Tanto na África do Sul, como em Moçambique o povo originário era em sua maioria Zulu. Aí, vieram os portugueses para Moçambique e os ingleses e holandeses para a África do Sul. O povo negro foi expulso de suas terras, escravizado e exportado para servir de mão de obra nas Américas. Tudo em nome da “civilização”! Que horror! 

Do ponto de vista da “civilização”, a África do Sul foi muito melhor sucedida. É muito mais rica e organizada, tem ares de primeiro mundo. Mas as negras daqui não se vestem com as capulanas, não carregam coisas na cabeça e nem os filhos nas costas. Os moçambicanos são mais pobres, mas ainda tem preservadas muitas características da sua cultura original. Creio que por isso são muito mais alegres e de certa forma, muito mais ricos.

Vi muitos mendigos negros revirando latas de lixo ou andando pelas ruas com um cobertor nas costas. Igual no Brasil. Só que no Brasil, a mendicância é multirracial, democrática, temos negros mulatos, índios, brancos, gente de outros países… aqui, só os negros são mendigos. Acho que não podem ficar parados, porque ficam todos andando e abordando os turistas dizendo que estão com fome, mostram cartazes nos cruzamentos. Tão triste quanto no Brasil.

Aqui, as roupas coloridas  estão nas feiras e nas lojas de turistas e em Moçambique, estão no corpo das mulheres!

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

 

                                                   JOANESBURGO E HOEDSPRUIT

Quando saí de Maputo, tomei um avião para Joannesburgo, de onde iria para Hoedspruit, uma cidadezinha que fica a duas horas de carro do projeto Daktari. 

Joanesburgo é uma grande cidade. Eu não conheci. Apenas passei por ela. O aeroporto se chama Tambo Airport, em homenagem a Tambo, o primeiro advogado negro da África do Sul. Era amigo de Mandela. Logo que saímos do avião, nos deparamos com uma bela estátua dele, que parece saudar os recém chegados. Como cheguei num dia e ia partir no outro, fui direto para o hotel, de onde não saí. Fiquei escrevendo, contando minhas aventuras em Moçambique. Tirei fotos do jardim do hotel. Estava bem florido E foi só.

                                                                             ***

Hoedspruit me pareceu um entroncamento de estradas. Por isso se tornou um centro turístico, com lojinhas e restaurantes. O motorista do Daktari me levou para lá, ao término da minha estadia no projeto. Eu cheguei num sábado e o motorista me levou até o hotel. Eu me acomodei no hotel, e fui para o centrinho. Surpresa! A casa de câmbio não tinha dinheiro! Como assim, a casa de câmbio de um centro turístico não tem dinheiro?

Entrei numa das lojinhas e testei meu cartão do BB. Funcionou! Ainda bem. Fiz algumas comprinhas e voltei para o hotel. Descansei, tomei banho e me dirigi novamente ao centro comercial. Susto! Tudo fechado! Como pode uma cidade turística fechar completamente num sábado à tarde? Parecia uma cidade fantasma. Só dois restaurantes abertos. Entrei num deles e pedi um frango “take away” e uma cerveja. Demorou um montão. Quando a comida ficou pronta, já estava escuro. Eu queria voltar para o hotel.

Mas...quem disse que eu achei o caminho? Ai Jesus! Perdidaça nesta cidade fantasma! Meu Anjo da Guarda, me acuda! Não quero ter que dormir na rua... Andei, andei, mas sem saber que direção tomar… eu me perdia cada vez mais. Então, entrei no outro restaurante que estava aberto.  Uma mocinha simpática veio me atender. Expliquei que estava perdida. Ela deu risada de mim, telefonou para alguém e disse que ia levar uma “old lady” para o hotel.

Old lady, eu? Posso ser uma coroa, uma velhinha, uma velhota assanhada… mas old lady? Que chique!

 A mocinha simpática consultou o celular e, após apenas cinco minutos de caminhada, chegamos na rua Girafa, onde era o meu hotel! Agradeci muito, e enquanto ela dizia "you are wellcome" eu disse que ia rezar por ela… lembrei da minha mãe que sempre dizia isso. Achei que era uma fala adequada para "old lady". Enfim, foi essa a minha aventura do dia.

O Mandela deve se revirar no túmulo. Pela manhã quando o comércio estava aberto, havia muitos africanos do sul, nos restaurantes, nas lojas, todos loiros, altos de olhos azuis. Depois que tudo fechou, à tarde, quando eu voltei para passear, a cidade estava cheia de negros também africanos do sul. A segregação não é oficial, mas persiste.  Neste caso, com hora marcada. Que pena!

Domingo, na cidade fantasma. Tudo fechado. Que coisa! No meu hotel também a recepção estava fechada. Ai Jesus, preciso de "transfer" amanhã para o aeroporto! Como conseguir isso? Fui para o centro turístico novamente, na esperança de encontrar alguma coisa ou alguém que pudesse me informar… e nada. Voltei para o hotel, dei uma volta completa no prédio da recepção e achei uma porta aberta. Bati na porta e veio uma senhora. Expliquei que precisava de "transfer" para o aeroporto no dia seguinte e ela disse que me levaria, para eu não me preocupar. Bastava eu chegar de mala e cuia, às dez horas da manhã que ela me levaria. 

No dia seguinte, às dez horas, eu estava lá de mala e cuia, mas não tinha ninguém! Ai Jesus! E agora? Procurei novamente uma porta aberta, bati palmas e apareceu um rapaz, que telefonou para a senhora Joan. Depois de alguns minutos ao telefone, ele me informou que ela viria logo. Sentei no degrau da escada e esperei uma eternidade… até ela chegar. Enfim, a Sra. Joan chegou às onze horas, cheia de explicações, que eu não entendi e nem me preocupei em responder. Eu estava mesmo muito aflita.  Coloquei minhas coisas no carro e ela saiu desabalada até o aeroporto. Deu tempo pra tudo. Mas foi um stress atrás do outro.

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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

   

                                                         PESSOAS DO DAKTARI


Michelle - A diretora. Quando cheguei, assim que ela me viu, disse:

- Oh! We have an other sexy Brazilian woman!

- Me? Sexy? No! I am not sexy!

- But you are Brazilian!

Fiquei desconsertada… ela acha que todas as brasileiras são sexy? Não me lembro como a conversa se estendeu, acho que ela fez alguma comparação comigo e disse “ Look at me!” - eu olhei e vi uma mulher de meia idade, gorda e flácida. Nada sexy. Decididamente, foi um mau começo. Depois, percebi que todos os funcionários, a olhavam com um certo respeito temeroso.

Lilly, alemã, dezoito anos, Lou, francesa, vinte anos e Fred, holandês, dezenove anos. Todos terminaram o ensino médio e estão voluntariando por um tempo, enquanto resolvem qual profissão querem seguir e qual faculdade querem fazer. Trabalhei com eles a maior parte do tempo. Preparava e dava a comida para os animais, toda manhã e toda tarde. Participei das aulas com as crianças, de uma dança de roda e de algumas caminhadas. Foram legais comigo. A minha participação nas aulas foi bem pequena, mas tive tempo de desenhar o rosto de cada menina e dar de presente pra elas. Foi legal.

Bastian, francês, resolveu estudar relações internacionais em João Pessoa no Brasil! Que coisa! Chegou à conclusão de que os brasileiros sabem muito bem se relacionar com todo o mundo! Por causa disso, fala bem português. É super bem humorado, brincalhão e divertido. Funcionário, espécie de faz tudo.

Karine, africana do sul, funcionária da limpeza. Eu conversava com ela diariamente, quando ela ia limpar a minha cabana. Pasmem! Ela estudou biologia e meio ambiente, na universidade em Joanesburgo. Mas só conseguiu emprego de faxineira… Conversamos sobre muitos assuntos e ela ficou triste quando se despediu de mim. Disse que eu tinha “a very good hart”.

Pretty funcionária administrativa. Encarregada do contato com a empresa captadora de voluntários no Brasil. Me arranjou uma lanterna portátil, um ventilador e me ajudou a reservar um hotel em Hoedspruit. Eu disse que ela era meu “black guardian angel” e ela ficou toda feliz. No dia de sua folga, ela se arrumou toda e colocou cílios postiços.

Os demais voluntários, na maioria franceses. Não tive muito contato com eles. Talvez, por falarem sempre muito depressa… talvez por uma certa arrogância mesmo. Afinal, fiquei apenas uma semana nesse projeto.

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domingo, 9 de outubro de 2022

 

                                                                OS ELEFANTES


Estou num safari. Já vi várias girafas e três zebras. O carro prossegue andando devagar sacolejando muito na trilha no meio da savana, desviando dos galhos secos das árvores. Muito sol, muito calor. Estou de chapéu e óculos escuros. Pareço uma turista. Pescoço doendo de tanto tentar girar por todos os lados. Não quero perder nada. De repente, o carro para. O que será?

 Um dos guias aposta para um local e vemos as árvore se mexerem. Prestamos bem atenção e vemos dois elefantes por entre as árvores. Suas enormes orelhas balançam as trombas se enroscam e eles vão pra frente e para trás com as trombas enrascadas. Uau! Que coisa! O que estão fazendo?

O rapaz que fica sentado num banquinho em frente do carro informa:

- It’s a fight!

Todos no carro se excitam. Estamos vendo uma briga de elefantes! E não são efeitos especiais de um filme! É real! E está acontecendo na nossa frente! Pena que estão no meio das árvores… não dá pra ver todo o corpo dos elefantes… mas vemos suas grandes orelhas abrindo e fechando e quase dá pra sentir a enorme força que estão fazendo! 

Às vezes, eles se afastam. Ficam parados, um em frente ao outro, se encarando, medindo suas forças. Só as orelhas abanam. Dentro do carro, um silêncio total. Todos impressionados com a cena. Então, os elefantes correm e se chocam! Uma espetacular cabeçada! E recomeçam a luta. Trombas enroscadas… eu fico imaginado a força que fazem… A guia explica:

- São dois elefantes jovens. Um deles, o que tem a pele um pouco mais escura é o líder do grupo. E o outro quer ser o líder. As lutas entre elefantes são sempre assim. Lutas pela liderança.

Fiquei achando que ela conhecia o grupo, para saber quem é o líder e quem estava disputando a liderança. O carro ficou parado nesse lugar, por um tempo e depois partimos em busca de ver mais animais. A luta continuou. Mais adiante, vimos muitos elefantes andando pacificamente. Será esse o grupo cuja liderança está sendo disputada?

 O carro segue até um local de onde pudemos ver um magnífico por do sol.

Na volta, passamos pelo local da luta e vimos um elefante caído no meio das árvores… triste, muito triste! Era o elefante mais claro. A guia informou que aquele era o pretendente à líder. Não venceu a luta. Está morto. Eu ainda pergunto: Será que não está apenas machucado? A guia responde que a luta só acaba quando um dos elefantes morre. Todos fizeram vários Ah….Oh… em várias línguas… o carro ficou ali parado por mais um tempo, mas já estava quase escuro, então prosseguimos no caminho de volta. Muito triste.

                                                                                  ***

Na hora da janta, depois que eu contei sobre a luta e a morte do elefante, a diretora começou a falar com as pessoas sentadas perto dela, como se eu não estivesse presente!

- Ela não deve ter entendido a fala da guia!  - eu respondi:

- Entendi sim! - mas ela continuou:

- Talvez a guia tenha dito outra coisa e ele entendeu mal.

- Eu entendi muito bem e ainda perguntei, se o elefante estava mesmo morto, ela disse que sim - e continuei - talvez, ele estivesse apenas machucado, e não morto, mas ele estava lá estendido no meio das árvores. Todos os que estavam no carro ouviram a fala da guia e viram o elefante caído.

Não gostei do jeito da diretora. Ela falou de mim, na minha frente, como se eu não existisse, e mesmo depois que eu respondi diretamente para ela, ela continuou agindo como se eu não existisse! Foi um climão! Senti os olhares constrangidos de todos… creio que não pelas coisas que foram ditas, mas pela maneira como foram ditas.

Acho que falar de uma pessoa na frente dela, como se ela não estivesse ali, é uma forma de discriminação.

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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

 

                                                                      DAKTARI II


Estou no meio da savana africana que ora se parece com o cerrado brasileiro, ora com a caatinga. O sol é quente, o ar é seco. Nesta região específica onde fica o projeto Daktari, as árvores são quase todas secas, sem nenhuma folha. Parece a caatinga. Mas se observamos bem, vemos brotinhos de folhas bem pequenininhos. Quando chover,  as folhas vão crescer, a paisagem vai mudar. Igualzinho à caatinga, que quando chove fica toda verdinha e florida.

O projeto Daktari cuida de animais órfãos, acidentados, ou doentes. Trata de todos eles e quando estão recuperados são  devolvidos para a natureza. São periodicamente orientados por uma veterinária. Também promove a inclusão social de crianças africanas, trazendo-as para passar uma semana aqui, convivendo com os animais e tendo aulas sobre ecologia, meio ambiente e lições sobre convivência social, além do trabalho com os bichos. Conta com o apoio da Fundação Brigitte Bardot.

Para a realização de seus objetivos, o Daktari está muito bem instalado num enorme terreno todo cercado, no qual ficam uma grande varanda onde são servidas as refeições e é o ponto de reunião dos voluntários, funcionários e  administradores. Em volta dessa varanda, ficam outras construções, alojamentos de funcionários, varanda para as aulas, cozinha dos animais e várias cabanas para os voluntários. Um pouco mais afastadas estão grandes gaiolas para abrigar os animais. Perto da minha cabana, fica um cemitério para os animais que não se restabelecem.

A minha cabana fica próxima da cerca eletrificada que protege o terreno. Isso significa que os animais selvagens chegam aqui perto. Todas as noites eu ouço o rugido dos leões. É impressionante!

Minhas funções são: ajudar um grupo de voluntários (Lilly, Lou e Fred) a preparar e dar comida aos animais, pela manhã e à tarde, participar das aulas com as crianças, levar os cachorros para passear. Tudo fácil e prazeroso.

Mas, tem muitos franceses, e europeus em geral. Eles conversam sempre entre eles. Quando se dirigem a pessoas de outras nacionalidades, falam inglês tão depressa,  que eu não entendo nada. Talvez, parece... não sei… arrogância? Pode ser engano meu, mas nunca me senti muito confortável na hora das refeições ou reuniões gerais… não gostei.

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quarta-feira, 5 de outubro de 2022

       

                                                         INCLUSÃO SOCIAL


Estive pensando… na ilha caribenha de St. Vincent, onde voluntariei por mais de seis meses, quase não havia brancos, não notei nenhuma grande diferença entre ricos e pobres, não vi mendigos, nem descendentes de ingleses colonizadores. Pensando bem, não havia exclusão social. Quase toda a população tem onde morar, tem trabalho suficiente para se sustentar, as crianças vão à escola, o sistema de saúde é precário, mas atende a todos… segundo minhas observações, não há socialmente excluídos. Talvez seja por isso que a Richmond Vale Academy, onde estudei e prestei serviços, não tem inclusão social entre suas matérias curriculares.

Já em Moçambique e aqui, na África do Sul, vejo brancos ricos e negros subalternos. Alguns (poucos) mendigos,  desempregados, crianças soltas pelas ruas. Os negros precisam realmente de programas e projetos de inclusão social. Fica explicada a presença e a ênfase dada à essa matéria nos dois projetos que estou conhecendo agora. Durante a minha permanência aqui no Daktari, temos quatro meninas que vão ficar por uma semana. Vieram de uma escola das redondezas. Tem por volta de doze ou treze anos.

Feita essa observação, noto muitas semelhanças entre o Daktari e a Richmond Vale Academy: ambos são administrados por um casal. Lá de dinamarqueses e cá, de franceses. Aqui, contam com  o apoio da Fundação Brigitte Bardot e lá de um setor da ONU. Ambos, com regras rígidas. Todos os minutos do dia são ocupados. Todas as noites, após a janta, se prepara a "skedule" do dia seguinte. A língua comum é o inglês, mas como aqui tem muitos franceses, se fala o francês também.. Falam muito depressa para a minha pobre capacidade de entendimento. Então, eu não entendo quase nada, apenas uns fiapos de coisas… Mas sempre procuro saber com certeza onde, quando e como devo me apresentar para a próxima tarefa. Aí, na hora da tarefa, eu peço pra falarem devagar, para que eu entenda o que devo fazer. Dá certo. Deu certo no Caribe e aqui também.

Mas, tanto lá como aqui, eu discordo da abordagem, da forma como as coisas são colocadas. Acho os europeus arrogantes e exultei quando, as meninas ao executarem a tarefa de desenhar em uma folha A4, o passado, o presente e o futuro, todas desenharam uma universidade nas etapas do futuro. Uma queria ser bióloga, outra, professora e as outras duas ainda não sabiam, qual o curso, mas queriam ir para a universidade. Nenhuma quis as profissões em que poderiam ganhar gorjetas.

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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

       

                                                                          

                                                                          DAKTARI I


Estou no meio da savana africana que ora se parece com o cerrado brasileiro, ora com a caatinga. O sol é quente, o ar é seco. Nesta região específica onde fica o projeto Daktari, as árvores são quase todas secas, sem nenhuma folha. Parece a caatinga. Mas se observamos bem, vemos brotinhos de folhas bem pequenininhos. Quando chover,  as folhas vão crescer, a paisagem vai mudar. Igualzinho à caatinga, que quando chove fica toda verdinha e florida.

O projeto Daktari cuida de animais órfãos, acidentados, ou doentes. Trata de todos eles e quando estão recuperados são  devolvidos para a natureza. São periodicamente orientados por uma veterinária. Também promove a inclusão social de crianças africanas, trazendo-as para passar uma semana aqui, convivendo com os animais e tendo aulas sobre ecologia, meio ambiente e lições sobre convivência social, além do trabalho com os bichos. Conta com o apoio da Fundação Brigitte Bardot.

Para a realização de seus objetivos, o Daktari está muito bem instalado num enorme terreno todo cercado, no qual ficam uma grande varanda onde são servidas as refeições e é o ponto de reunião dos voluntários, funcionários e  administradores. Em volta dessa varanda, ficam outras construções, alojamentos de funcionários, varanda para as aulas, cozinha dos animais e várias cabanas para os voluntários. Um pouco mais afastadas estão grandes gaiolas para abrigar os animais. Perto da minha cabana, fica um cemitério para os animais que não se restabelecem.

A minha cabana fica próxima da cerca eletrificada que protege o terreno. Isso significa que os animais selvagens chegam aqui perto. Todas as noites eu ouço o rugido dos leões. É impressionante!

Minhas funções são: ajudar um grupo de voluntários (Lilly, Lou e Fred) a preparar e dar comida aos animais, pela manhã e à tarde, participar das aulas com as crianças, levar os cachorros para passear. Tudo fácil e prazeroso.

Mas, tem muitos franceses, e europeus em geral. Eles conversam sempre entre eles. Quando se dirigem a pessoas de outras nacionalidades, falam inglês tão depressa, que eu não entendo nada. Talvez, parece... não sei… arrogância? Pode ser engano meu, mas nunca me senti muito confortável na hora das refeições ou reuniões gerais… não gostei.

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                                                      RÔMULO, GABRIEL E SARA


RÔMULO  e GABRIEL -  brasileiros, fundadores do projeto Luwandi Surf, tiveram a capacidade de reconhecer o potencial do esporte como instrumento de inclusão social, em Moçambique. Jovens, cheios de energia, brincalhões, se dedicam ao trabalho com tanto empenho, com tanta alegria, que o trabalho acaba parecendo uma grande brincadeira. Mas essa brincadeira já foi capaz de formar atletas aptos a participar de competições e principalmente capaz de modificar a vida de adolescentes, melhorando sua auto estima e possibilitando novas oportunidades de vida e de ascensão social. É um belo projeto, fruto de muito trabalho e dedicação.

Eu fui muitíssimo bem acolhida por ambos Eles me deram todo o apoio e todo carinho tão importantes para esta velhinha que se atreveu a prestar serviços num país distante… e meus serviços foram prejudicados por dois dias de chuva (as aulas são ao ar livre), um feriado nacional, e a gravação de um programa para a TV local, que pertence ao grupo da brasileira TV Record. Mas mesmo assim, consegui participar das aulas de inglês e orientar uma sessão de meditação. Mas o mais importante foi ter a oportunidade de ler meus livros com as crianças e discutir o conteúdo com eles. Foi muito bom!

Almoçamos e jantamos juntos muitas vezes e sempre rolaram grandes papos regados à excelente cerveja local. Uma vez, Gabriel e eu matamos uma garrafa inteira de vinho sul africano! E quero agradecer a ambos, pela competência em em fazer funcionar este Blog, apesar das deficiências de sinal do "wi-fi", e especialmente ao Gabriel pela paciência em suportar a minha burrice “on line”. 

Dentro de mim, nasceu uma cômica velhinha surfista, de tranças rastafari nos cabelos. Rômulo e Gabriel estão no coração dessa velhinha!

SARA - Inglesa, mora em Ponta D’Ouro há mais de vinte anos. Tem uma filha adolescente e administra uma loja de artigos para turistas. Recebe hóspedes na edícula no fundo do seu quintal. Fala por todas as juntas, cuida da casa, dos hóspedes, da loja e da filha que tem necessidades especiais, sempre bem humorada, falando e sorrindo muito. Sua casa é uma festa constante. Cheia de amigos, comidas e cervejas. Jantei com ela várias vezes tomei muita cerveja e ri muito! Grande figura! Grande aventura a carona de quadriciclo, debaixo de chuva!  Inesquecível! Também vai morar para sempre no coração da velhinha surfista de trancinhas.

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domingo, 2 de outubro de 2022

 

                                                                  HISTÓRIA (continuação)


GIL - Motorista do tuktuk que me levou até o aeroporto de Maputo. Eles são racistas, se acham melhores porque são brancos. Nós ainda temos muitas relações comerciais com eles e algumas relações afetivas. Afinal, é a nossa história… Atualmente, as coisas estão mudando e até acontecem alguns casamentos entre portugueses e moçambicanos. Mas eles são racistas.

VISÃO GERAL - Em Ponta do Ouro, vi muitas casas grandes bonitas, hotéis e restaurantes chiques, frequentados por brancos, loiros falando inglês. Não vi nenhum negro nesses lugares, mas me disseram que há alguns, na maioria políticos. O presidente da república e alguns ministros tem casa em Ponta D’Ouro. 

E os moçambicanos negros que falam português e chananga, moram em casas bem modestas, longe da praia.Têm barracas no mercado e são os serviçais nas casa dos brancos, nos restaurante e hotéis.

Concluindo, deixo aqui uma questão: Por qual motivo, os europeus, brancos, se acharam no direito de ocupar outras terras e colonizar outros povos?

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

   

                                                                         MAIS MOMENTOS


Vi uma festa de casamento na praia, me explicaram que os noivos pulam sete ondas. Quando eu cheguei na praia, eles já estavam indo embora. Mas pararam para que eu tirasse fotos. Achei legal!

Houve também uma festa de aniversário. Uma menina que fez onze anos. Armaram uma barraca, enfeitaram com balões e colocaram uma mesinha com salgadinhos (pastelzinho de repolho e outro de camarão) muito gostosos! Umas quinze crianças. Todas sentadinhas junto com a aniversariante, num dos cantos da barraca. Muito comportadinhas. A aniversariante tinha uma coroa na cabeça. Aí, chegaram umas caixas enormes com comidas. Crianças na expectativa. A mãe da aniversariante e mais uma moçambicana abriram as caixas de onde tiraram pães, embalagens com bifinhos de carne moída, ovos fritos, mostarda e catchup. Foram montando hambúrgueres e distribuindo para as crianças que ficaram quietinhas comendo, todas sentadinhas em um dos cantos da barraca (a barraca é quadrada). Fiquei admirada! Cada uma ganhou um sanduíche e uma garrafinha de refrigerante com canudinho. Quando todos acabaram de comer, as crianças se levantaram e começou a algazarra.

 Primeiro, brincaram de trenzinho, depois de roda, correram pularam à vontade! Enquanto isso, a mãe e sua amiga preparavam a mesa, colocando o bolo e os doces. Depois das arrumações, a mãe da aniversariante chamou, e todos se posicionaram em volta da mesa para cantarem. Parabéns a você! O canto é igual! Após a cantoria, as crianças se sentaram todas comportadinhas novamente, no mesmo canto, para esperar um pratinho com bolo! Só então, foram todos liberados para mais brincadeiras.

 Amei a festinha! Não comi o bolo, mas os pasteizinhos estavam deliciosos!

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segunda-feira, 26 de setembro de 2022

 

                                                                             AULAS       


Aulas de inglês. Como a principal fonte de renda e trabalho desta cidade é o turismo e os turistas são na sua maior parte provenientes de países de língua inglesa, é importante aprender inglês. Abre-se um grande nicho de empregos. Hotéis, lojas, guias turísticos. Então, visando a inclusão social das crianças oriundas de famílias vulneráveis, o projeto Lwandi Surf decidiu ministrar aulas de inglês para seus alunos. Eles adotam um livro aprovado pela ONU. Cada criança tem o seu livro. Eles aprendem o básico. Suficiente para se comunicarem com estrangeiros. 

Eles fazem os exercícios a lápis. Assim, quando terminam o curso, outro aluno pode apagar o que está escrito e fazer o exercício. Eu estava ajudando uma das meninas a fazer o exercício, quando vi que ela estava simplesmente escrevendo por cima da resposta anterior… chamei o professor:

- Assim não vale! Você tem que apagar e fazer o exercício. Não vale copiar!

Ela deu um sorriso malandro e pegou a borracha.                                                                            

A aula parece uma bagunça. Todos falam, riem, zoam uns dos outros, os professores tem que pedir silêncio, tudo parece uma grande brincadeira. Mas ao final, quando os professores  solicitam, todos respondem tudo o que foi ensinado. Eu fiquei espantada. Achava que eles não estavam prestando atenção, nem entendendo nada. Enfim, achei bem legal essa maneira tão descontraída de ensinar e aprender     

                                                                           ***

Fui convidada a fazer uma leitura do meu livro “O Sorriso do Macaco” em uma escolinha de crianças de cinco anos. Fiquei bem aflita, sem saber como fazer. Afinal, resolvi tirar xerox das páginas com exercícios e pausar a leitura depois de cada página para que as crianças fizessem o exercício. Deu certo. Eles ouviam com atenção, olhos sérios e se divertiram com as ilustrações, olhos risonhos. E depois se empenharam com afinco na tarefa de ajudar a coruja a consertar a bagunça do macaco!          

Depois a professora me disse que eles adoraram o macaco, quiseram dependurar os exercícios no quadro e mostram para os pais, todos orgulhosos! Que bom! Foi um sucesso! 

Minha filha Clarissa que ilustrou lindamente o livro, deve estar feliz, no céu. E minha outra filha Susana que fez a análise pedagógica pode ficar feliz também!  Afinal é o nosso livro fazendo sucesso internacional!

                                                                                ***    

Aula de dança. As meninas vão se apresentar em Maputo. Este é um ensaio da apresentação. O ensaio é feito num grande terreiro de areia, em frente a uma escola municipal. Enquanto a professora e a coreógrafa não chegam, as crianças brincam de roda! Aqui ainda existe isso! Cantam cantigas, sempre tem uma criança que fica dentro da roda e ao final escolhe outra criança, tudo do mesmo jeito que eu brincava na escola quando era criança, no Rio de Janeiro… Amei!

A professora e a coreógrafa chegam trazendo instrumentos de percussão e os “batuqueiros”. A coreógrafa, vestida aqueles panos lindos, faz alguns movimentos, ao som do batuque. Ela movimenta todas as juntas do corpo, sempre sorrindo, com muita graça. O remelexo africano. As meninas olham atentas. 

Elas já conhecem a coreografia. Ao comando da professora, formam duas filas. O batuque começa uma das meninas canta e as outras respondem. E elas vão dançando, fazendo rodas, fazendo pares, sem perder o ritmo! Muito lindo! Isto é… eu estava achando muito lindo, mas a professora queria mais!

-Não está bom! Do jeito que vocês estão fazendo, qualquer um faz! - ela deu uma olhadinha de relance para o meu lado e eu acho que ela pensou: qualquer branquela pode dançar assim… vocês tem que mexer os braços a mão, o pescoço, a cabeça e principalmente a cintura, os quadris! -  virou-se para a coreógrafa e disse - mostre a elas!

E a coreógrafa mostrou! Mexeu todos os ossos do seu corpo! Rebolou como como nunca… ou como sempre? Mostrou tudo o que a sua cintura é capaz, e as ancas também. Lindo, lindo! As meninas observando atentas e eu quase dançando também. Parodiando a famosa canção brasileira, posso dizer:      “ “O que é que a moçambicana tem? Tem graça como ninguém!” 

Elas nascem com o ritmo e o rebolado no DNA e aperfeiçoam na escola.

                                                                                      ***

Leitura do livro O Sonho da Galinha. Escrevi o livro pensando em crianças até dez ou onze anos. Agora, o desafio é ler o livro para adolescentes. Pensei, pensei e achei que seria apropriado falar sobre alegoria. Explicar como uma obra pode despertar pensamentos, sensações e emoções parecidas com as dos personagem, mas que acontecem ou já aconteceram na vida real. Expliquei tudo isso e comecei a ler. De tempos em tempos eu parei a leitura para perguntar o que tinha acontecido na vida deles que era parecido com o livro. Primeiro, o sonho… uma menina queria ser professora, outra veterinária, um menino queria uma bicicleta, outro queria ser um atleta do surf… Depois de ler as tentativas e fracassos da galinha, parei novamente… eles disseram da frustração de repetir o ano na escola, na dificuldade dos pais terem dinheiro…mas todos concordavam que o importante é não desistir, continuar tentando e acreditando que vai dar certo! No final, um dos meninos resumiu muito bem a história! Quase chorei de emoção. 

O professor deu uma lição de casa: escrever qual é o sonho e dizer três coisas que é preciso fazer para conseguir realizá-lo. Pena que eu não vou estar aqui para ver às redações.

                                                                                    ***

Agora só falta falar da leitura que vou fazer com os adolescentes, do livro O Sorriso do Macaco. Com as criancinhas de cinco anos, deu certo. Agora, com adolescentes, depois de pensar muito, e de ler com atenção a introdução feita pela minha filha Susana, decidi falar sobre a fantasia e a realidade. \a importância da imaginação e da realidade. E principalmente, do equilíbrio entre ambas, buscado pela coruja.  E vivenciar tudo isso, com o bom humor e o sorriso do macaco! Tomara que dê certo.


Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

domingo, 25 de setembro de 2022

                                          

                                                  MINHA VIDA EM PONTA D’OURO


Nesta cidade não existe estresse. Tudo é tranquilo, todos são tranquilos. As pessoas se encontram, se abraçam, sorriem sempre, falam chananga entre eles e dão muitas risadas… parece que estão sempre se divertindo. As mulheres carregam coisas na cabeça e o filho nas costas, sempre rebolando. Usam panos lindos amarrados na cintura e no bebê. Chananga é a língua dêles e os panos lindos se chamam capulanas.

No mercado, as vielas são muito estreitas. Quando estou indo em uma direção e vem vindo um homem na  direção oposta, eles não se afastam nem um pouquinho. Sou eu que tenho de me espremer em um dos cantos, para eles passarem. Mas se for uma mulher, ela se afasta rapidinho, e nós duas passamos sem problemas. Será que é assim sempre, ou aconteceu por acaso comigo e eu estou generalizando? 

Esta cidade consiste numa longa rua de areia, paralela à praia, com algumas bifurcações que levam ao mercado. As casas são grandes, com grandes terrenos cobertos de vegetação. É chique. O presidente da república tem uma casa aqui.  Muita gente dos países vizinhos, principalmente da África do Sul, tem casa aqui. Eu ainda não consegui entender onde moram as pessoas que vejo no mercado, nas barracas de artesanato, nos salões de beleza trançando os cabelos…

A praia, com mar bem azul, areias fininhas, muito brancas, é linda! Lembra a praia de Juqueí, no litoral norte de São Paulo. Mas as águas do oceano Índico são frias. Eu ainda não entrei no mar. Mas tenho caminhado pelas areias fofas todos os dias. Apesar de estarmos numa zona tropical, a vegetação é verde escura, bem diferente da vegetação  do Brasil. Muitas árvores com tronco retorcido e folhas escuras. É bonito, mas eu sinto falta daquele verdão escandaloso das plantas brasileiras e do Caribe.  

E os pássaros! É verdade que “as aves que aqui gorgeiam, não gorgeiam como lá” no Brasil! Existem muitos pássaros, pequeninos e pouco coloridos (vários tons de beje, marrom e preto), com trinados completamente diferentes dos pássaros brasileiros. Não tem bem te vi e nem fogo apagou... Mas os passarinhos são todos lindinhos! Acordo pela manhã, com sons dos passarinhos moçambicanos… é muito bom.

Eita vida boa!

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quinta-feira, 22 de setembro de 2022

                                           AULA DE SURF


Começa com todos os alunos sentados no chão, formando uma roda. O professor aponta para um aluno:

- Diga um motivo pelo qual você é grato hoje!

- Eu sou grato hoje, porque minha mãe fez a comida que eu gosto (êle disse um nome ininteligível de uma comida moçambicana).  Depois apontou para uma das meninas que também disse porque estava grata. E assim por diante, um por um inclusive eu, todos tiveram seu momento de expressar o motivo de sua gratidão. Achei bonito. Alto astral. Todos os dias existe pelo menos um motivo pra gente ser grata.

Reparei que eles falam bem baixinho, com a cabeça inclinada, e olhando para o chão. O professor disse que são tímidos.

Depois dos agradecimentos, um momento de meditação. Todos se deitam e um dos meninos fala: relaxem os braços… as pernas… as costas… e eles ficam quietinhos meditando. Meditam rapidinho. Acho que uns dois minutos.

Em seguida, vão pegar as pranchas e a parafina. Ficam passando parafina na prancha bem mais tempo que ficaram meditando. Agora, todos falam, riem, fazem brincadeiras… a timidez sumiu. 

Pranchas devidamente parafinadas, eles vestem as roupas de surfistas e estão prontos. 

Nessa hora, acontece a grande transformação. Eles e elas colocam a prancha debaixo do braço e a postura muda. O olhar muda. O jeito de andar muda. Eles deixam de ser meninos negros e pobres, de um país de terceiro mundo, para serem atletas surfistas, com direito a sonhar com competições e campeonatos disputados principalmente por jovens, brancos e de classes sociais elevadas.

Fiquei admirada de ver a mudança. Todos eles e elas caminharam orgulhosamente até a praia, com a prancha debaixo do braço. Na praia, fizeram exercícios de alongamento e depois correram para a água. Daí por diante não sei mais descrever seus movimentos. Só fiquei admirando. 

Mas sei que vi o suficiente para entender a inclusão social através do esporte.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.



quarta-feira, 21 de setembro de 2022


                                                    PONTA D’OURO - LWANDI SURF


Ponta D’Ouro é nome da cidade de praia, onde fica situado o projeto da escola de surf denominado Lwandi Surf.

A intenção principal do projeto é diminuir as diferenças sociais, por meio da inclusão de jovens adolescentes oriundos de classes sociais vulneráveis, através do aprendizado de surf.  Durante esse aprendizado, os jovens têm oportunidade de serem orientados, de maneira terapêutica, através  de reflexões que os auxiliam a enfrentar situações adversas e a buscar oportunidades às quais antes, eles não teriam acesso. 

Além das aulas de surf, os jovens têm aulas de inglês, meditação, yoga, rodas de conversa, e quaisquer outras atividades afins. Todas essas ações tem o objetivo de capacitar os jovens ao convívio social, preenchendo seus dias e afastando-os das drogas e do álcool. As atividades são desenvolvidas durante o contra turno escolar e  para poder frequentar as aulas de surf e demais programas, o aluno precisa comprovar a frequência às aulas regulamentares, além de mostrar o boletim com boas notas mensais.

As atividades são desenvolvidas num espaço arborizado, em frente à praia.

Eu estou participando das aulas de inglês, nas quais eu os ajudo com os exercícios, quando solicitada. Mas a minha participação mais importante será a leitura e interpretação do texto de meus dois livros infantis. Durante as rodas de conversa, os livros serão lidos e os alunos serão instigados a pensar e tirar suas próprias conclusões a respeito dos textos.

Para mim é um desafio enorme esse tipo de intervenção, uma vez que foge totalmente da minha formação acadêmica. Eu tenho frio na barriga quando penso nisso. Mas por enquanto, estamos ainda preparando a atividade. Depois que acontecer eu escrevo.

Ponta do Ouro fica bem ao sul de Moçambique e é rota de baleias, que vêm ter seus filhotes na frente da praia. Então, s observarmos o mar, podemos ver, com certa frequência, as baleias brincando com seus filhotes, fazendo aquele esguicho. Dá pra ver da varandinha de meu quarto. Pena que não tenho binóculos.

Esta é uma cidade de praia, cuja atividade principal é o turismo. Bem bonita. Frequentada por pessoas dos países fronteiriços, principalmente por africanos do sul. A casa onde estou hospedada fica bem pertinho da praia. Fui caminhar quase todos os dias pela areia fofa.  Mas o oceano Índico é gelado. Só me molhei até a canela. Não me atrevi a entrar.

Venta muito O vento faz barulho, encobre o som das ondas. O barulho é contínuo, como se fosse um rio passando por entre as pedras.


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terça-feira, 20 de setembro de 2022

                                                  

                                                                             ADIS ABEBA E MAPUTO


Estou em Ponta D’Douro, uma cidade de praia, cerca de três horas de Maputo, capital de Moçambique.

Para chegar aqui, eu tomei um avião da Ethiopian Airlines em Guarulhos, desci em Adis Abeba no fim da tarde, pernoitei lá e retomei o voo para Maputo no dia seguinte pela manhã. Então, vou contar minhas impressões de uma noite em Adis Abeba. 

É uma cidade grande, com uma avenida larga e muito iluminada, cheia de trânsito e de gente andando pela rua. As mulheres quase todas de cabeça coberta, com turbantes ou lenços muçulmanos. As poucas mulheres com cabelos descobertos tinham trancinhas tipo rastafari. Negros, muitos negros. Cara séria, Poucos sorrisos. A companhia de aviação providência a hospedagem e o "transfer" para o hotel.

A caminho do hotel, quando saímos da avenida, entramos em ruas estreitíssimas sem asfalto e povoadas de casebres miseráveis, ao lado de construções modernas. Muito esquisito. Meu hotel era uma dessas construções modernas numa rua de casebres. Meu quarto era enorme, com um banheiro igualmente enorme. Pode-se dizer que era luxuoso, com direito a sabonetinho, xampu, condicionador e creminho. No dia seguinte, observei a cidade pela manhã. Muita gente andando. Não se pode dizer que é um povo bonito, nem feliz. Tá certo que vi muito pouco, mas eram sérios e pareciam tristes.

No aeroporto foram eficientes e impacientes. As filas dos prioritários não incluía os idosos. A fila "economic" estava cheia de velhinhos. Tivemos de tirar os casacos, os cintos, os sapatos e colocar tudo em caixas, junto com os eletrônicos e a bagagem de mão, fomos todos apalpados pela polícia, após passar no raio X. Tudo com muita pressa e atendendo ordens gritadas. Um horror. Stress total.

Enfim, chegamos em Maputo. Tudo muito mais simpático. Os funcionários da aduana examinaram meus documentos, perguntaram algumas coisas, mas toda vez que viam que eu sou brasileira, sorriam! Adoro ser brasileira!

                                                                         MAPUTO


Cheguei por volta de meio dia. O Rômulo, um dos sócios do projeto, estava a minha espera, com sua simpática namorada sul africana  chamada Michele. Fomos almoçar e fazer algumas coisas na cidade. Pude ver uma feira, onde, além de frutas e legumes, se vendiam roupas e sapatos que ficavam empilhados no chão. Me explicaram que são vendas de calamidades, ou seja, roupas doadas por ocasião das calamidades e que sobraram. Então, são vendidas nas feiras.

Tudo muito colorido. A cidade é grande e congestionada. Ainda passamos na casa de alguém, para pegar uns pacotes e depois pegamos a estrada. Uma grande estrada com duas pistas bem largas. Asfalto muito bem conservado. Um susto: a mão é do lado esquerdo, como na Inglaterra.

-Por que? Moçambique foi colonizada pelos portugueses, deviam ter mão do lado direito!

-Depois da independência houve um plebiscito e o povo decidiu inverter a mão, por causa das fronteiras com países colonizados pelos ingleses. Este país, tem o turismo como uma das maiores fontes de renda, e essa foi uma maneira de tornar mais fácil a vida dos turistas.

E assim, fomos até entrar num parque. Área preservada. Então aconteceu a coisa mais linda! Vimos uma girafa atravessar a estrada! Bem devagarinho, toda elegante, toda faceira! Paramos o carro pra ela passar. Quando continuamos, Joel, o motorista falou:

-Olha, tem mais uma deste lado! 

Eu olhei e vi mais uma comendo a copa de uma árvore. Depois foi outra e outra, fui contando, perdi a conta na décima,  mas havia ainda várias girafas comendo as copas das árvores e vi dois filhotinhos comendo as folhas de baixo! Lindo! Fiquei tão boba, que me esqueci de tirar fotos!

Assim foi minha chegada a Ponta D'Ouro!

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.