NUVEM NEGRA
Na minha lembrança, os dias eram longos
e iluminados. Tudo era mais claro. A gente acreditava no futuro. E vivia o presente.
Vivíamos intensamente. Acreditávamos que o mundo ia melhorar. Acreditávamos no
amor. E nos amávamos, uns aos outros.
Durante os
dias plantávamos, colhíamos, fabricávamos nossa comida com nossas próprias
mãos. À noite, cantávamos.
Vestíamos roupas
velhas enfeitadas. Recortávamos flores de tecidos estampados e as costurávamos
em jaquetas ou saias. Fazíamos colares e pulseiras de contas.
Éramos todos
companheiros, irmãos, amantes e nos revezávamos nessas funções. Tivemos três
crianças e não sabíamos quem eram os pais.
Essas crianças tiveram muito amor, muita
liberdade, cresceram descalças pisando na terra, no mato...
Eu era
feliz, tão feliz! Éramos todos muito felizes, fortes, indestrutíveis!
Um dia, uma
das crianças adoeceu. Foi preciso hospitalizar. Juntamos todo o nosso dinheiro
para pagar o tratamento. Ela ficou por volta de vinte dias no hospital. A
princípio, nós nos revezávamos para acompanha-la no hospital. Depois, o Walter foi
ficando cada vez mais, até que nos últimos dias, ele ficou sozinho. É natural, ele
acredita que é o pai, pensávamos.
Mas, não.
Ele estava encantado com a médica. Antes, ele era estudante de medicina. Quando
Tininha sarou, Walter nos comunicou:
- Não vou voltar. Vou
ficar trabalhando no hospital.
Foi um
baque. Um soco no estômago. Como? Nossa comunidade tão perfeita? Ia ficar
desfalcada! Sobreviveríamos?
Mas a vida
continuou. As crianças voltaram a brincar e os adultos também, até que o Teco
começou a voltar tarde das vendas. Um dia era a chuva, outro o carro velho que
não pegava, o freguês que chegava tarde com o pagamento, tudo era motivo para o
Teco se atrasar. Às vezes, até dormia na cidade. Um dia ele disse:
- A gente estava muito sem dinheiro, então eu comecei a
fazer bicos no armazém. Agora seu Joaquim vai para Portugal e me chamou para
ficar no lugar dele.
E assim,
mais um se foi. Não voltou mais.
Depois dele,
a Vera resolveu atender aos apelos de seus pais e levou a neta para conhecê-los.
Também não voltou mais.
Então, um
dia eu estava sentada na varanda, olhando as flores do jardim, os campos ao
longe, tudo tão lindo, tão iluminado! Céu bem azul, nuvens bem branquinhas e eu
triste, pensando na nossa família tão reduzida.
- Quanto tempo aquela vida tão plena, tão harmoniosa iria
durar?
Foi nesse
momento, que o céu escureceu prenunciando uma tempestade. As nuvens, tão
branquinhas, se uniram, se avolumaram formando grandes blocos ameaçadores,
quase sólidos. Maus tempos. Nuvem negra.
***
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