A CANÇÃO E O CANTOR
Em 1958, eu tinha
quinze anos. Minha cabeça, cheia de sonhos, tinha na frente um par de olhos
curiosos, um nariz arrebitado, uma boca sorridente e atrás, longos, lisos,
castanhos e esvoaçantes cabelos.
Eu me apaixonava
com muita facilidade. Desapaixonava também. Por um menino bonito que eu via
passar, por um primo distante que só encontrava nos casamentos e enterros da
família, por celebridades em geral.
Dentre as
celebridades, Marlon Brando era o meu maior amor. Meu travesseiro se chamava
Marlon Brando. Eu sonhava muito com ele. Sonhos urbanos. Sonhos iluminados, com
festas maravilhosas, viagens a países exóticos, lugares sofisticados, luxo,
roupas chiques e eventos idem.
Mas ele tinha um rival. Era um cantor
lindão, que fazia muito sucesso na época. Eu também sonhei muito com ele! Sonhos
secretos, envergonhados, porque ele era - se não morreu, ainda é - negro.
Com o principal
rival do Marlon Brando, o sonho mais recorrente, me transportava ao sul dos
Estados Unidos, por volta de 1860, na fazenda Tara, onde ele era escravo e eu
Scarlett O’Hara. Que lindo! Que romântico! Cenários maravilhosos! Fugíamos
juntos, em meio a mirabolantes aventuras durante as quais, nos livrávamos dos
perversos perseguidores e sempre que possível trocávamos beijos apaixonados e
juras de amor eterno.
Esses sonhos de
tirar o fôlego, eram vividos intensamente, sempre ao som de um Long Play, que
quase furou de tocar a mesma faixa. E até hoje, cada vez que escuto essa
canção, me lembro da garota que eu era e da crença que tinha no futuro. Tenho
saudade nem tanto da garota, mas muito da crença no futuro.
Canção: Jamaica Farewell.
Cantor: Harry Belafonte.
Tarefa: crônica contendo lembranças/sentimentos
despertados por uma canção.
Nossos heróis
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