AQUECER A
LAREIRA NUM DIA FRIO DE INVERNO
Agora, estou
aqui, neste estado, toda infectada por esta doença incurável, esperando o meu
fim, sendo lentamente corroída. Lembranças, lembranças são só o que me resta...
revivo os momentos felizes quando eu era bem jovem, no quarto das crianças, o
alegre alarido das risadas durante o dia, Belinha e João pulando nas camas, se
acabando de tanto rir - ai, como minhas
pernas coçam - depois os quartos deles
foram separados, Belinha ficou com o quarto maior e eu fiquei com ela, recordo
seu primeiro namorado, o Serjão, garoto comprido, magrelo, cheio de espinhas,
que pulava a janela para visitar Belinha escondido dos pais dela... ela ainda
com cara de criança, longas tranças, eles trocavam beijinhos inocentes e eu os
observava... - antes, bem antes de sentir essas agulhadas no meu corpo, eu os
achava divertidos... - depois ela foi crescendo, já não tinha mais
tranças e sim um rabo de cavalo, passava horas em frente ao espelho, testando
novas maquiagens, fazendo caras e bocas, tudo ao som dos sucessos do momento...
às vezes ela dançava freneticamente, sempre tão bonita, tão graciosa,- Jesus, e
essa coceira, agora nos braços! – até que, já com os cabelos curtos, ela
apaixonou-se por Roberto que também entrava pela janela, mas seus beijos nada tinham de inocentes, muito pelo
contrário e seus abraços cada vez mais longos e ardentes, acabaram por resultar
numa gravidez indesejada. A barriga de Belinha foi crescendo e sua expressão
foi se entristecendo à medida que as visitas de Roberto iam rareando. Meu Deus,
todo o meu corpo pinica, arde coça, os remédios que me dão não fazem
efeito... – eu me lembro também do dia
em que houve um rebuliço, trocaram todos os móveis de lugar e introduziram um
berço onde Betinho dormia. Esse arranjo durou alguns anos, até que Betinho cresceu
e se transformou num lindo garotinho, bem parecido com a mãe. Vi Belinha se
tornar uma mulher de negócios, bonita e competente, mas triste... até que
apareceu o Bruno. Ele entrava pela porta, tinha o rosto sério e bondoso, brincava
com Betinho e tratava Belinha com muito carinho. Esse foi um tempo bom,
tranquilo – mas foi quando comecei a sentir as primeiras coceiras – eu gostava
de ver os três juntos cantando enquanto Bruno tocava violão! O quarto até se
iluminava! Minhas coceiras foram aumentando e os vários tratamentos que me
receitaram não fizeram o efeito desejado. Um certo dia, começaram a esvaziar os
armários... no dia seguinte levaram o guarda roupa depois a cômoda, as cadeiras
e por fim as camas de Belinha e Betinho. Eu não entendia nada, por que será que
estavam levando tudo? E eu? O Que vai acontecer comigo? Essa aflição não durou
muito. Depois de removidas as camas, Belinha apareceu, olhou o quarto vazio com
um ar tristonho... ela estava se despedindo e eu ainda querendo entender,
quando ela sentou-se em mim mais uma vez, alisou o tecido do meu estofamento já
bem velho e gasto, e prometeu que eu seria reformada e iria morar com ela na
casa nova. Mas isso nunca aconteceu porque quando o lustrador veio me ver,
disse que a minha doença já estava muito avançada e que não era possível a
recuperação... Então, me puseram aqui, neste quarto escuro, onde fico esperando
que venham me buscar para aquecer a lareira num dia frio de inverno.
***
Tarefa: Produzir texto, exprimindo pensamento contínuo, sem
diálogos, sendo que o personagem principal está alterado.
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