segunda-feira, 12 de agosto de 2019




                                 AQUECER A LAREIRA NUM DIA FRIO DE INVERNO

          Agora, estou aqui, neste estado, toda infectada por esta doença incurável, esperando o meu fim, sendo lentamente corroída. Lembranças, lembranças são só o que me resta... revivo os momentos felizes quando eu era bem jovem, no quarto das crianças, o alegre alarido das risadas durante o dia, Belinha e João pulando nas camas, se acabando de tanto rir -  ai, como minhas pernas coçam -  depois os quartos deles foram separados, Belinha ficou com o quarto maior e eu fiquei com ela, recordo seu primeiro namorado, o Serjão, garoto comprido, magrelo, cheio de espinhas, que pulava a janela para visitar Belinha escondido dos pais dela... ela ainda com cara de criança, longas tranças,  eles trocavam beijinhos inocentes e eu os observava... - antes, bem antes de sentir essas agulhadas no meu corpo, eu os achava  divertidos... -  depois ela foi crescendo, já não tinha mais tranças e sim um rabo de cavalo, passava horas em frente ao espelho, testando novas maquiagens, fazendo caras e bocas, tudo ao som dos sucessos do momento... às vezes ela dançava freneticamente, sempre tão bonita, tão graciosa,- Jesus, e essa coceira, agora nos braços! – até que, já com os cabelos curtos, ela apaixonou-se por Roberto que também entrava pela janela, mas seus beijos  nada tinham de inocentes, muito pelo contrário e seus abraços cada vez mais longos e ardentes, acabaram por resultar numa gravidez indesejada. A barriga de Belinha foi crescendo e sua expressão foi se entristecendo à medida que as visitas de Roberto iam rareando. Meu Deus, todo o meu corpo pinica, arde coça, os remédios que me dão não fazem efeito...  – eu me lembro também do dia em que houve um rebuliço, trocaram todos os móveis de lugar e introduziram um berço onde Betinho dormia. Esse arranjo durou alguns anos, até que Betinho cresceu e se transformou num lindo garotinho, bem parecido com a mãe. Vi Belinha se tornar uma mulher de negócios, bonita e competente, mas triste... até que apareceu o Bruno. Ele entrava pela porta, tinha o rosto sério e bondoso, brincava com Betinho e tratava Belinha com muito carinho. Esse foi um tempo bom, tranquilo – mas foi quando comecei a sentir as primeiras coceiras – eu gostava de ver os três juntos cantando enquanto Bruno tocava violão! O quarto até se iluminava! Minhas coceiras foram aumentando e os vários tratamentos que me receitaram não fizeram o efeito desejado. Um certo dia, começaram a esvaziar os armários... no dia seguinte levaram o guarda roupa depois a cômoda, as cadeiras e por fim as camas de Belinha e Betinho. Eu não entendia nada, por que será que estavam levando tudo? E eu? O Que vai acontecer comigo? Essa aflição não durou muito. Depois de removidas as camas, Belinha apareceu, olhou o quarto vazio com um ar tristonho... ela estava se despedindo e eu ainda querendo entender, quando ela sentou-se em mim mais uma vez, alisou o tecido do meu estofamento já bem velho e gasto, e prometeu que eu seria reformada e iria morar com ela na casa nova. Mas isso nunca aconteceu porque quando o lustrador veio me ver, disse que a minha doença já estava muito avançada e que não era possível a recuperação... Então, me puseram aqui, neste quarto escuro, onde fico esperando que venham me buscar para aquecer a lareira num dia frio de inverno.
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Tarefa: Produzir texto, exprimindo pensamento contínuo, sem diálogos, sendo que o personagem principal está alterado.

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