segunda-feira, 12 de agosto de 2019







                                                             O  MONSTRO

                                                          
              Ele entrou no meu quarto. Magro, muito magro. Luminoso, quase transparente. Olhos em chamas. Ou melhor, um olho em chamas e o outro em lágrimas. Acho que tinha chamas nos dois olhos, mas as lágrimas apagaram as do olho esquerdo.
          Tenho medo. Ele tenta me acalmar, emitindo raios azuis com as mãos esquálidas. Os raios são calmantes. Eu sossego um pouco. Só um pouco. Pelo menos, paro de tremer.
          Ele chega mais perto - Ai, meu Deus! - Move suas longas pernas e faz gestos com seus longos braços – Jesus! - Não emite som algum, mas parece estar gritando. Eu permaneço deitada em minha cama, imóvel, inerte, sem saber se estou muito curiosa ou muito apavorada.
           Quero saber quem ele é, ouvir sua voz, perguntar de onde veio e o que quer comigo. Mas as palavras morrem na minha garganta. Não digo nada. Fico só olhando aquele assustador conjunto de ossos luminosos, cobertos por uma carne quase transparente, que vem se aproximando devagar gritando silenciosamente e me olhando com seus olhos de fogo e água.
          Reúno todas as minhas forças. Quem sabe se eu conseguir falar alguma coisa, ele me responde? A curiosidade vence o pavor:
- Quem é você? – voz trêmula, fraquinha, fraquinha, quase inaudível.
- Sou o seu ódio! – voz forte, porém macia. Não está gritando em silêncio, como eu achei que fazia.
- Meu ódio?!?! – espanto - Como?
- Moro dentro de você! – agora, ele grita!
- Não!!!  Eu não quero isso, não tenho nada tão horrível dentro de mim! - Percebo que quem grita em silêncio sou eu.
- Ha, ha, ha – risada medonha – ninguém admite nem gosta de seus próprios ódios! – Seu olho direito cospe chamas.
- Eu não tenho ódios!!! – grito com todas as minhas forças.
- Não? – mais risada - Nem quando seu homem vai beber com os amigos?  E quando alguém te dá uma dica de chá para emagrecer? E quando seu cabeleireiro erra a mão e corta demais o seu cabelo?
- Mas, eu não... –  grito indignada, mesmo sabendo que não sou ouvida.  Continuo gritando. Só interrompo quando percebo que ele está ficando cada vez mais e mais transparente e seu olho esquerdo chora lágrimas ferventes, que evaporam, fazendo uma nuvem negra, tenebrosa. Ele está desaparecendo atrás dessa nuvem.
- Ei! Não vá embora! Me escuta! Eu não... – grito, grito, em silêncio.
          E ele, sempre rindo sua risada cavernosa, fala com sua voz macia:
- E “aquela” mensagem no WhatsApp?
- Ai, que óóóódiooo!!! – grito sem perceber.
- Ha... ha... ha... viu?
          E some. Resta apenas a nuvem negra.
                                                                                  ***
         - Você outra vez? – já falei brava.
- Quase – voz cavernosa.
- Como assim, quase?
- Eu mudei um pouco...
          Observo melhor. Agora que admiti que tenho alguns ódios, não tenho mais tanto medo. Ele não está mais tão magro. Olhando bem, até parece meio gordinho. Nem tão transparente, está mais consistente, mas os olhos... ah... os olhos continuam ameaçadores. Agora trabalham em conjunto. Ora cospem chamas, ora choram lágrimas ferventes.
- Por que você voltou? - atrevo-me a perguntar.
- Eu vi a carta que você recebeu.
- A da Embaixada?
- Essa mesmo. Você não vai abrir? – ele não fala, ele vocifera! Seus. olhos piscam labaredas!
          Reúno minhas forças para responder.
- Tenho que abrir, mas...
- Mas... – ele se aproxima gritando.
           Eu me encolho. Ele arregala os olhos. Posso ver suas lágrimas, antes de ferverem! Tenho medo, pavor, estou paralisada. Ele vai chegando cada vez mais perto...
- Não! – grito e não ouço o meu grito - Não chegue tão perto! Fique longe de mim!
- Sua boba! Eu moro dentro de você, esqueceu? Não chegue perto... ha... ha... ha... Diga logo, vai ou não vai abrir a carta? – Sua voz parece um trovão, uma ventania, uma tempestade!
          E a tempestade se aproxima. Eu aterrorizada segurando a carta com mãos trêmulas... ai meu Deus, tenho que abrir a carta, senão...
          Nesse momento, outro estrondo, um pé de vento! A janela se abre e a carta...
          A carta voa!
          O monstro cospe fogo com os olhos, depois chora vendo a carta ir embora levada pela ventania.  Ele fica ainda mais feio, mais ameaçador, mais tenebroso... e diz, antes de sumir na nuvem negra:
- Agora, eu sou sua curiosidade!
                                                                      ***
          Ele novamente no meu quarto! Quase não o reconheço!
- Você de novo! Nossa, como você está diferente! – meu medo sumiu!
          Fico olhando admirada. Está gordo, não é mais transparente, seus olhos não têm mais fogo nem água, são verdes. Embaçados, aguados, enfumaçados, opacos, que se mostram alternadamente com assustadores buracos negros vazios... Os buracos tem um poder de sucção, eu me seguro para não ser sugada.
          Os olhos me olham durante os momentos em que se mostram... Ele até sorri um pouco... parece estar me convidando, mas se eu me aproximo, os olhos se esvaziam e os buracos negros me chamam... Meu pânico retorna! Estou toda aterrorizada, na defensiva.
- Vá embora, não quero mais você! – falo comum fio de voz – não quero mais você dentro de mim!
- Eu volto para o meu lugar, mas só porque o seu pânico reapareceu. Mas um dia, você vai me aceitar!  Vai perder todo o medo! Nesse dia eu vou embora para sempre.  – Ele está manso, sorridente, gordinho e com olhos inteiramente visíveis.
- O quê?!?!?  O quê é que tem uma coisa de ver com a outra?
          Ele fica todo gordinho, fofo, sorridente, voz macia, simpático. Parece inofensivo, mas meu pânico recomenda permanecer desconfiada. 
 - Agora eu sou o seu tédio!
          E some.
          E eu descubro que esse é o maior dos perigos.
                                                                           ***
          Tarefa 1: Criar e descrever um personagem. Fazer crônica, mini conto ou poema com esse personagem.
Tarefa 2: o personagem recebe uma carta.
Terefa 3: finalizar.

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