domingo, 17 de março de 2019


                                                            NUVEM NEGRA
                                                        
       
          Na minha lembrança, os dias eram longos e iluminados. Tudo era mais claro. A gente acreditava no futuro. E vivia o presente. Vivíamos intensamente. Acreditávamos que o mundo ia melhorar. Acreditávamos no amor. E nos amávamos, uns aos outros.
          Durante os dias plantávamos, colhíamos, fabricávamos nossa comida com nossas próprias mãos. À noite, cantávamos.
          Vestíamos roupas velhas enfeitadas. Recortávamos flores de tecidos estampados e as costurávamos em jaquetas ou saias. Fazíamos colares e pulseiras de contas.
           Éramos todos companheiros, irmãos, amantes e nos revezávamos nessas funções. Tivemos três crianças e não sabíamos quem eram os pais.
           Essas crianças tiveram muito amor, muita liberdade, cresceram descalças pisando na terra, no mato...
           Eu era feliz, tão feliz! Éramos todos muito felizes, fortes, indestrutíveis!
          Um dia, uma das crianças adoeceu. Foi preciso hospitalizar. Juntamos todo o nosso dinheiro para pagar o tratamento. Ela ficou por volta de vinte dias no hospital. A princípio, nós nos revezávamos para acompanha-la no hospital. Depois, o Walter foi ficando cada vez mais, até que nos últimos dias, ele ficou sozinho. É natural, ele acredita que é o pai, pensávamos.
          Mas, não. Ele estava encantado com a médica. Antes, ele era estudante de medicina. Quando Tininha sarou, Walter nos comunicou:
-  Não vou voltar. Vou ficar trabalhando no hospital.
          Foi um baque. Um soco no estômago. Como? Nossa comunidade tão perfeita? Ia ficar desfalcada! Sobreviveríamos?
          Mas a vida continuou. As crianças voltaram a brincar e os adultos também, até que o Teco começou a voltar tarde das vendas. Um dia era a chuva, outro o carro velho que não pegava, o freguês que chegava tarde com o pagamento, tudo era motivo para o Teco se atrasar. Às vezes, até dormia na cidade. Um dia ele disse:
- A gente estava muito sem dinheiro, então eu comecei a fazer bicos no armazém. Agora seu Joaquim vai para Portugal e me chamou para ficar no lugar dele.



          E assim, mais um se foi. Não voltou mais.
          Depois dele, a Vera resolveu atender aos apelos de seus pais e levou a neta para conhecê-los. Também não voltou mais.
          Então, um dia eu estava sentada na varanda, olhando as flores do jardim, os campos ao longe, tudo tão lindo, tão iluminado! Céu bem azul, nuvens bem branquinhas e eu triste, pensando na nossa família tão reduzida.
- Quanto tempo aquela vida tão plena, tão harmoniosa iria durar?
          Foi nesse momento, que o céu escureceu prenunciando uma tempestade. As nuvens, tão branquinhas, se uniram, se avolumaram formando grandes blocos ameaçadores, quase sólidos.  Maus tempos. Nuvem negra.
                                                                            ***

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