terça-feira, 25 de outubro de 2022

 

                                                                

                                                                CONCLUSÕES


O povo de |Moçambique é mais pobre, mais negro mais colorido e mais sorridente. Suponho que seja mais feliz. Ainda conservam vários vestígios da cultura original. 

O povo da África do Sul é mais rico e dividido. Metade são negros e pobres e a outra metade são brancos e ricos. São todos sérios. Raramente sorriem. Parecem mais tristes. Aparentemente, foram completamente ocidentalizados.

Essa opinião se refere apenas às cidades que vi: Maputo e Ponta D'Ouro em Moçambique e Hoedspruit e CapeTown na África do Sul.

Não consegui saber o quê os africanos do sul acham dos colonizadores.

Fui feliz em Moçambique e me senti desconfortável na África do Sul.

Mandela conseguiu acabar com o apartheid oficial, mas ele ainda persiste na vida real. Em Hoedspruit, no sábado pela manhã, com as lojas e restaurantes abertos, a maioria de pessoas no centro turístico era branca, mas à tarde, quando tudo fechou e só alguns restaurantes abriram, cidade estava cheia de negros. Apartheid com horário determinado. E em CapeTown, vários negros me alertaram para não atravessar uma avenida. Por quê?

Tanto em Maputo, como em Hoedspruit e em CapeTown, existem favelas cercadas por muros lindamente grafitados.

Não havia quase igrejas. Em Ponta D'Ouro, vi apenas uma igreja católica. Consegui assistir o fim de uma Missa. A única vez que vi os negros  cantarem, sem rebolar! Em Hoedspruit, vi apenas uma igreja, creio que luterana. Fui ver um culto. Só havia brancos. Em CapeTown, vi um templo, imagino que muçulmano, pelas letras escritas na porta. Não vi nenhum vestígio de locais dedicados ao culto de religiões dos povos originários. 

Em ambos os países, recebi lindos sorrisos cada vez que dizia que sou brasileira.

Finalmente, posso dizer que quanto mais viajo, mais acho que o Brasil é o melhor país. Mais gosto de ser brasileira!

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

                                                                           ***






sexta-feira, 21 de outubro de 2022

 


                                                ALMOÇOS E JANTARES


Um passarinho entrou na sala. Pousou em cima de uma poltrona e ficou quietinho. Em seguida, veio a gatinha da Sara. Estava toda arrepiada e se preparava para dar o bote. Mas eu cheguei antes! Peguei o passarinho, tão pequenininho, senti seu coraçãozinho batendo forte. Ele me bicou, arranhou meu dedo. Eu o levei para a varanda, ele se soltou e voou sem olhar pra trás. A gatinha me olhou feio. Roubei seu almoço. Me vinguei do omelete.

                                                                          ***

Eu me referi várias vezes ao mercado. Não é uma construção, cheia de mercadorias arrumadas em vários balcões. É difícil descrevê-lo, mas eu vou tentar. São três ruas, vielas ou becos, bem estreitas, por onde só passam pedestres. As ruas são inteiramente ocupadas por lojinhas muito pequenas, muito coloridas, completamente abarrotadas com todos os tipos de mercadorias, alguns bares, empórios, salões de beleza, serviços eletrônicos, alfaiates, etc.  Vendem-se roupas, comidas, material de construção, existem até casas de câmbio, onde troquei meus dólares por meticais (moeda local).Tudo junto e misturado. É uma parafernália fenomenal de cheiros, cores, sons, e gente, muita gente. Mulheres vendedoras, vestindo capulanas e com os filhos nas costas... Homens apregoando suas mercadorias, crianças ajudando os pais no comércio... Tudo muito interessante. Na rua lateral ficam os restaurantes, perto de um grande braseiro, situado numa esquina, onde se assam as carnes... não sei como as pessoas não tropeçam no fogo e não se queimam! Na frente, fica uma espécie de feira livre, com frutas, verduras, legumes, ovos e ervas. Eu fui ao mercado todos os dias, para comprar alguma coisa, para comer num dos restaurantes, ou apenas para ver tudo. Adorei ficar passeando pela vielas e apreciando o caos organizado moçambicano.

                                                                        ***

A casa da Sara fica bem pertinho da praia. Fui caminhar quase todos os dias pela areia fofa. E nas partes menos frequentadas, a areia canta, tal qual a de Juqueí. Mas o oceano Índico, enquanto eu estive lá, era gelado. Só molhei até a canela. Não me atrevi a entrar. Venta muito! O vento faz barulho, encobre o barulho das ondas quebrando na praia. O barulho é contínuo, como se fosse um rio passando por entre pedras. Ponta do Ouro fica bem ao sul de Moçambique e é rota de baleias, que vêm ter seus filhotes na frente da praia. Então, se observamos o mar, podemos ver, com certa frequência,  as baleias brincando com seus filhotes, fazendo aquele esguicho. Dava pra ver da minha varandinha. Pena que eu não tinha binóculos.

                                                                        ***

Um dia, Gabriel, Rômulo e eu fomos almoçar num restaurante chamado Safari, que fica no topo de uma pequena elevação, no extremo sul da praia, quase na fronteira com a África do Sul. Foi uma linda caminhada de uns quarenta minutos nas areias da praia, ouvindo o barulho das ondas, quebrando nas pedras... depois um almoço bem gostoso, regado à cerveja local. Nós nos sentamos perto de uma grande janela, de onde ficamos observando as baleias brincando de esguichar água nos filhotes, enquanto o papo corria solto, bem gostoso... Na volta, viemos por uma estradinha bem cheia de árvores e plantas menores, que passa por um bairro distante da praia, onde ficam as casas modestas dos moçambicanos. Foi um dia perfeito! 

                                                                      ***

A Sara tinha convidados quase todos os dias. Era impossível passar por sua varanda, sem que ela me convidasse para um chá, uma cerveja, um petisco... Seus convidados eram sempre interessantes. Lá todos falavam inglês. Um dia, ela me chamou para uma festinha. Um jantar muito gostoso, com muita gente alegre... quase eufóricos. Reparei que vários tinham um objeto parecido com aqueles pimenteiros para pimenta do reino, onde se colocam os grãos, e depois de girar a tampinha, a pimenta vira pó. Pois bem, eles tinham esse moedor. E fabricaram vários cigarros com  as ervinhas moídas. Me ofereceram, eu não aceitei e perguntei se o fumo era permitido. Eles me responderam rindo que em Moçambique não, mas todo mundo tinha... e na casa da Sara era permitido.  Daí a pouco, a Sara veio com um saquinho cheio de cogumelos secos e me ofereceu um. Eu disse que não conhecia, nunca tinha experimentado, que no Brasil não tinha. Ela respondeu:

- This is imported from Brazil!

Fiquei toda sem jeito e acabei aceitando um pedacinho, bem pequeno. E, enfrentei os olhares atentos de todos, durante o jantar... Mas não aconteceu nada comigo. Só senti muito sono. Dei uma de cachorro magro. Acabei de jantar e fui dormir. Tive belos sonhos, dos quais não me lembro. Só me lembro de que acordei muito bem.

                                                                     ***

Um dia, depois de um jantar na casa da Sara, um dos convidados, um jovem bonito, de uns vinte e poucos anos, depois de algumas cervejas e de alguns cigarros feitos com o conteúdo dos potinhos moedores, começou a conversar comigo. Ele é africano do sul e conhecia Florianópolis, porque já tinha ido surfar lá. E continuou falando. Eu pedi pra ele falar devagar, umas três vezes. Não adiantou. Eu desisti. E ele falava, falava, eu entendia uns fiapos de pensamentos, ele estava falando sobre o mundo atual, sobre a solidão das pessoas... acho que era isso, e eu não sabia o que responder, só ficava olhando pra ele e pensando, um moço tão bonito, tão triste... e eu pensava o que posso dizer? Não entendo nada desse papo... a outra convidada foi embora e eu querendo ir embora também, mas o moço não parava de falar, e eu sem saber o que dizer... que situação! Então eu disse:

- Sometimes, life is very difficult, isn!t it?

Pra quê? Foi pior! Aí ele começou a falar da infância, dos pais... e eu fiquei mais aflita ainda, mais sem respostas pra ele... Mas a Sara, percebeu minha aflição e começou a tirar a mesa, os pratos talheres, e eu me ofereci para ajudar. Limpamos a mesa, enquanto o moço tomava mais uma cerveja. ao final, eu me despedi. Não sei como a Sara fez para dar boa noite para o rapaz. Ele estava hospedado lá mesmo, no quarto em baixo do meu. No dia seguinte, logo que acordei, senti o cheiro do cigarro do rapaz. Ele começou cedo. Muito triste.

                                                                   ***

Na última noite que passei lá, a mãe de uma das meninas do surf ofereceu um jantar na casa dela. Presentes, a mãe, o pai, duas irmãs, um irmão maior e outro de três aninhos, lindinho, bem pretinho, carequinha, a gente só via o branco dos olhos e o grande sorriso malandro! Seu nome é John Lennon! Mais uma tia e um bebê, filho da tia! Família completa! Família linda! Alegres, falantes, calorosos. Prepararam uma comida típica que é uma espécie de purê de mandioca, com molho de tomate, frango assado e uma carne moída cosida com gengibre, tomate e  (uau!) bastante pimenta. Eu repeti tudo, menos a carne com pimenta. Antes de servir a janta, a tia trouxe uma pequena bacia, uma jarra com água e uma toalha, para que nós  lavássemos as mãos. É o costume local, uma vez que todos comem as carnes com as mãos. Adorei conhecer a família! A casa pequena, com uma varanda onde foi posta a mesa. Tudo muito simples, mas tão rico, tão cheio de amor! 

                                                                   ***

Finalmente, chegou o dia de ir embora. O último almoço com Gabriel e Rômulo. Eles me deram uma mini pranchinha de surf, com meu nome gravado, que agora está orgulhosamente enfeitando minha estante de livros e lembranças. Que bom ter amigos do outro lado do mundo! Depois do almoço, Joel (o motorista) chegou para me levar até Maputo. Pegamos dois rapazes que também iam pra lá, para participar de um campeonato de surf. Antes de pegar a estrada,  Joel parou numa tenda que vende produtos para turistas e comprou um lindo chapéu de abas largas... e me deu! Fiquei emocionada, quase não tive contato com ele...  mas ele disse que foi muito bom ter tido a oportunidade de falar sobre a história de seu país. Muito bom mesmo fazer amigos do outro lado do mundo!

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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

 


                                                       MOMENTOS DAKTARI



 Hora da janta. As meninas africanas ficam em uma mesa separada. Pedem algo. A diretora diz: 

- Peçam por favor! -  elas pedem por favor. A diretora atende o pedido e fala:

- Agora digam obrigado! - elas dizem. São obedientes, mas eu olho bem para suas caras sérias e desconfiadas. Falam com os olhos. Eu acho que dizem:

- Vocês brancos, vieram aqui, destruíram nossa cultura e agora querem nos impor a cultura de vocês!

                                                                            ***

Fui ao Safari do resort Makalali. Vi uma família de rinocerontes. Pai, mãe e o filhote. O filhote se assusta com o carro, que chegou bem perto deles... e começa a chorar! O choro parece de uma criança! A mãe esfrega sua cabeça na cabeça do filhote... não dá pra dizer que fofura... porque eles podem ser tudo, menos fofos... mas foi uma bela demonstração do carinho materno.

                                                                              ***

Estamos na lua quarto crescente. No Brasil ela tem a forma de um C. Em Moçambique, tinha a forma de um D, sem o tracinho vertical. Aqui, na África do Sul, parece um U invertido. Parece que está de ponta cabeça... Muito interessante, as posições da lua.

                                                                                ***

Uma das meninas puxa conversa comigo:

Ela - Você acredita em Deus?

Eu - Sim, acredito.

Ela - Ás vezes parece que eu não existo!

Eu - Por que?

Ela - Você viu como aquela nova voluntária nos cumprimentou?

Eu - Vi.- foi um cumprimento bem comum, fruto de boa educação. Ela quase nem olhou para mim nem para as meninas.

Ela - Você gosta de conhecer novas pessoas?

Eu - Gosto. 

Ela - Ás vezes eu gosto, às vezes não gosto. - ela continua me analisando - Às vezes eu sinto que pessoas brancas discriminam... Você acha que todos são iguais?

Eu  - Acho.

Ela - Brancos e negros?

Eu - Sim! Brancos, negros, amarelos, vermelhos...

Ela - Quem são os vermelhos?

Eu - Os índios.

Ela - Ah é! Os índios.

Eu - São todos iguais, você não acha?

Ela - Acho. Mas, alguns brancos não acham.

Eu - É... muito triste, isso.

Ela - Muito triste.

A menina negra, sul africana, com 14 anos de idade, e eu tivemos essa conversa, com muita dificuldade, porque foi tudo em inglês e eu tive que pescar palavras no meu pequeno vocabulário, para dar mais fluidez a esse assunto tão difícil... mas em síntese, foi isso. Quando foi embora, a menina me deu um abraço bem apertado! Amei.

                                                                       ***

No caminho para a minha cabana, tem um burrico todo branco. Parece triste. O funcionário que estava me levando ara a cabana disse:

 - He is blind!

- Is he albino?

- He is blind!

- But, is he albino?

- He is blind!

Tá certo. Ele é cego. Não vou encompridar a conversa. Mais tarde, o Google me disse que existem muitos burricos albinos e mostrou fotos de vários. Igualzinho àquele. Tadinho. 

                                                                          ***

O carro do safari para num ponto especial, para a gente apreciar o por do sol. Eu pergunto onde é o banheiro, me dirijo a uma pequena cabana coberta de sapé (ou algo parecido sapé) e tento abrir a porta. Giro a maçaneta, aperto, movo pra cima, pra baixo e... nada. A porta não abre. Mas tenho certeza de que está vago, porque a mulher que estava lá tinha acabado de sair... Eu ouço a guia do safari dizendo: do outro lado, do outro lado! Eu procuro o outro lado da porta e não vejo nada. Até que a guia veio até a porta, morrendo de rir e empurrou a porta. Eu estava puxando.

                                                                         ***

As cores daqui são todas terrosas. Com exceção dos amarelos brilhantes e vermelhos cor de fogo das auroras e dos crepúsculos, que são portentosos, todos os bichos, aves, construções e vegetação, tem cores que variam entre beje, marrom, marrom esverdeado, cinza e negro. Vi uma manada de búfalos, todos negros. lindos, bem perto da minha cabana. Galinhas d'Angola, bem escuras. As diversas variedades de roedores... sempre variando entre o branco sujo, cinza, marrom e preto. Rinocerontes, elefantes e zebras também. Dentre os bichos, única exceção são as girafas que tem manchas em tons de amarelo. Sinto falta das cores vivas das capulanas moçambicanas.


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terça-feira, 18 de outubro de 2022

         

                                                           

                                                  OPINIÕES DOS MOÇAMBICANOS


JOEL - Tem uma barraca no mercado e é o motorista do projeto. Perguntei o que os moçambicanos acham dos portugueses. Ele disse que gostavam… eu não senti firmeza na resposta…fui modificando a pergunta, até acreditar na resposta:

- Eles mandavam em tudo até 1975, quando ficamos independentes. Aí, muitos foram embora para Portugal. Os que ficaram espalharam intrigas. Chegou um momento que todo o país estava dividido: a favor e contra os portugueses! A divisão foi tamanha, que deu origem a uma guerra civil que durou muitos anos. Foi horrível, ver meus compatriotas, meus irmãos se agredindo… eu vi famílias inteiras, cidades inteiras fugindo como galinhas… crianças chorando porque não sabiam onde encontrar os pais e os pais chorando porque não sabiam onde encontrar os filhos! Tudo muito, muito triste… até que todos perceberam que irmãos não podiam lutar contra irmãos e fizeram um acordo de paz. Aí, a vida melhorou. Agora, a vida está boa. Conseguimos manter relações amigáveis com os portugueses que ficaram aqui, e até acontecem alguns casamentos, afinal eles fazem parte de nossa história. Mas eles são racistas.

VITÓRIA- Diarista na casa da Sara e mãe de uma das meninas do surf. Fiz a mesma pergunta. O que você acha dos portugueses? 

- São bons … eu não senti firmeza, mas ela não precisou de novas perguntas, foi logo dizendo… bons, mas algumas vezes eles não gostam da cor da nossa pele...

-São racistas? 

- Sim. São racistas.

MARINA - brasileira, residente há anos em Maputo, onde dormi uma noite, antes do voo para Joanesburgo. Ela é terapeuta ocupacional, professora na universidade e namora um moçambicano, artista gráfico. Ela disse:

- Portugueses são racistas O povo daqui conviveu muito tempo com eles na época da colônia e isso gerou alguns laços afetivos, mas os moçambicanos acham que eles são racistas. E depois da independência, veio a guerra. A guerra foi muito triste, muito traumática, deixou grandes feridas, marcou muito. Mas agora, depois de algum tempo, o povo vive melhor. Moçambicanos são muito acolhedores e gostam muito de brasileiros.

GIL - motorista de tuktuk que me levou para o aeroporto de Maputo. Nem precisei perguntar muito, foi logo falando:

- Eles são racistas. Se acham porque são brancos. Ainda temos muitas relações  comerciais com eles e algumas relações afetivas. Atualmente, até acontecem alguns casamentos... mas eles são racistas.

SARA - inglesa, a dona da casa onde fiquei, mora há mais de vinte anos em Ponta  D'Ouro:

- Foram muitos anos de convívio. Os portugueses fazem parte da história deste povo. Tinham muitas relações afetivas... mas a guerra fez muito mal a todos. Atualmente, vivem em paz. mas acho que existe um certo ressentimento em relação aos portugueses.

VISÃO GERAL - Em Ponta D'Ouro, vi muitas casas grandes bonitas, hotéis e restaurantes chiques, frequentados por brancos, loiros falando inglês. Com exceção dos que trabalham no mercado e vendem artesanato,  não vi nenhum negro nesses lugares, mas me disseram que há alguns, na maioria políticos. O presidente da república e alguns ministros têm casa em Ponta D’Ouro. 

E os moçambicanos negros que falam português e chananga, moram em casas bem modestas, Num bairro que fica longe da praia. Têm barracas no mercado e são os serviçais nas casa dos brancos, nos restaurantes e hotéis.

Chananga é o dialeto falado pelos moçambicanos, derivado do zulu. Tanto os moçambicanos, como os africanos do sul faziam parte dos povos originários, os zulus.

CONCLUSÃO - minha:

- Qual é o motivo, a ideologia, a religião, a seita, a política, ou... seja lá o que for... que autoriza o povo branco de um país, ou continente a invadir outras terras, outros continentes, dominar seus povos e exportá-los para servir de mão de obra escrava? 

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quinta-feira, 13 de outubro de 2022


                                                                       CAPETOWN


Bonita. Bem bonita. Parece o Rio de Janeiro. Mar, cidade, floresta e montanhas. Mas faltam o Cristo e o Pão de Açúcar. Limpa, organizada, trânsito que flui, muito policiada. Nisto, é bem diferente do Rio. Arquitetura antiga, de origem britânica ou holandesa. Arquitetura moderna engolindo a antiga. Mão do lado esquerdo. Tem poucas faixas de pedestres. Para mim, atravessar a rua em cruzamentos de várias avenidas, foi uma aventura, porque não sabia nunca de que lado vinham os carros. 

O povo que eu vi varrendo as ruas e atendendo nas lojas e restaurantes é predominantemente negro e me pareceu sério, às vezes triste. Falam dialetos variados entre eles, variantes de zulu e falam inglês oficialmente, com um sotaque tão carregado, que não dá pra entender. Depois de algumas tentativas, eu desisti de perguntar as coisas, porque sabia que não ia entender as respostas.

O povo que vi nos restaurantes e loja chiques é branco, loiro, alto, de olhos azuis desbotados e tem aquele ar de importância… se acham. Alguns jovens são bem altos, sarados, corpo malhado, tatuados, um pouco assustadores. Brucutus. As mulheres, quando envelhecem ficam muito peitudas, com os quadris mais estreitos e cara bem enrugada. Feias. As mocinhas são bonitas, altas e atléticas.

Pelo que vi, o país é rico e próspero. Capetown deve ser perigosa para turistas, pois existem muitos policiais nas ruas. Eles me alertaram para não abrir a bolsa, não mostrar o meu dinheiro e nem o meu celular. Eu obedeci. O apartheid foi oficialmente extinto mas na prática, permanece funcionando. Os negros são muito negros e os brancos muito brancos. Não há mulatos. 

Ontem, eu estava caminhando numa  direção e vieram pelo menos uns três ou quatro negros me dizer:  Don’t go that side, mam! - Eu custei a entender o que diziam, até que veio uma mocinha e disse a mesma coisa, de maneira mais clara. Aí eu entendi e voltei no ato. Não fui mais naquela direção. Andei bem depressa na direção oposta. Tive medo. Por que será que eu não podia ir pra lá? Não tive coragem de perguntar.

Sinto falta da alegria dos moçambicanos. Bem mais pobres, desorganizados, caóticos, mas com lindos sorrisos. Dentes todos muito brancos! Já os sul-africanos não tem dentes tão bonitos. Nem sorriem tanto.

Tanto na África do Sul, como em Moçambique o povo originário era em sua maioria Zulu. Aí, vieram os portugueses para Moçambique e os ingleses e holandeses para a África do Sul. O povo negro foi expulso de suas terras, escravizado e exportado para servir de mão de obra nas Américas. Tudo em nome da “civilização”! Que horror! 

Do ponto de vista da “civilização”, a África do Sul foi muito melhor sucedida. É muito mais rica e organizada, tem ares de primeiro mundo. Mas as negras daqui não se vestem com as capulanas, não carregam coisas na cabeça e nem os filhos nas costas. Os moçambicanos são mais pobres, mas ainda tem preservadas muitas características da sua cultura original. Creio que por isso são muito mais alegres e de certa forma, muito mais ricos.

Vi muitos mendigos negros revirando latas de lixo ou andando pelas ruas com um cobertor nas costas. Igual no Brasil. Só que no Brasil, a mendicância é multirracial, democrática, temos negros mulatos, índios, brancos, gente de outros países… aqui, só os negros são mendigos. Acho que não podem ficar parados, porque ficam todos andando e abordando os turistas dizendo que estão com fome, mostram cartazes nos cruzamentos. Tão triste quanto no Brasil.

Aqui, as roupas coloridas  estão nas feiras e nas lojas de turistas e em Moçambique, estão no corpo das mulheres!

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                                                   JOANESBURGO E HOEDSPRUIT

Quando saí de Maputo, tomei um avião para Joannesburgo, de onde iria para Hoedspruit, uma cidadezinha que fica a duas horas de carro do projeto Daktari. 

Joanesburgo é uma grande cidade. Eu não conheci. Apenas passei por ela. O aeroporto se chama Tambo Airport, em homenagem a Tambo, o primeiro advogado negro da África do Sul. Era amigo de Mandela. Logo que saímos do avião, nos deparamos com uma bela estátua dele, que parece saudar os recém chegados. Como cheguei num dia e ia partir no outro, fui direto para o hotel, de onde não saí. Fiquei escrevendo, contando minhas aventuras em Moçambique. Tirei fotos do jardim do hotel. Estava bem florido E foi só.

                                                                             ***

Hoedspruit me pareceu um entroncamento de estradas. Por isso se tornou um centro turístico, com lojinhas e restaurantes. O motorista do Daktari me levou para lá, ao término da minha estadia no projeto. Eu cheguei num sábado e o motorista me levou até o hotel. Eu me acomodei no hotel, e fui para o centrinho. Surpresa! A casa de câmbio não tinha dinheiro! Como assim, a casa de câmbio de um centro turístico não tem dinheiro?

Entrei numa das lojinhas e testei meu cartão do BB. Funcionou! Ainda bem. Fiz algumas comprinhas e voltei para o hotel. Descansei, tomei banho e me dirigi novamente ao centro comercial. Susto! Tudo fechado! Como pode uma cidade turística fechar completamente num sábado à tarde? Parecia uma cidade fantasma. Só dois restaurantes abertos. Entrei num deles e pedi um frango “take away” e uma cerveja. Demorou um montão. Quando a comida ficou pronta, já estava escuro. Eu queria voltar para o hotel.

Mas...quem disse que eu achei o caminho? Ai Jesus! Perdidaça nesta cidade fantasma! Meu Anjo da Guarda, me acuda! Não quero ter que dormir na rua... Andei, andei, mas sem saber que direção tomar… eu me perdia cada vez mais. Então, entrei no outro restaurante que estava aberto.  Uma mocinha simpática veio me atender. Expliquei que estava perdida. Ela deu risada de mim, telefonou para alguém e disse que ia levar uma “old lady” para o hotel.

Old lady, eu? Posso ser uma coroa, uma velhinha, uma velhota assanhada… mas old lady? Que chique!

 A mocinha simpática consultou o celular e, após apenas cinco minutos de caminhada, chegamos na rua Girafa, onde era o meu hotel! Agradeci muito, e enquanto ela dizia "you are wellcome" eu disse que ia rezar por ela… lembrei da minha mãe que sempre dizia isso. Achei que era uma fala adequada para "old lady". Enfim, foi essa a minha aventura do dia.

O Mandela deve se revirar no túmulo. Pela manhã quando o comércio estava aberto, havia muitos africanos do sul, nos restaurantes, nas lojas, todos loiros, altos de olhos azuis. Depois que tudo fechou, à tarde, quando eu voltei para passear, a cidade estava cheia de negros também africanos do sul. A segregação não é oficial, mas persiste.  Neste caso, com hora marcada. Que pena!

Domingo, na cidade fantasma. Tudo fechado. Que coisa! No meu hotel também a recepção estava fechada. Ai Jesus, preciso de "transfer" amanhã para o aeroporto! Como conseguir isso? Fui para o centro turístico novamente, na esperança de encontrar alguma coisa ou alguém que pudesse me informar… e nada. Voltei para o hotel, dei uma volta completa no prédio da recepção e achei uma porta aberta. Bati na porta e veio uma senhora. Expliquei que precisava de "transfer" para o aeroporto no dia seguinte e ela disse que me levaria, para eu não me preocupar. Bastava eu chegar de mala e cuia, às dez horas da manhã que ela me levaria. 

No dia seguinte, às dez horas, eu estava lá de mala e cuia, mas não tinha ninguém! Ai Jesus! E agora? Procurei novamente uma porta aberta, bati palmas e apareceu um rapaz, que telefonou para a senhora Joan. Depois de alguns minutos ao telefone, ele me informou que ela viria logo. Sentei no degrau da escada e esperei uma eternidade… até ela chegar. Enfim, a Sra. Joan chegou às onze horas, cheia de explicações, que eu não entendi e nem me preocupei em responder. Eu estava mesmo muito aflita.  Coloquei minhas coisas no carro e ela saiu desabalada até o aeroporto. Deu tempo pra tudo. Mas foi um stress atrás do outro.

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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

   

                                                         PESSOAS DO DAKTARI


Michelle - A diretora. Quando cheguei, assim que ela me viu, disse:

- Oh! We have an other sexy Brazilian woman!

- Me? Sexy? No! I am not sexy!

- But you are Brazilian!

Fiquei desconsertada… ela acha que todas as brasileiras são sexy? Não me lembro como a conversa se estendeu, acho que ela fez alguma comparação comigo e disse “ Look at me!” - eu olhei e vi uma mulher de meia idade, gorda e flácida. Nada sexy. Decididamente, foi um mau começo. Depois, percebi que todos os funcionários, a olhavam com um certo respeito temeroso.

Lilly, alemã, dezoito anos, Lou, francesa, vinte anos e Fred, holandês, dezenove anos. Todos terminaram o ensino médio e estão voluntariando por um tempo, enquanto resolvem qual profissão querem seguir e qual faculdade querem fazer. Trabalhei com eles a maior parte do tempo. Preparava e dava a comida para os animais, toda manhã e toda tarde. Participei das aulas com as crianças, de uma dança de roda e de algumas caminhadas. Foram legais comigo. A minha participação nas aulas foi bem pequena, mas tive tempo de desenhar o rosto de cada menina e dar de presente pra elas. Foi legal.

Bastian, francês, resolveu estudar relações internacionais em João Pessoa no Brasil! Que coisa! Chegou à conclusão de que os brasileiros sabem muito bem se relacionar com todo o mundo! Por causa disso, fala bem português. É super bem humorado, brincalhão e divertido. Funcionário, espécie de faz tudo.

Karine, africana do sul, funcionária da limpeza. Eu conversava com ela diariamente, quando ela ia limpar a minha cabana. Pasmem! Ela estudou biologia e meio ambiente, na universidade em Joanesburgo. Mas só conseguiu emprego de faxineira… Conversamos sobre muitos assuntos e ela ficou triste quando se despediu de mim. Disse que eu tinha “a very good hart”.

Pretty funcionária administrativa. Encarregada do contato com a empresa captadora de voluntários no Brasil. Me arranjou uma lanterna portátil, um ventilador e me ajudou a reservar um hotel em Hoedspruit. Eu disse que ela era meu “black guardian angel” e ela ficou toda feliz. No dia de sua folga, ela se arrumou toda e colocou cílios postiços.

Os demais voluntários, na maioria franceses. Não tive muito contato com eles. Talvez, por falarem sempre muito depressa… talvez por uma certa arrogância mesmo. Afinal, fiquei apenas uma semana nesse projeto.

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domingo, 9 de outubro de 2022

 

                                                                OS ELEFANTES


Estou num safari. Já vi várias girafas e três zebras. O carro prossegue andando devagar sacolejando muito na trilha no meio da savana, desviando dos galhos secos das árvores. Muito sol, muito calor. Estou de chapéu e óculos escuros. Pareço uma turista. Pescoço doendo de tanto tentar girar por todos os lados. Não quero perder nada. De repente, o carro para. O que será?

 Um dos guias aposta para um local e vemos as árvore se mexerem. Prestamos bem atenção e vemos dois elefantes por entre as árvores. Suas enormes orelhas balançam as trombas se enroscam e eles vão pra frente e para trás com as trombas enrascadas. Uau! Que coisa! O que estão fazendo?

O rapaz que fica sentado num banquinho em frente do carro informa:

- It’s a fight!

Todos no carro se excitam. Estamos vendo uma briga de elefantes! E não são efeitos especiais de um filme! É real! E está acontecendo na nossa frente! Pena que estão no meio das árvores… não dá pra ver todo o corpo dos elefantes… mas vemos suas grandes orelhas abrindo e fechando e quase dá pra sentir a enorme força que estão fazendo! 

Às vezes, eles se afastam. Ficam parados, um em frente ao outro, se encarando, medindo suas forças. Só as orelhas abanam. Dentro do carro, um silêncio total. Todos impressionados com a cena. Então, os elefantes correm e se chocam! Uma espetacular cabeçada! E recomeçam a luta. Trombas enroscadas… eu fico imaginado a força que fazem… A guia explica:

- São dois elefantes jovens. Um deles, o que tem a pele um pouco mais escura é o líder do grupo. E o outro quer ser o líder. As lutas entre elefantes são sempre assim. Lutas pela liderança.

Fiquei achando que ela conhecia o grupo, para saber quem é o líder e quem estava disputando a liderança. O carro ficou parado nesse lugar, por um tempo e depois partimos em busca de ver mais animais. A luta continuou. Mais adiante, vimos muitos elefantes andando pacificamente. Será esse o grupo cuja liderança está sendo disputada?

 O carro segue até um local de onde pudemos ver um magnífico por do sol.

Na volta, passamos pelo local da luta e vimos um elefante caído no meio das árvores… triste, muito triste! Era o elefante mais claro. A guia informou que aquele era o pretendente à líder. Não venceu a luta. Está morto. Eu ainda pergunto: Será que não está apenas machucado? A guia responde que a luta só acaba quando um dos elefantes morre. Todos fizeram vários Ah….Oh… em várias línguas… o carro ficou ali parado por mais um tempo, mas já estava quase escuro, então prosseguimos no caminho de volta. Muito triste.

                                                                                  ***

Na hora da janta, depois que eu contei sobre a luta e a morte do elefante, a diretora começou a falar com as pessoas sentadas perto dela, como se eu não estivesse presente!

- Ela não deve ter entendido a fala da guia!  - eu respondi:

- Entendi sim! - mas ela continuou:

- Talvez a guia tenha dito outra coisa e ele entendeu mal.

- Eu entendi muito bem e ainda perguntei, se o elefante estava mesmo morto, ela disse que sim - e continuei - talvez, ele estivesse apenas machucado, e não morto, mas ele estava lá estendido no meio das árvores. Todos os que estavam no carro ouviram a fala da guia e viram o elefante caído.

Não gostei do jeito da diretora. Ela falou de mim, na minha frente, como se eu não existisse, e mesmo depois que eu respondi diretamente para ela, ela continuou agindo como se eu não existisse! Foi um climão! Senti os olhares constrangidos de todos… creio que não pelas coisas que foram ditas, mas pela maneira como foram ditas.

Acho que falar de uma pessoa na frente dela, como se ela não estivesse ali, é uma forma de discriminação.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

 

                                                                      DAKTARI II


Estou no meio da savana africana que ora se parece com o cerrado brasileiro, ora com a caatinga. O sol é quente, o ar é seco. Nesta região específica onde fica o projeto Daktari, as árvores são quase todas secas, sem nenhuma folha. Parece a caatinga. Mas se observamos bem, vemos brotinhos de folhas bem pequenininhos. Quando chover,  as folhas vão crescer, a paisagem vai mudar. Igualzinho à caatinga, que quando chove fica toda verdinha e florida.

O projeto Daktari cuida de animais órfãos, acidentados, ou doentes. Trata de todos eles e quando estão recuperados são  devolvidos para a natureza. São periodicamente orientados por uma veterinária. Também promove a inclusão social de crianças africanas, trazendo-as para passar uma semana aqui, convivendo com os animais e tendo aulas sobre ecologia, meio ambiente e lições sobre convivência social, além do trabalho com os bichos. Conta com o apoio da Fundação Brigitte Bardot.

Para a realização de seus objetivos, o Daktari está muito bem instalado num enorme terreno todo cercado, no qual ficam uma grande varanda onde são servidas as refeições e é o ponto de reunião dos voluntários, funcionários e  administradores. Em volta dessa varanda, ficam outras construções, alojamentos de funcionários, varanda para as aulas, cozinha dos animais e várias cabanas para os voluntários. Um pouco mais afastadas estão grandes gaiolas para abrigar os animais. Perto da minha cabana, fica um cemitério para os animais que não se restabelecem.

A minha cabana fica próxima da cerca eletrificada que protege o terreno. Isso significa que os animais selvagens chegam aqui perto. Todas as noites eu ouço o rugido dos leões. É impressionante!

Minhas funções são: ajudar um grupo de voluntários (Lilly, Lou e Fred) a preparar e dar comida aos animais, pela manhã e à tarde, participar das aulas com as crianças, levar os cachorros para passear. Tudo fácil e prazeroso.

Mas, tem muitos franceses, e europeus em geral. Eles conversam sempre entre eles. Quando se dirigem a pessoas de outras nacionalidades, falam inglês tão depressa,  que eu não entendo nada. Talvez, parece... não sei… arrogância? Pode ser engano meu, mas nunca me senti muito confortável na hora das refeições ou reuniões gerais… não gostei.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

       

                                                         INCLUSÃO SOCIAL


Estive pensando… na ilha caribenha de St. Vincent, onde voluntariei por mais de seis meses, quase não havia brancos, não notei nenhuma grande diferença entre ricos e pobres, não vi mendigos, nem descendentes de ingleses colonizadores. Pensando bem, não havia exclusão social. Quase toda a população tem onde morar, tem trabalho suficiente para se sustentar, as crianças vão à escola, o sistema de saúde é precário, mas atende a todos… segundo minhas observações, não há socialmente excluídos. Talvez seja por isso que a Richmond Vale Academy, onde estudei e prestei serviços, não tem inclusão social entre suas matérias curriculares.

Já em Moçambique e aqui, na África do Sul, vejo brancos ricos e negros subalternos. Alguns (poucos) mendigos,  desempregados, crianças soltas pelas ruas. Os negros precisam realmente de programas e projetos de inclusão social. Fica explicada a presença e a ênfase dada à essa matéria nos dois projetos que estou conhecendo agora. Durante a minha permanência aqui no Daktari, temos quatro meninas que vão ficar por uma semana. Vieram de uma escola das redondezas. Tem por volta de doze ou treze anos.

Feita essa observação, noto muitas semelhanças entre o Daktari e a Richmond Vale Academy: ambos são administrados por um casal. Lá de dinamarqueses e cá, de franceses. Aqui, contam com  o apoio da Fundação Brigitte Bardot e lá de um setor da ONU. Ambos, com regras rígidas. Todos os minutos do dia são ocupados. Todas as noites, após a janta, se prepara a "skedule" do dia seguinte. A língua comum é o inglês, mas como aqui tem muitos franceses, se fala o francês também.. Falam muito depressa para a minha pobre capacidade de entendimento. Então, eu não entendo quase nada, apenas uns fiapos de coisas… Mas sempre procuro saber com certeza onde, quando e como devo me apresentar para a próxima tarefa. Aí, na hora da tarefa, eu peço pra falarem devagar, para que eu entenda o que devo fazer. Dá certo. Deu certo no Caribe e aqui também.

Mas, tanto lá como aqui, eu discordo da abordagem, da forma como as coisas são colocadas. Acho os europeus arrogantes e exultei quando, as meninas ao executarem a tarefa de desenhar em uma folha A4, o passado, o presente e o futuro, todas desenharam uma universidade nas etapas do futuro. Uma queria ser bióloga, outra, professora e as outras duas ainda não sabiam, qual o curso, mas queriam ir para a universidade. Nenhuma quis as profissões em que poderiam ganhar gorjetas.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

       

                                                                          

                                                                          DAKTARI I


Estou no meio da savana africana que ora se parece com o cerrado brasileiro, ora com a caatinga. O sol é quente, o ar é seco. Nesta região específica onde fica o projeto Daktari, as árvores são quase todas secas, sem nenhuma folha. Parece a caatinga. Mas se observamos bem, vemos brotinhos de folhas bem pequenininhos. Quando chover,  as folhas vão crescer, a paisagem vai mudar. Igualzinho à caatinga, que quando chove fica toda verdinha e florida.

O projeto Daktari cuida de animais órfãos, acidentados, ou doentes. Trata de todos eles e quando estão recuperados são  devolvidos para a natureza. São periodicamente orientados por uma veterinária. Também promove a inclusão social de crianças africanas, trazendo-as para passar uma semana aqui, convivendo com os animais e tendo aulas sobre ecologia, meio ambiente e lições sobre convivência social, além do trabalho com os bichos. Conta com o apoio da Fundação Brigitte Bardot.

Para a realização de seus objetivos, o Daktari está muito bem instalado num enorme terreno todo cercado, no qual ficam uma grande varanda onde são servidas as refeições e é o ponto de reunião dos voluntários, funcionários e  administradores. Em volta dessa varanda, ficam outras construções, alojamentos de funcionários, varanda para as aulas, cozinha dos animais e várias cabanas para os voluntários. Um pouco mais afastadas estão grandes gaiolas para abrigar os animais. Perto da minha cabana, fica um cemitério para os animais que não se restabelecem.

A minha cabana fica próxima da cerca eletrificada que protege o terreno. Isso significa que os animais selvagens chegam aqui perto. Todas as noites eu ouço o rugido dos leões. É impressionante!

Minhas funções são: ajudar um grupo de voluntários (Lilly, Lou e Fred) a preparar e dar comida aos animais, pela manhã e à tarde, participar das aulas com as crianças, levar os cachorros para passear. Tudo fácil e prazeroso.

Mas, tem muitos franceses, e europeus em geral. Eles conversam sempre entre eles. Quando se dirigem a pessoas de outras nacionalidades, falam inglês tão depressa, que eu não entendo nada. Talvez, parece... não sei… arrogância? Pode ser engano meu, mas nunca me senti muito confortável na hora das refeições ou reuniões gerais… não gostei.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.


            

                                                      RÔMULO, GABRIEL E SARA


RÔMULO  e GABRIEL -  brasileiros, fundadores do projeto Luwandi Surf, tiveram a capacidade de reconhecer o potencial do esporte como instrumento de inclusão social, em Moçambique. Jovens, cheios de energia, brincalhões, se dedicam ao trabalho com tanto empenho, com tanta alegria, que o trabalho acaba parecendo uma grande brincadeira. Mas essa brincadeira já foi capaz de formar atletas aptos a participar de competições e principalmente capaz de modificar a vida de adolescentes, melhorando sua auto estima e possibilitando novas oportunidades de vida e de ascensão social. É um belo projeto, fruto de muito trabalho e dedicação.

Eu fui muitíssimo bem acolhida por ambos Eles me deram todo o apoio e todo carinho tão importantes para esta velhinha que se atreveu a prestar serviços num país distante… e meus serviços foram prejudicados por dois dias de chuva (as aulas são ao ar livre), um feriado nacional, e a gravação de um programa para a TV local, que pertence ao grupo da brasileira TV Record. Mas mesmo assim, consegui participar das aulas de inglês e orientar uma sessão de meditação. Mas o mais importante foi ter a oportunidade de ler meus livros com as crianças e discutir o conteúdo com eles. Foi muito bom!

Almoçamos e jantamos juntos muitas vezes e sempre rolaram grandes papos regados à excelente cerveja local. Uma vez, Gabriel e eu matamos uma garrafa inteira de vinho sul africano! E quero agradecer a ambos, pela competência em em fazer funcionar este Blog, apesar das deficiências de sinal do "wi-fi", e especialmente ao Gabriel pela paciência em suportar a minha burrice “on line”. 

Dentro de mim, nasceu uma cômica velhinha surfista, de tranças rastafari nos cabelos. Rômulo e Gabriel estão no coração dessa velhinha!

SARA - Inglesa, mora em Ponta D’Ouro há mais de vinte anos. Tem uma filha adolescente e administra uma loja de artigos para turistas. Recebe hóspedes na edícula no fundo do seu quintal. Fala por todas as juntas, cuida da casa, dos hóspedes, da loja e da filha que tem necessidades especiais, sempre bem humorada, falando e sorrindo muito. Sua casa é uma festa constante. Cheia de amigos, comidas e cervejas. Jantei com ela várias vezes tomei muita cerveja e ri muito! Grande figura! Grande aventura a carona de quadriciclo, debaixo de chuva!  Inesquecível! Também vai morar para sempre no coração da velhinha surfista de trancinhas.

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

domingo, 2 de outubro de 2022

 

                                                                  HISTÓRIA (continuação)


GIL - Motorista do tuktuk que me levou até o aeroporto de Maputo. Eles são racistas, se acham melhores porque são brancos. Nós ainda temos muitas relações comerciais com eles e algumas relações afetivas. Afinal, é a nossa história… Atualmente, as coisas estão mudando e até acontecem alguns casamentos entre portugueses e moçambicanos. Mas eles são racistas.

VISÃO GERAL - Em Ponta do Ouro, vi muitas casas grandes bonitas, hotéis e restaurantes chiques, frequentados por brancos, loiros falando inglês. Não vi nenhum negro nesses lugares, mas me disseram que há alguns, na maioria políticos. O presidente da república e alguns ministros tem casa em Ponta D’Ouro. 

E os moçambicanos negros que falam português e chananga, moram em casas bem modestas, longe da praia.Têm barracas no mercado e são os serviçais nas casa dos brancos, nos restaurante e hotéis.

Concluindo, deixo aqui uma questão: Por qual motivo, os europeus, brancos, se acharam no direito de ocupar outras terras e colonizar outros povos?