quinta-feira, 12 de setembro de 2019





                                                     PEREGRINOS II
           Às oito horas da noite, chega um peregrino falando espanhol, dizendo que está sem dinheiro e que pode pagar dando dois pimentões que recebeu no caminho, ou tocando violáo, ou cozinhando ou afiando as facas. Dou risada com as propostas de pagamento, e respondo que o albergue é gratuito, aceitamos donativos dos que podem e querem pagar. Ele começa a contar a história da vida dele, e disse que nasceu no Brasil! - Pôxa, podemos falar português! - Mas ele é hiperativo, fala sem parar, contou que queria ser padre, mas depois descobriu que não tinha vocação, então veio para a Europa estudar teologia na Alemanha! Sua família é do Rio Grande do Sul e... uma enxurrada de palavras...  Ah, disse que se chama Tiago e por isso está fazendo o caminho! Eu mostrei o salão com colchonetes, os banheiros e o tanque para lavar as roupas. Depois da janta, ele lavou todos os pratos e afiou as facas. Meu companheiro implicou com ele:
- Peregrinos não chegam às oito horas! - Mas implicou porque é brasileiro, fala muito e fala muito alto. Disse que ele não tem educação. Como se os italianos não falassem, e não falassem alto!
              Antes de ir embora, ele me entrevistou, disse que é para um trabalho da faculdade. Eu disse que gosto de receber peregrinos. Mas não disse nada sobre o meu companheiro e nem sobre o padre.
Os pimentões ficaram na cozinha.
                                                                 ...
              Duas peregrinas americanas. É fácil falar com elas. Eu aprendi inglês na União Cultural Brasil Estados Unidos. Eu as entendo e elas me entendem. Meu companheiro as atende. As duas se sentam nas cadeiras que ficam na frente da escrivaninha. Elas aparentam por volta de sessenta anos. Quando se levantam eu vi que uma das cadeiras está bem molhada. Acho que ela não percebeu. Passei um pano úmido com desinfetante.
                                                                      ...
               Temos um negão imenso, com dois metros e dois centímetros, da Costa do Marfim hospedado nos quartos especiais. Ele veio pra cá para dar aulas de francês e fazer doutorado em Ética. Conversamos um pouco. Ele falando francês e um poquito de espanhol e eu falando portunhol e un pétit peu de français. Papo difícil, mas interessante.
                                                                     ...
               Americanos não dizem que são americanos. Dizem eu sou do Texas, eu sou da Geórgia, eu sou de Chicago... Eu pergunto o motivo e eles não sabem responder. Aliás, nem tinham notado isso.
                                                                      ...
                 A campainha toca. Uma moça simpática!
- Do you want to stay here?
- Yes! Jo puedo hablar español!
- De onde eres?
-Argentina. E usted?
- Brasil.
- Entonces somos hermanas! Sorriso aberto, muito legal. Eu retribuo.
- Sim! Somos hermanas!
                           
                   Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                      Eulina

quarta-feira, 11 de setembro de 2019





                                               MACHISMO

           Eu não sou feminista, mas acho que devo me colocar contra certo tipo de macho que não presta atenção na maneira como tratam as mulheres.
           Tem gente que se acha. Por um motivo ou outro se colocam na posição de chefe e começam a dar ordens, tratando os outros como seres inferiores. Os outros, no caso, são mulheres.
           Quando estão na frente de seus superiores, ou de alguém a quem querem impressionar, tratam as mulheres muito bem, são simpáticos, educados, sorridentes. Hipócritas. Mas quando estão sem platéia, mostram as garras. Começam a dar ordens. E muitas vezes, ordens contraditórias, impossíveis de serem cumpridas.
            Quando o trabalho dá certo, recebem os elogios e quando ocorre alguma falha, não hesitam em culpar aqueles que considera inferiores. Jamais admitem seus erros e sempre que conseguem, dão a entender que os acertos são de sua exclusiva responsabilidade. As coisas dão certo unicamente porque eles fazem dar certo.
              E sempre que dois desses machistas se encontram, por mais que as mulheres tentem, elas não serão ouvidas. E se acaso forem, suas palavras não serão levadas em consideração, suas boas idéias recusadas, suas reivindicações minimizadas. Mais tarde, essas ideias são postas em prática, com outro nome, com outro jeito. Trocam o seis por meia dúzia e recebem os elogios pelos acertos.
               Mas o pior é que eles nem se dão conta disso! Vai ver, até são sinceros com seus belos discursos sobre colaboração e solidariedade...
               É isso aí.

                Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                   Eulina
           

terça-feira, 10 de setembro de 2019


                                                         


                                                                       PEREGRINOS


             Jovenzinha de olhos puxados.
- Where are you from?
- Taiwan - abro o passaporte, debaixo do nome, está escrito República da
China. Eu mostro pra ela. Ela fica muito brava, me mostra a capa. TAIWAN assim, em letras grandes!
                                                                           ...
              Russas demoram um tempão no Google Translator. A frase é:
- Onde podemos lavar nuestros pecados?
               Tenho um ataque de riso. Elas me olham atônitas, recomeçam a digitar furiosamente e me mostram a frase de novo:
- Onde podemos lavar nuestra roupa?
                Eu tento explicar porque tanta graça, mas não consigo. Elas me olham com olhos azuis arregalados. Desisto. Mostro-lhes o salão com os colchonetes.
- Spasibo, spasibo, spasibo! - agradecem, euforicamente! Eu fico rindo. Elas não têm mochilas, carregam tudo em sacolas, estão vestidas com as estampas mais variadas e coloridas, que eu já vi, em tons elétricos de limão, laranja e cenoura. E discutem entre si, parece que brigam... Muito engraçadas!
                                                                   ...
           Alemã tem coceiras. O meu colega examina. São picadas de chinches. Um inseto parecido com uma pulga que se picar muito, dá febre. As instruções são: lavar todas as roupas da mochila, na máquina a 90 graus, impregnar a mochila com inseticida e colocar dentro de um saco de lixo, por pelo menos 12 horas. A alemã não entende muito. Olha espantada:
- Por que não vou dormir na cama? - em inglês, alemão e espanhol, mistura tudo e fica mais espantada ainda quando a colocamos num quarto especial, perto da lavanderia e começamos esvaziar sua mochila. Eu expliquei  muitas vezes em inglês, espanhol e mímica, até que ela entendeu. Quando entendeu começou a chorar... Ai Jesus, o que eu faço? E na mesma linguagem, ela diz:
- Passei o  ano todo juntando dinheiro e comprando essas coisas especiais para a caminhada, agora vai estragar tudo! E ela chorava em alemão...
- No llores... Las cosas no arruinarán ... Don't cry... Tomorrow you are going to walk again...
            Só que não. Ela ainda está aqui e suas coisas ainda estão molhadas. Choveu o dia todo. Mas enfim ela entendeu que não ia estragar nada, recuperou o bom humor e limpou os banheiros pra mim.
                                                                                ...
              Três irmãs polonesas lindinhas de 15, 16 e 17 anos. E um pai todo orgulhoso. Elas resolveram arrumar a cozinha depois da janta. Não deixaram ninguém entrar. Lavaram tudo enquanto cantavam canções que eu imagino serem folclore polonês. Um barato. Deu pra entender o orgulho do pai. Legal a família caminhar junto!
                                                                              ...
                Um casal de franceses no pátio. Ele corta as unhas dos pés dela, faz massagens, trata das bolhas. A certa altur discutem. Ele aponta para um líquido e ela para um creme. Falam, falam e a campainha toca, eu tenho que atender. Quando volto, ela está com ambos os pés cheios de esparadrapos. Achei que devem ter usado o líquido. Se usassem o creme, o esparadrapo não ia grudar.
Agora é ela que está tratando dos pés dele. Bonito ver o casal um tratando do outro! Eles se amam e se cuidam!
                                                                                   ...
               Esse é o melhor de todos os trabalhos. Acolher gente. Cada vez que a campainha toca, é uma nova surpresa, um outro país, outra língua, outras histórias... eu adoro.


             Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                eu



domingo, 8 de setembro de 2019

Tutti frutti






                                                                         ALBERGUE

          Este albergue fica na casa paroquial, que é um predinho de cinco andares anexo à igreja de Santiago. A igreja foi construída na idade média justamente para ser abrigo de peregrinos. Mas eu acho que a casa paroquial foi feita depois. São cinco andares com elevador só para quem mora ou trabalha aqui.
          No térreo temos a recepção, o dormitório com dezoito beliches, os banheiros e um grande pátio. Essa é a minha área de limpeza. No primeiro andar, ficam a cozinha, sala de refeições, sala comunitária , salão dormitório para  uns trinta colchonetes  e banheiros. Essa é a área do meu companheiro. No segundo andar, moram algumas carolas. Não há atividade do albergue nesse andar. No terceiro, ficam a casa do padre, e acomodações  para hóspedes seminaristas ou especiais. Tem também a lavanderia. E no quarto, há um casal de carolas, um pequeno almoxarifado onde fica o estoque de comidas  e, por último, um terraço bem ensolarado onde penduramos todas as roupas de cama para secar.
          O problema maior é que a cozinha fica no primeiro andar. Se estamos preparando a comida, temos que descer sempre que toca a campainha. É impossível ficar na cozinha e atender à porta. Então, dividimos assim. Meu companheiro fica com a cozinha e eu com a recepção.  Eu gosto. Cada vez que a campainha toca é uma nova cara, uma nova língua, um novo país, uma nova maneira de caminhar, um novo jeito de perguntar as coisas... Muito legal! É incrível como nesse primeiro momento temos tantas informações! Adoro isso.
             Este albergue tem uma programação: às 19:30 missa e benção dos peregrinos, depois da missa, temos a janta comunitária, com direito  (ou a obrigação) de cantar uma musiquinha chata. O padre serve pessoalmente os peregrinos e dá meio copo de vinho para cada um.  Depois, vamos todos à igreja para uma oração em comum. É reza demais para o meu gosto. Só aí, é que carimbamos a credencial. Eu
          Tenho que assistir tudo isso todos os dias, um saco! Mas para os peregrinos, é uma vez só. E é legal de participar. O cardápio é: macarrão, salada e melancia. No dia seguinte é salada, macarrão e yugurte. No próximo, macarrão, salada e melancia. No seguinte, macarrão, salada e yugurte... e assim se passou uma semana e vai se passar a próxima. Ai... eu quero bife!

           Você já pode dizer eu li na tela da
                                                            Eulina




quinta-feira, 5 de setembro de 2019




                                                 RETOMANDO


          Cá estou, depois de dois dias sem internet é um dia com este IPad travado. Descobri que só posso publicar textos curtos. Passando de um determinado tamanho que eu ainda não sei qual é, trava tudo.  Então vamos resumir.

            No primeiro dia, chegou uma senhora, aparentando em torno de cinquenta anos. Ela mancava, gemia, estava toda suada e descomposta. - Estás sola? - perguntei.
- Si, si, si, estoy sola! Estoy toda sola! Nunca estuve tan sola en mi vida!
- Por favor, entre, saca los sapatos e la mochila!
            Chorou para tirar as botas. É comum, quando se tem bolhas. Mas ela não tinha. Veio mancando e gemendo até a recepção. Peço sua identidade e mordo a língua para não rir. Ela se chama Maria Dolores Piedad! Ela deu trabalho. Queria fumar no quarto e tinha uma garrafa com bebida que tomou toda no pátio. No dia seguinte, reclamou dos peregrinos que acordaram cedo. E reclamou mais ainda quando teve que levantar-se e ir embora às oito horas.
           Muitos coreanos com nomes impronunciáveis. Todos simpáticos, eles não falam eles cochicham. Por que será? Ontem chegou um que se chamava Oh eu quase fiz um ponto de exclamação depois do seu nome! Hoje veio uma menina Oh.

          Depois de dois dias sem internet e de um dia com o IPad travado, eu recomeço a contar minhas descobertas.  A ultima postagem, foi pro espaço. Eu a perdi em alguma núvem.

           Muitos italianos. Falantes, espaçosos, engraçados, gosto deles. Bagunceiros, fazem palhaçadas o tempo todo. Eles gostam dos brasileiros também.
- Per que a fato questo?  -

Colocou a credencial no bolso de trás e ela estava toda amassada.
- Perque sono italiano! - Sorriso aberto! Gesticulando muito, encantador!
             Duas russas super simpáticas e sorridentes. Loiríssimas. Não falam inglês, nem espanhol... Nem nada! A comunicação foi feita através do Google tradutor falado! E elas estão viajando assim!
Rimos muito das dificuldades. Mímica realmente é a língua universal. Quando a mímica falha, só o Google na causa.
             Temos alemães, poloneses, croatas, ingleses, franceses, ucranianos... É bem legal observar

como se comportam, como se vestem, como andam, como c
onversam entre si. Adoro essa mistura de gente. Pena que ficam aqui só uma noite e vão embora no dia seguinte. Mas no dia seguinte sempre tem outra leva de gente.
             Temos macarrão e salada todos os dias. Juro que quando sair daqui vou ficar pelo menos quinze dias sem comer macarrão. Quando dividimos as tarefas, eu fiquei com a limpeza e a recepção e o italiano meu companheiro ficou com a cozinha. É bom porque eu não sei preparar comida pra tanta gente.
           
             Às sete e meia temos Missa todos os dias. E todos os dias antes da Missa vem uma carola recrutar peregrinos para fazer orações nas suas línguas de origem durante a Missa. Ela está agora no dormitório fazendo isso.
              O Ipad já está dando sinais de que não quer mais trabalhar.


               Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                  Eulina





   

domingo, 1 de setembro de 2019



                                           LOGROÑO


           É uma linda cidade, bem parecida com Pamplona. Tem os mesmos horários malucos. Os cafés
funcionam das 7 às 9:30/10h, depois fecham e abrem somentedepois da 14h. Os restaurante abrem às 14h e não sei que horas fecham. Acho que ficam à noite toda abertos, pois todos se queixam do barulho que fazem os bêbados durante a noite. O comércio abre Às 10 e fecha às 20. Tudo isso que eu disse não é uma regra absoluta. Existem muitas exceções, de tal modo que toda vez que queremos alguma coisa, está "cerrado" e quando não precisamos de algo, está "abierto".
           As ruas estreitas são calçadas com paralelepípedos em forma de cubo. Predinhos de no máximo, sete andares, todos lindinhos. Grandes avenidas asfaltadas, com muito pouco trânsito. Tudo bem silencioso, arborizado, cheio de praças. Vou a muitas Igrejas, quase sempre vazias. Mesmo durante as missas, há bem pouca gente. Descubro onde veio parar o ouro dos incas, maias e astecas. Muito ouro, poucos fiéis. Os padres parecem tristes e as carolas também. Aliás, as carolas são todas muito velhinhas, acho que estão em extinção. Já entre os padres, existem alguns jovens.
            Eu gosto de ver como os espanhóis ocupam as ruas! Depois das seis horas, parece uma festa! As famílias saem para passear e para se encontrar. Pelo que observei, eles se encontram de manhã, nos cafés e de noite nas ruas e praças.  E durante a noite, pelas madrugadas, as ruas são ocupDas por grupos de jovens e pelos borrachos. Mas os moradores são os donos da cidade! Todos os dias todas as ruas são laçadas e o lixo é recolhido, dos containers. Não se vê lixo empilhado. Gostaria que os moradores das cidades brasileiras fossem os donos das ruas e praças também.
            Ontem foi sábado, teve um casamento na Igreja. Foi na hora em que havia muitos peregrinos chegando, então não pude assistir, mas a festa foi na rua e eu vi parte. Tinha um grupo de dança, todos fantasiados, que fizeram uma dança cheia de ritmo. Teve tiros de papel picado e nuvens de fumaça colorida. Os noivos, receberam os cumprimentos dos convidados, vestidos com roupas de festa, e depois chegou um fusca branco conversível, todo enfeitado. Os noivos posaram para várias fotos ao lado do fusca. Tive que entrar, nessa hora, mas estava adorando ver a festa. Acho que os noivos foram embora no fusca.
             Ontem, meu primeiro dia, com a chave da porta de entrada, recebi o primeiro casal do dia, vejam! Brasileiros de Campo Grande, terra da família de minha mãe, onde fui passar todas as minhas férias escolares. Foi ótimo explicar tudo em português e sentir que estava acolhendo alguém da minha terra!

               Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                       Eulina