sexta-feira, 6 de dezembro de 2019






                     

                                                  OS ÚLTIMOS 100 KILÔMETROS


          Para ganhar a Compostelana (diploma de peregrino do Caminho de Santiago) é preciso percorrer a pé, a cavalo ou de bicicleta os últimos cem kilômetros. E a cidade de Sarria, que fica a aproximadamente cem km, é  a confluência de quase todos os caminhos que vão a Santiago, partindo de diversos pontos da Espanha. Então, a partir daí o caminho se torna muito mais movimentado. Muitos peregrinos que vieram de muitos caminhos se encontram.  E além disso há muitos peregrinos que só vão fazer cem kilômetros mesmo. Os novos albergues e os antigos também, estão sempre lotados. É preciso reservar com antecedência.

          Atualmente existem ônibus que despejam hordas de "turisgrinos" no caminho. É possível reconhecê-los pelas roupas limpinhas e pela mochila pequena, as grandes ficam nos ônibus. Nem todos usam botas, andam de tênis ou até de "Kroc". Quando chegam em algum restaurante, sempre tem uma mesa grande reservada. São olhados com um certo desprezo pelos peregrinos caminhantes. Encontrei vários grupos desses. Muitos coreanos, espanhóis e alguns franceses. Esses grupos não se misturam. Não interagem, ficam só entre êles. Andam parte de ônibus e parte a pé os cem kilômetros e, quando chegam a Santiago, ganham a Compostelana.

            Felizmente, a maioria dos peregrinos caminhantes oriundos do caminho francês tradicional ou de outros pela Espanha é sempre aberta a novos e internacionais relacionamentos. A língua mais falada é o inglês, mas o Google Translator funciona muito. E mímica também. Mímica é o que mais funciona. Conseguimos dar e obter informações de todos os tipos e para peregrinos de todas as nacionalidades, falando uma mistureba de línguas e mímicas. Enfim, vale tudo. Tudo e todos juntos e misturados. É a maior lição que o caminho nos dá. Afinal, apesar de diferentes, somos todos iguais. Essa é a grande contribuição do caminho para a paz mundial.

           Os últimos trechos são superpovoados. Não temos mais a sensação de isolamento, paz e tranquilidade que tínhamos anteriormente. Ás vezes, em trilhas estreitas, formam-se filas de peregrinos. Eu não gosto muito, mas não tem jeito. É assim e pronto. Mas mesmo assim, prevalecem a alegria e a ansiedade de chegar!

           Percebemos também que quanto mais perto de Santiago, mais a população das cidades fica mal humorada com peregrinos. Devem estar de saco cheio. Eu me lembro, em 2001, todos estavam muito agradacidos ao Paulo Coelho que havia praticamente redescoberto o caminho em seu livro "O Diario de um Mago" dando, à época, um grande impulso à economia do turismo na Espanha. Éramos sempre muito bem recebidos. Agora, essa fase acabou e eles estão "de saco na lua" com essa multidão de peregrinos.

          Tem gente que fica triste quando o caminho está acabando. Habituam-se com a rotina de andar. comer dormir e andar de novo. Fizeram amigos, que sentem ter de deixar. Gostaram do silêncio dos campos, montanhas e florestas. Meditaram, energizaram, rezaram, exercitaram a solidão e o auto conhecimento, tudo conforme suas crenças... abandonaram algumas crenças e adquiriram novas. Enfim, se tornaram outras pessoas... sentem saudade do caminho, antecipadamente. Esses começam a andar mais devagar, querem demorar a chegar.

          Outros estão ansiosos por retomar suas vidas normais, reencontrar a familia, amigos, trabalho... Estão cheios de histórias e aventuras para contar. Querem o conforto de suas casas, suas camas, suas rotinas diárias...   é a maioria. Esses passam a andar mais depressa, querem chegar logo. Minhas amigas e eu pertencemos à essa categoria.

          Em comum, todos estão felizes e bem humorados. E além de terem exercitado suas paciências e capacidade de resiliência, setem o orgulho de um dever cumprido, uma etapa vencida.

                                                                            ***

           Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                           Eulina



         

         

 

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