sexta-feira, 7 de julho de 2023

A VIAGEM O pai reuniu a família: - Vamos para a fazenda, nas férias. - Pai, posso levar um amigo? - Pode. Mais alguém quer levar um amigo ou amiga? - Eu quero levar minha colega da escola! - E você, não quer levar ninguém? – o pai pergunta para a filha menor. - Não, pai. A mãe da minha amiga disse que ela era muito pequena para ir tão longe... – vozinha triste. A mãe, preocupada, como sempre: - Então tratem de avisar os amigos e preparar tudo. Arrumem as malas e não levem muita roupa, porque a fazenda não é lugar para desfile de moda. E eu, na qualidade de agregada importante, já começo a me preparar para a longa viagem. Daí a uma semana, tudo pronto. Todos nós acordamos às quatro horas da madrugada. Os amigos tinham dormido na nossa casa e já estavam também de bagagem pronta. A mãe cuidou dos lanches, e a filha menor teve o direito de levar sua boneca, já que não levaria amigos. Eu, preocupada com tanta gente, tantas malas, bolsas, sacolas, pacotes etc., fico pensando: “Será que isso vai dar certo?” Saímos com o sol raiando. Todos ainda meio sonolentos, seguimos em silêncio. A viagem seria longa, grande parte em estrada de terra. Mas, apesar do silêncio, estamos todos animados. Logo, os jovens acabam de acordar e começam a cantar: “Alecrim, alecrim dourado, Que nasceu no campo, Sem ser semeado...” E todas as vozes esganiçam e desafinam em conjunto, sob os olhares e sorrisos condescendentes e quase orgulhosos dos pais. Na verdade, eu também gosto da cantoria... Fomos indo muito bem, até que... Uma subida! Não conseguimos. Tentamos novamente, nos esforçamos muito..., mas não deu. Então, os jovens descem e começam a subir a pé. Passa um caminhão. - Pra onde vocês vão? - Pra Mato Grosso! - A pé?!?! É muito longe! Subam na carroceria, que eu levo vocês até o fim das subidas. São duas subidas bem grandes, vocês vão se cansar muito! - Que bom, moço! E os jovens sobem no caminhão, enquanto nós seguimos, agora mais leves, ouvindo o ronco aliviado do motor. No topo da segunda subida, os jovens descem do caminhão e depois de agradecerem muito, sentam-se na beira da estrada, à espera dos mais velhos. Não demorou quase nada e todos se reúnem novamente. Esse sobe e desce do carro, acontece em várias subidas, ao longo do caminho. Ainda bem que são todos bem humorados. Agora, eles atacam de Doris Day: “Que será, será Whatever will be, will be The future is not ours, to see, Que será, será...” E assim continuamos, em meio a muitas cantorias, até a primeira parada num posto de gasolina. O pai pede água para o frentista, que traz um balde. Em seguida, derrama um poco de água numa latinha, sob o olhar intrigado do rapaz. - É que eu gosto de pescar, preciso de minhocas. As minhocas mato-grossenses são muito magrinhas. Eu estou levando minhocas paulistas bem gordas, nesta latinha. O frentista olha com cara de “tem louco pra tudo”, enquanto todos nós rimos muito da situação. Essa cena, com poucas variações se repete ao longo do caminho, todas as vezes em que paramos para encher o tanque. Muito engraçado. Enfim, chegamos à beira do portentoso rio Paraná. A ponte ainda está em construção. A travessia é feita de balsa. Longas filas para a balsa. Jamantas, caminhões, ônibus, todo o tipo de veículos de carga, até tratores, mas poucos carros. Eu fui encarregada de guardar o lugar. E, de acordo com o tamanho da fila, será preciso pernoitar numa pousada. A mãe, sempre preocupada: - Peguem só o necessário para dormir, não precisam levar outra roupa. Amanhã, vistam essa roupa mesmo. Não quero que vocês remexam todas as malas! Senão, vão acabar perdendo suas coisas no meio da bagunça! Em vão. Todos remexeram tudo. Ficou tudo uma zona. Mas muito divertido. Enquanto isso eu, parada na fila, aproveito o silêncio. Depois de tanta cantoria, e de tanta algazarra, essa calma era bem-vinda. Aproveito para descansar, renovar minhas forças. Dia seguinte, atravessamos o grande rio. Que lindo! Ficamos todos quietos. Até os jovens ficam em silêncio, de olhos arregalados, diante do espetáculo da natureza. Chegando à outra margem, estamos em Mato Grosso. Sentimos um cheiro ruim. O que será? Procuramos fora do carro. Olhamos todas as solas dos sapatos, olhamos as sacolas de comidas para ver se havia alguma estragada... até que achamos a latinha! As pobres minhocas morreram assadas, cosidas ou afogadas! Todo mundo dando risada e o pai desconsolado. Tinha que se conformar com as magrinhas minhocas mato-grossenses. Retomamos a estrada. O repertório da cantoria muda. “La vai uma chalana, Bem longe se vai...” Mudam as canções, mas a desafinação continua a mesma. E quanto mais desafinam, os jovens mais se divertem. Pensando bem nós, os mais velhos também nos divertimos. Eles jogam “stop”. - Nome próprio com a letra “i”! - Indalécio! - Não vale, esse nome não existe! - Existe sim, é o capataz do meu tio! - E com a letra “p”! - Pancrácio! - Vixe! Que nome feio! - Letra “m”! - Essa letra não vale! Tem muito nome! Agora, estamos na última etapa. Estrada de terra muito vermelha. Poeirão. Buraqueira. Vamos todos chacoalhando. Várias paradas para fazer pipi, tomar um lanchinho, ou mesmo descansar um pouquinho. Em São Paulo, sempre há um boteco, um bar de beira de estrada, uma pousada, mas aqui... é tudo no mato, mesmo. E o mato é mesmo grosso. A algazarra prossegue. Os jovens contam suas histórias, contam vantagens, às vezes brigam, - Chega pra lá! Você está usando quase o banco inteiro! - Eu não vou mais brincar de “stop”! Vocês nunca aceitam as minhas palavras! - Vamos mudar de músicas! Eu não aguento mais essas! Os pais intervêm, apartam as brigas, pedem silêncio. Em vão. Estamos quase chegando. A gritaria aumenta. Agora, todos participam. Gritam os nomes dos tios e demais moradores da fazenda, em meio às estridentes buzinadas. *** O amigo da filha mais velha desce para abrir a porteira. Os moradores da fazenda já estão na frente da casa para nos dar as boas-vindas. Estacionamos embaixo de uma grande mangueira, onde já está estacionado um outro carro. Todos descem, cambaleando, sacudindo o corpo cansado da viagem. Eu cumprimento o amigo: - Olá Sr. Fusca, como vai? - Eu vou muito bem, dona Kombi. A senhora foi bem de viagem? - Estou cansada, mas fui muito bem, apesar da confusão, da superlotação, da gritaria, das subidas, das minhocas, da fila da balsa, e dos buracos na estrada, eu sobrevivi. Daqui a pouco, sei que vão me dar um bom banho e eu estarei em grande forma novamente! - Nossa! Parece que foi uma grande aventura! - Foi mesmo! Mas eu sou amiga da família há muito tempo e eles sempre me tratam muito bem. Além disso, são muito divertidos. Depois do banho, o resto do dia foi dedicado a contar as peripécias da viagem para o Sr. Fusca. Ele riu muito. *** Pseudônimo: Maria Martins Oi! Agora deu? Este texto é uma crônica. Se não deu, tente o Dia Mais Feliz. Obrigada Mami

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