quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

DERRETENDO GELOS

                                                                                                                       21/03/15

          Estou no avião, a caminho da ilha de São Vicente.
       
          Céu incrivelmente azul em cima e cheio de nuvenzinhas de algodão em baixo. A temperatura dentro do avião é agradável, mas a minha barriga está gelada. Parte do gelo derreteu quando consegui finalmente embarcar, meu assento é na janela, não fica em cima da asa e do meu lado não tem ninguem, que ótimo! Mas quando penso nas próximas etapas desta longa viagem, a barriga gela de novo.

          O frio na barriga foi crescendo durante os inúmeros preparativos e providências que tive de tomar para me ausentar durante seis meses e morar numa ilha, no meio do mato. Chegou ao auge, quando fechei a mala e minha filha Susi chegou para me levar ao aeroporto. E foi com a barriga gelada que enfrentei o check in, depois tomamos um bom café da manhã, conversando e eu ouvi as últimas de suas muitas recomendações.

           Despedida muito, muito triste, coração apertado, barriga gelada, lá fui eu para as várias filas. Passaporte, cartão de embarque, tira sapato, portão de raio X,  vistoria na mochila, calça sapato, pronto. Tudo OK. Carimbo. Derreteu um gelo. Faltam vários.

           Chegou o almoço: um micro pedaço de filé de frango, bem duro e sem gosto, duas rodelas de abrobrinha, duas rodelas de cenoura e uma lasca de uma coisa verde indecifrável. Arroz mal cosido. Arg! Só não é pior, poque a bandejinha é bem pequenininha... ainda bem que a Susi me preparou um lanchinho. Vou chegar em Barbados às 15 horas e o voo para St. Vincent vai sair só às 20,30. O lanchinho será devorado nesse período.

                                                  Barbados

          Aeroporto confuso. A gente chega num prédio, enfrenta a burocracia da imigração, pega a bagagem e sai na rua. A partida é em outro prédio, depois de uma pequena praça. Vou empurrando o meu malão pesadíssimo.

     Guichê do check in. Neguinha arrogante. Fala tudo bem depressa. Peço pra ela falar mais devagar, ela me olha penalizada e repete tudo do mesmo jeito. Eu continuo não entendendo nada, ela vai repetindo e eu sigo não entendendo. Até que resolvo mostrar minhas coisas. Além do passaporte, a carta da RVA (Richmond Vale Academy), dizendo que sou aluna e vou ficar seis meses, mais atestado de vacina, passagem de volta e...enfim, a pasta com toda a burocracia da viagem. Ela pega a carta, o passaporte e some. Daí a pouco, volta com outra que me olha, não diz nada, fala alguma coisa com a primeira e carimba! Me dá o visto provisório para conexão e o cartão de embarque. Alivio. Mas a neguinha não desiste. Pede pra eu colocar o malão na balança.

 -  Very heavy! -  ela diz.  Fica teclando furiosamente no computador, fala, fala, eu não entendo, mas acho que é excesso de bagagem. aí, ela diz que eu tenho que pagar U$88,00! Pôxa, que absurdo! Dava pra eu esvasiar a mala e comprar tudo lá!

          Ela faz uma conta, imprime e me mostra o quanto eu devo pagar. Mesmo achando absurdo, eu pago, não quero saber de encrenca. Ela me dá a conta e um recibo. Eu guardo. Aí, ela me manda abrir a mala - ai Jesus, o que é agora? - Ela apalpa, tira uma frasqueira, e um saquinho com sapatos. O peso abaixa. Eu fecho a mala e enfio a frasqueira na mochila e tenho que carregar o saco com os sapatos. Vou para a fila de embarque pensando: se ela mandou tirar coisas da mala e aprovou o peso depois, o que será que eu paguei? Olho o meu cartão de embarque: o nome é Martin Williams! Não sou eu! ela que cobre os U$88,00 dele!

          Volto. A moça  não está mais lá. Procuro alguém com cara de chefe. Acho uma negona bonita, com um crachá. Mostro meu passaporte e o cartão do Sr. Williams. Ela não é só bonita é simpática e eficiente também. Vai até um computador, digita um montão, e me dá outro cartão de ,embarque e outro papel identificador de bagagem no meu nome. Garantiu que meu malão chega no meu nome.

- And my money? My U$88,00? - pergunto.
- Did you pay U$88,00?
- Yes, I have the papers -  mostro a conta e o recibo.

          Ela me manda esperar, sai e, daí a pouco, volta com a outra. A outra, desta vez, está toda simpática e sorridente... a arrogância sumiu. Vai direto no caixa, devolve os mesmos dólares que eu havia dado, e me pede os comprovantes. Eu entrego, pego a mala, a mochila, o saco com os sapatos, o passaporte e o cartão de embarque e vou até a negona simpática. Thank You! mas ela não me escuta, já está ocupada resolvendo outro problema. Realmente ela é muito eficiente.

         Mais uma etapa vencida, mais alguns gelos derretidos, mas a barriga continua fria. Agora, são mais ou menos 19h (não tem nenhum relógio nas paredes do aeroporto!) e o voo para St. Vincent é às 20,30h. Já achei o meu gate e está na hora de comer o lanchinho que a Susi preparou pra mim. Delicia!

                                               Saint Vincent

          Avião pequeno, aeroporto idem, não tem relógio em nenhuma parede. Eu também não entendo nada o que me falam, mas mostro todos os documentos de uma vez, Me dão um formulário para preencher, eu digo que que não tinha frutas, nem bombas, nem sementes, nem explosivos, nem carnes, nem armas, assino e pronto. Carimbo de entrada. Mais um gelo derretido.

          Taxi. Dois negões: o motorista e um ajudante. Se fosse no Brasil, eu teria medo, mas aqui... é mais uma missão pro meu anjo da guarda. Temos mais duas horas de viagem pela estrada mais cheia de curvas que já vi. A cada 50 ou 100m, uma curva. Não entendo quase nada do que me dizem. Parece que enchem a boca de uma comida bem grudenta e falam de boca cheia. Eles vão me mostrando coisas que eu não consigo ver porque está tudo escuro. Eles são alegres e falantes. Som do carro: reggae. Muito bom. Primeira surpresa: mão do lado esquerdo! É lógico, foram colonizados pelos ingleses! eu devia imaginar, mas estranho. Direção do carro no lado direito. O motorista para na frente de um bar e o ajudante traz uma coca. Seguimos pelas curvas. Quando chegou no meio do mato, o motorista para, sai do carro e volta abotoando a calça. Seguimos com o reggae tocando, o carro subindo e descendo as montanhas fazendo as curvas numa escuridão quase total.

          Chegamos.É quase meia noite.  O Rafael, um brasileiro que mora aqui, veio me receber Que bom! Ele me mostra o meu quarto, eu vibro, tenho um quarto só pra mim! Me sinto em casa! Finalmente todos os gelos se derretem, minha barriga volta ao normal. Santo Anjo da Guarda, derretedor de gelos na barriga, muito obrigada!
     
          Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                   Eulina















   

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