quinta-feira, 24 de setembro de 2015




                                                           
                                                               DEMOCRATURA



                    Antes de vir para cá, assinei um documento denominado "Now I Enroll Myself". O documento é curtinho, ocupa só uma página e é escrito com letras grandes. Eles chamam de contrato, mas o nome no cabeçalho é Agora Eu Me Matriculo. E antes da assinatura, em negrito vem as seguintes palavras: Eu fui informada sobre a política de não às drogas e não ao álcool.
                    Eu achei justo. Nenhuma escola  permite drogas e álcool. E eu tinha mesmo recebido por email uma montanha de informações sobre a escola, sobre o funcionamento, sobre os programas, sobre o trabalho, sobre as reuniões e tudo mais. Tudo em inglês. Li rapidamente.
                    Logo que cheguei, em março, no primeiro domingo que passei aqui, fomos à cachoeira e depois a um restaurante em Chateaubelair. Eu quis tomar uma cerveja e me disseram que era proibido!
                    - Mas hoje é domingo e não estamos na escola - eu argumentei.
                    - Não importa, é proibido assim mesmo.
                    Tomei Coca Cola, porque não conhecia ninguem, era minha primeira vez e eu não queria arranjar uma polêmica, logo de cara. Mas estranhei.
                    Depois, eu tive que voltar pra São Paulo, e recomeçar tudo em setembro. E novamente as pessoas me disseram que é proibido beber mesmo fora da escola. E eu continuei estranhando, não consigo acreditar em uma regra tão abusiva! Quebrei essa regra um par de vezes, sempre nos domingos e fora do perímetro da escola.
                 
                                                               ***

                     Em julho, quando as colombianas denunciaram para a universidade da Colombia, que a limpeza do prédio era feita pelos alunos, que havia goteiras nos quartos e que o colchão de duas delas tinha ninhos de baratas, nós tivemos uma reunião de mais de duas horas sobre todas as coisas que precisariam ser feitas. A unica promessa cumprida foi a de trocar os colchões. Quanto ao mau funcionamento dos banheiros,  à qualidade da comida, ao cheiro do cachorro, e várias outras coisas, das quais não me lembro agora, ficaram só no bla, bla bla.

                                                              ***
                       Semana passada, durante o "commom meeting", alguem sugeriu que após as refeições, cada um lavasse seu próprio prato. Após alguma discussão, foi aprovada uma semana de experiência. Depois da aprovação, a diretora disse que não tinha entendido direito e iniciou uma nova discussão, que durou um tempão e todos estavam quase dormindo, mas após nova votação, permaneceu a semana de experiência. Não deu certo a técnica de vencer pelo cansaço.
                        No dia seguinte, o diretor entrou na cozinha e viu que cada um estava lavando o seu prato, deu um piti, Disse que a cozinha estava atravancada, que ninguem estava lavando os pratos dos hóspedes, que isso não vai dar certo e começou a lavar tudo sozinho. Eu não vi. Mas foi o que me contaram. E disseram ainda que ele estava bravo! Ele que sempre está de bom humor, fechou a cara e falou allto!  , vamos ver qual vai ser a votação.Nos dias seguintes ele não estava e cada um lavou o seu prato, sem maiores problemas. Hoje completa a semana de experiência. Veremos.

                                                                   ***
                       São vegetarianos e veganos porque dizem ser contra a matança de animais.mas resolveram não alimentar mais a gatinha, porque disseram que gatos tem que caçar para comer, e mantem engradados cheios de frangos, no maior solão, cobertos com um plástico, no meio de uma plantação,  porque dizem que eles comem ae pragas, revolvem a terra e produzem adubo. Chicken tractor é o nome da técnica.  Eu acho cruel. Estão cozinhando os frangos vivos.
                                                                 
                                                                   ***

                        Pois bem. Contei tudo isso, como introdução pra contar o principal. No sábado passado, havia uma festa de rua  em Chateaubelair. Todos os alunos resolveram ir. Iam aproveitar pra comer uma comida melhor no restaurante e lógico, quebrar regras. Eu não tenho mais muita paciência para festa de rua. Já aproveitei bem o carnaval de Salvador e alguns outros. Fiquei. A festa foi um sucesso, todos dançaram, se divertiram muito... até que depois de rolar muita cerveja, saiu uma briga dessas generalizadas.  Disseram que garrafas voaram e houve uma troca de sopapos. As meninas da RVA ficaram encostadinhas num muro, vendo tudo. O domingo seguinte foi inteiramente dedicado aos comentários. Eu ouvi todas as histórias várias vezes, todas muito engraçadas.
                         Porém... tudo tem um porém, as regras foram quebradas e os diretores ficaram sabendo.
                         Que merda! No dia seguinte, uma reunião com a nossa turma. Primeiro  os professores vieram com uma fala mansa, querendo saber, o que aconteceu, onde foram, quem foi, o que fizeram e depois acusando de terem saído escondido, de não terem avisado ninguem, e isso era muito grave,  porque se acontecesse alguma coisa... E a conversa foi ficando feia, todos disseram que não sabiam que era preciso avisar, e eu disse que eu sabia onde eles estavam então me perguntaram por que eu não tinha avisado e todos nós dissemos que não sabíamos que era preciso avisar. Aí a coisa engrossou. Chamaram a diretora, Ela disse que estava no contrato, assinado e que deviamos ter lido tudo o que mandaram por email. Respondemos que não tinhamos entendido a proibição de sair num sábado à noite e eu tive que explicar que não avisei ninguem da diretoria, porque eram todos maiores de idade, capazes de tomar conta de si próprios.

                          Que merda! Que situação! Então a diretora foi até a sua sala, trouxe uma pilha de livros, contendo todas as informações sobre a escola, inclusive a que diz 24/7 que significa vinte e quatro horas por dia, sete dias na semana. Eu li o parágrafo umas dez vezes. Não fica claro que não podemos tomar alcool fora da escola, depende de interpretação. No Brasil, um contrato assim não seria aprovado pelo Procom. Ela disse que teríamos que ler muito bem o livro todo e pensar muito se gostamos ou não da RVA do fundo do coração, para resolver se queremos continuar aqui...

                           Que merda! Ela disse tudo isso e foi viajar. Lemos o livro e ficamos pensando. Um clima horroroso, E eu estava sendo penalizada por não ter contado pra ninguem que meus amigos saíram pra jantar fora e depois ficaram pra uma festa na rua! E isso tudo foi dito com palavras, muitas palavras bonitas e espertas de modo a enrolar todo mundo... Falam da paixão pelo trabalho com os pobres... enchem a boca pra falar dos pobres dos animais, do meio ambiente... mas tratam os alunos como se fossem todos estúpidos ocupando todos os minutos da nossa vida por meio de uma "schedule" e tentando dirigir nossos pensamentos por meio de tarefas chatíssimas que só podem ser feitas pelo computador, dentro do programa deles. É uma lavagem cerebral. É uma ditadura disfarçada de democracia. Democratura! 

                            E a merda continuou, porque no dia seguinte, depois do café da manhã, fui limpar meus banheiros, que é a minha tarefa diária, o professor veio me dizer que eu não podia fazer isso enquanto não respondesse à pergunta da diretora. Voce vai continuar ou vai desistir? Parece até programa do Silvio Santos. Então descobri que tudo parou na escola. a unica coisa que permaneceu funcionando foi a cozinha. Mas não tivemos aulas, nem reuniões nem documentários, nem fomos para a horta, nem colher frutas, nem alimentar galinhas, nada. Maior pressão. Clima de velório. Todos cochichando pelos cantos. Que merda!

                            À tarde, fomos tomando nossas decisões. Eles nos chamaram um por um, para uma "conversa". E eu comecei perguntando se eles me queriam aqui. Porque da maneira que me tratavam, eu estava achando que eles estavam me dispensando. Aí tive uns dez minutos de falatório sobre as minhas qualidades, meus talentos, sobre a importância do meu trabalho, sobre a experiência que eu tenho, bla bla bla e mais bla,bla,bla mas eu precisava decidir do fundo do meu coração se eu estava de acordo com todas as regras. Foi um belo discurso, cheio de olhares "sinceros", e palavras com "significado profundo"...

                            Eu respondi que estava aqui porque queria trabalhar com a população, já que trabalhei assim por mais de trinta anos, queria continuar. Além disso já paguei e não vou ter meu dinheiro de volta, e vou ter que mudar as datas das minhas passagens e pagar multa. Estou sendo pressionada a fazer coisas que não quero, mas vou continuar porque quero trabalhar com o povo. Mas quero deixar bem claro que não concordo, que acho ridícula essa regra de não poder tomar uma cerveja nem uma taça de vinho, acho ridículo ter que pedir autorização pra sair, principalmente porque sou uma pessoa livre e responsável pelos meus atos.  Vou obedecer porque é uma ordem, mas não concordo. No  Brasil, esse documento que voces chamam de contrato é ilegal porque não traz as cláusulas bem claras e bem redigidas. Além disso, voces me obrigam a  fazer um monte de tarefas no computador e eu sou incapaz de fazer isso. Simplesmente não consigo, por mais que eu tente. E muitas das tarefas eu já fiz, mas voces querem que eu faça no computador, dentro do programa de voces. Isso é terivel, é uma lavagem cerebral! Usei todas as palavras do meu "poor english".

                             E fiquei. Eles   disseram que estavam muito contentes com a minha decisão e me dispensaram do DMM ( programa de ensino computadorizado, adotado pela escola). A professora que "conversou" comigo, imediatamente se levantou e me deu um abraço, dizendo que eu era muito bem vinda à escola. Afe!
                            Mas no dia seguinte, recebi por email uma lista de  tarefas que deveriam ser feitas no  programa. Significa que eu devo fazer as tarefas por email. Que merda!

                             Decidi não fazer essas tarefas. Eles podem me dar zero. Não me dar certificado.  Eu não preciso de certificado. Mas vou enrolar. Dizer que estou fazendo, que demora muito porque é tudo em inglês, que a internet cai toda hora... isso tudo é verdade. Mas a maior verdade é que tudo isso é uma enorme perda de tempo. Eu não preciso e nem quero  saber todas as estatísticas que provam que o mundo está acabando, para fazer um trabalho com a população.

                                                                       ***

                               Não sei como foram as outras "conversas", mas o indiano não ficou. Foi embora hoje. Nossa turma, que no início era de nove alunos, ficou reduzida a tres colombianas e duas brasileiras. Antes já tinham ido o alemão, a vincentiana e a chinesa.

                                                                        ***
                               Hoje chegou mais uma professora. Veio de Chicago e é super simpática. Graças a Deus, come carne. Estão sendo esperados novos alunos. Tomara que cheguem logo.

                               Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                       Eulina
                               Por favor, comentem! Preciso dos comentários para tomar decisões! lilinacintra@hotmail.com


                                                                 
                   



                         







                 
                 
           
             

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