quarta-feira, 25 de novembro de 2015





                                                       DE PERNA PRO AR


                    A comida é tão ruim, que eu perco a fome. Estou ficando anoréxica. Todo dia, eu deixo comida no prato. Já emagreci sete quilos e acho que perdi massa muscular. Eu já tinha pouca, nunca fui de fazer exercícios... então, um dia teve uma brincadeira de dança das cadeiras e eu senti algo dentro da batata da minha perna direita. Sentaram na minha cadeira, eu saí do jogo e fiquei sentindo algo esquisito na panturrilha, logo atrás do joelho. Não doeu propriamente, Foi só uma sensação esquisita.
                     Dia seguinte, ainda tinha essa sensação, mas foi desaparecendo no correr do dia. Não dei mais bola. Passou de vez.
                     Daí dois dias, fui fazer uma caminhada. Comecei a caminhar toda lépida, Fomos até o pomar e então eu senti. A coisa esquisita, que tinha começado atrás do joelho, correu pela panturrilha e parou perto do tornozelo. Desta vez, formigou, esquentou e doeu. Eu parei imediatamente de caminhar, fui para o meu quarto e olhei para a perna. Nada aparente. Tomei banho, passei um spray geladinho e deitei com a perna em cima do travesseiro. Parou de doer. Mas quando eu levantei, doeu de novo.
                     Isso foi há dez dias atrás. Desde então, tudo o que faço é com a perna pra cima. E não faço nada que precise andar. Fui ao médico, ele disse que é uma distensão muscular e me receitou uns comprimidos e repouso. Que merda!  A perna inchou e ficou dolorida. Agora já está passando, mas no começo doeu bem. Agora, só dói no finzinho do passo.
                    Tive voluntários que cobriram meus dias de cozinha, e não participei de nenhuma atividade, que exige esforço físico. Fiz geleia, fiz sabão, escrevi para o blog da RVA, e vagabundeei. Passei muito tempo deitada na rede olhando as nuvens e lembrando das minhas férias na fazenda, onde fazia a mesma coisa quase todos os dias.

                                       "O pensamento
                                         parece uma
                                         coisa a toa
                                         mas como é
                                         que a gente voa  
                                         quando começa a
                                         pensar..."

                       Passado, presente, futuro, tudo misturado na minha cabeça, criando histórias malucas!  Fui heroína, fui vilã, amei, odiei, fui amada e odiada, fui esposa e fui a outra... venci batalhas e fui derrotada, voei, voei muito, pelos mares e ilhas do Caribe, pelos prédios de São Paulo, pelo Cristo Redentor, pelos campos de Mato Grosso do Sul... e mais que tudo, sonhei, com um bom bife, mal passado, bem sangrento. Estou escrevendo agora, com  água na boca.
                     Ainda estou fazendo repouso. Já consigo andar bem melhor. Estou sarando, mas ainda tenho um medinho de não conseguir fazer nenhuma caminhada maior... eu me consolo quando vejo notícias sobre os jogadores de futebol que se estropiam muito e depois de um tempo, voltam a jogar.
                    Consultei minha sobrinha nutricionista ela disse que eu preciso de proteínas. Comprei sardinha, atum, leite em pó. Aqui só temos carne ruim, duas vezes por semana! E é tão ruim, que muitas vezes eu dou pro pig.
                    Estou enjoadíssima de repousar com a perna pra cima.

                                                                  ***

                    Os funerais aqui são uma festa. Já me deparei com dois, enquanto andava pela única estrada da ilha. Todos cantam e dançam atrás do carro fúnebre, como se fossem atrás de um trio elétrico. A diferença é que estão vestidos de preto, e a música é   lenta. Eles não se entristecem com a perda. Eles comemoram a entrada do amigo em outra vida. Seguem rituais africanos, pelo menos nos enterros. Eles são, na maioria, cristãos, anglicanos, luteranos, metodistas, alguns católicos mas não fazem sincretismo. Não tem Iemanjá/N. Senhora da Conceição, nem Ogum/São Jorge, nem Iansã/Sta. Bárbara, se tem, não é escancarado, como no Brasil.  Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Em New Orleans os enterros são assim, festivos, também com forte influência afro, mas sem sincretismo aparente.
                                                                  ***
                     Desde que o jordaniano reparou que as crianças não sorriam, eu comecei a prestar mais atenção. As crianças sorriem, quando nos vêem passando na pick up. Sorriem, e abanam a mão, fazem festa. Mas quando começamos a conversar com elas, ficam sérias. Custam a responder e a sorrir novamente. Parecem desconfiadas.
                     Passei a reparar mais nos adultos também. Ele são sorridentes entre eles. Conversam muito, riem muito, mas quando falam conosco, são reservados. Falam menos, sorriem menos, eu me lembro sempre do homem que disse que eles eram ciumentos e não sabiam do quê.

                                                                     ***

                    Como estou de perna pro ar, tenho tempo de sobra pra conversar com todos os que chegam perto da rede e acabo descobrindo que quase todos tem a impressão de que existe algo de muito errado, mas ninguem sabe identificar o que é.
                     Ficamos aqui, nesta bolha, enquanto acontecem atentados terroristas em Paris, enquanto a Vale do Rio Doce mata o Rio Doce, preocupados em ter uma boa desculpa pra sair daqui e tomar umas cervejas proibidas!
                     Todos reclamam da internet e desde que cheguei, ouço que estão providenciando uma conexão melhor, mas nada acontece. Parece que querem mesmo isolar a gente do mundo. Sempre inventam alguma coisa no fim de semana, pra gente não sair daqui. E quando saimos, sempre vai um professor junto, acho que pra garantir que ninguem vai beber nem se drogar.
                     Os vincentianos que trabalham aqui dizem que os diretores são racistas, acham que só tem bêbados e drogados neste país. E que os alunos da RVA podem ser "contaminados" se tiverem contato maior com os vincentianos.

                                                                    ***

                     Todas essas conversas me levam a uma conclusão provisória. Talvez muito simplista, talvez muito apressada, mas que, até agora, me parece óbvia: existe uma enorme diferença entre as cabeças de um país europeu, que nunca foi colonizado e de um país americano que foi colonizado.
                     É a diferença entre crescer e amadurecer livremente, ou crescer e amadurecer sendo obrigado a seguir idéias alheias.  Quem é obrigado a seguir idéias alheias, precisa primeiro escolher quais idéias alheias são adequadas para o seu crescimento e depois desenvolver suas próprias idéias. E isso leva tempo.
                     Os europeus, que tiveram seu bem estar assegurado às custas do trabalho escravo das colônias, agora tem a consciência pesada e querem "ajudar". Por outro lado, os países que foram explorados, às vezes acham que precisam ser indenizados, outras vezes querem que os europeus fiquem longe, e não se intrometam mais.
                     Não consigo evitar de pensar que muitos europeus, mesmo bem intencionados, acreditam que são melhores. Na verdade, existe um "gap" enorme entre países livres e países colonizados. Esse "gap" deve ser estudado. Antropólogos, psicólogos, assistentes sociais? Não sei, mas enquanto não for superado, e as relações forem encaradas como "ajuda aos pobres", as coisas vão continuar muito difíceis.
                     E eu  continuo me lembrando do homem que disse que os vincentianos tinham ciumes, mas não sabiam do quê.
                                                                        ***

                     Outro assunto muito discutido, enquanto estou de perna pra cima é o DMM. Não sei o que significa a sigla. Não encontrei ninguem que saiba. Mas é uma série de lições que consistem em vídeos, documentários, ou textos para serem lidos, seguidos de perguntas e tarefas tudo feito segundo o sistema que eles inventaram, o DMM.
                     Estudamos o pensamento dos filósofos gregos sobre o planeta Terra, a fome na África, a revolução industrial, o aquecimento global, estudamos até como tornar Marte habitável! O resultado é um "Samba do Crioulo Doido", que somos obrigados a deglutir e digerir, sob pena de não ganhar o "Certificado", que aliás ninguem sabe direito pra que serve. Isso ocupa um tempo enorme, que seria muito melhor aproveitado se tivéssemos algum trabalho a ser realizado com a população.
                    Afinal, pra que saber o que um filósofo grego pensava sobre o planeta, enquanto a população de St. Vincent está constantemente sendo atacada por mosquitos que transmitem dengue, malaria, chicungunya, etc.?
                    E por que não há, nesta escola, cursos regulares para vincentianos?
                    E por que a RVA não promove programas perenes de educação ambiental junto  escolas do país?
                    E por que programar cada hora do dia com atividades não deixando nenhum tempo livre
para pensar e propor novos projetos e programas?

                                                                     ***

                    Eles fazem coisa boas. Esta fazenda é um modelo de agricultura orgânica e sustentável. Recolhem  e utilizam  a água da chuva. Estão construindo um filtro para reutilizar as águas servidas. (esse é o projeto das colombianas). Tem planos de produzir  biogas. Tem uma plantação de bananas e outra de maracujá. Tudo isso foi criado e é mantido com o trabalho voluntário dos estudantes.
                    A fazenda é um modelo a ser seguido. Mas não há vincentianos aqui pra aprender tudo isso! Por que?
                 
                                                                      ***

                     Nadhia foi embora e eu sinto falta. Tenho que arranjar um voluntário pra fazer sabão comigo.
                    Aqui neste BBB continuam acontecendo e "desacontecendo" casais.
                    Fico com vontade de ter trinta anos menos, para me apaixonar, nesta ilha cheia de praias, coqueiros, sol, lua e estrelas... mas meus hormônios não colaboram mais.
                 
                    Voce já pode dizer eu li na tela da

                                                                             Eulina













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