quinta-feira, 17 de dezembro de 2015






                                                                OUTRA VEZ!



                    A RVA funciona sempre com dois cursos. Um, com a duração de seis meses, sobre a mudança climática no mundo, que é o que eu estou acabando de fazer. Outro, com a duração de dezoito meses, sendo seis passados aqui, seis em outro país e depois mais seis aqui. Ao final, ganhamos um Certificado.
                    Ambos os cursos devem ter ao início, entre dez e quinze alunos e tem como objetivo "ajudar" países pobres a enfrentar as mudanças climáticas e "lutar contra a pobreza".
                    Pois bem. O meu grupo, começou com dez pessoas. Logo no início, uma colombiana descobriu que estava grávida. Foi embora, restaram nove. Dois membros fizeram um curso compacto de um mês. Foram embora, restaram sete. A chinesa, remanescente de outro grupo que acabou, foi embora depois de três meses. Restaram seis. Parecia uma situação estável. Mas aí começaram os problemas.
                    Até então, achávamos que o que importava era assistir as aulas, fazer o trabalho voluntário de limpeza e manutenção da fazenda, fazer o "homework", e cumprir todas as tarefas do DMM. E todos nós estávamos fazendo tudo isso, de maneira aplicada, reclamando um pouco, mas nada capaz de comprometer o bom andamento da escola. Acreditávamos no que diziam sobre democracia,  igualdade e respeito aos cidadãos, vida em comunidade, solidariedade e outros valores "nobres".  Achávamos que estávamos indo muito bem, e até estranhávamos o mau humor dos estudantes mais antigos, em relação aos métodos da escola.                
                    Mas depois de um dia de trabalho, tomar uma cerveja, ir a uma festa, era direito nosso. Pelo menos, era isso o que pensávamos. No começo, ainda era divertido. Sair de noite, no escuro, pra tomar cerveja no boteco da praia... era engraçado. Mas pouco a pouco, foi perdendo a graça e tomando ar de protesto. Nadhia e as colombianas disseram que nunca tomaram tanta cerveja na vida. E elas faziam isso só porque era proibido! Eu não ia junto, porque não tenho mais saco pra tanta festa. Mas dava todo apoio e cobertura. Ajudei a inventar desculpas, a buscar caminhos no escuro, a entreter professores, enquanto elas saiam.
                   Depois a leptospirose da colombiana e o tétano da égua. E a gritante diferença de atitude em relação a cada um dos episódios. E houve os "meetings"! Começaram os papos de fazer tudo juntos, de não comprometer o bom nome da escola, de estarem preocupados com a nossa segurança, e da regra de vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, à disposição do programa. O primeiro meeting eu achei muito chato, mas não me importei muito, no segundo, fiquei indignada, pensei seriamente em ir embora. O indiano não suportou e foi embora, restaram seis.
                     No terceiro "meeting", eu desisti. Saí na metade e resolvi ir embora. Fiquei furiosa!
                      - Não fico aqui nem mais um dia. Vou embora no primeiro vôo! - disse pra todo mundo.
Eles não respeitam nada! Fazem lavagem cerebral, jogam tudo pra resolver em assembléias e manipulam as assembléias. Tem todas as técnicas pra isso. Vencem pelo cansaço.  Mas, acabei não indo. Só não fui embora por causa do grande prejuizo financeiro e por causa dos amigos todos que fiz.
                      Depois de algum tempo, Nadhia desistiu. Foi embora. E as colombianas continuaram indo a festas. Até que duas semanas atrás, foram mandadas embora. E  alugaram uma casinha num vilarejo próximo e vão ficar lá até o dia do voo de volta delas. Estão felizes. Disseram que agora, que não é mais proibido, não vão a festas todos os dias. Então, de todo o grupo que era de dez pessoas, restou eu. Sou uma sobrevivente.
                      Tudo isso pra contar o que aconteceu ontem.

                                                                         ***

                       Em novembro, formou-se outro grupo de seis meses. Oito novas pessoas. Cheias de entusiasmo,  idéias e planos. Apresentaram seus novos projetos, que incluem a participação de uma família local, e receberam a ordem (disfarçada de sugestão) de fazer uma "skedule". Muitos "meetings" em torno do projeto. É a maneira que eles tem de sufocar qualquer princípio de criatividade. Reuniões e reuniões para discutir o assunto e responsabilizar cada membro do grupo, por uma parte da nova ideia, até transformar tudo numa colcha de retalhos, cujos pedaços ao final, dificilmente vão poder ser costurados. Ou se puderem, vão deixar tudo muito diferente da ideia inicial.
                       O grupo se entrosou rapidamente e começaram a contestar algumas posições da diretora. Depois de um mês, dois membros foram embora e depois de dois meses, mais uma desistência. A vincentiana que mora no Canadá desistiu e voltou pra Toronto.
                       O alemão e sua namorada colombiana, que já estudaram permacultura, ele na Alemanha e ela no Brasil, observaram a horta e  concluiram que se fossem utilizados outros tipos de fertilizantes orgânicos, a produção iria aumentar. Então elaboraram uma proposta para fazer um novo "compost", com restos de peixe, açúcar e coisas diferentes das que eles estão acostumados. Propuseram também que a experiencia seria realizada numa fazenda próxima, para iniciar uma relação com a comunidade local.
                        Eu soube que as reuniões em que apresentaram a proposta, não foram fáceis. mas o alemão e sua namorada colombiana insistiram, argumentaram e conseguiram. Fizeram uma apresentação para toda a escola e se responsabilizaram pela execução do novo projeto. Foi difícil, mas conseguiram. Ficaram animados com a vitória, então...
                       Amanhã é o aniversário da colombiana. O alemão planejou convidar os amigos para passar uma noite na praia, dormindo em barracas, fazer um churrasco de peixe, ouvir música e dançar à luz da lua,  para comemorar o aniversário. Eu estava animada com a festinha na praia, dormir na barraca, comer peixe, estava rezando pra não chover. Estamos na lua crescente, e se não chover teremos muitas estrelas, porque a luz da lua ainda não é tão forte. Seria tudo perfeito!
                       A diretora soube... e não permitiu. Somos uma comunidade, blablabla, temos que fazer tudo juntos, blablabla, voce não convidou todos, blablabla, voce está excluindo pessoas, blablabla... Quanto mais ele argumentava, mais ela radicalizava na negativa.
                      Susy e eu estavamos passando perto e o alemão nos chamou. Venham aqui, ficar do meu lado, nós estamos resolvendo o acampamento e a diretora não quer deixar! Assustamos um pouco, mas sentamos do lado dele para apoiá-lo. Susy disse que a diretora representa a autoridade e que, nesse momento, ele queria se sentir mais à vontade. E eu disse que todos tem direito à privacidade. A diretora disse que permitiria se fossem todos, inclusive ela . Ele quase surtou! Mas respondeu calmamente que havia só duas pessoas que ele não queria que fossem: a diretora e seu marido. Meu Deus! A cara da diretora! Olhos bem arregalados, fazendo um grande esforço para não demonstrar emoções... eu não queria estar no lugar dela! Aliás, eu não queria estar nem no meu lugar! Mas o alemão precisava de apoio e, mais que isso, merecia esse apoio. Então ficamos.
                       E o "meeting' continuou. A diretora, um professor, o alemão, Susy e eu. Sinceramente, eu tive medo de que o alemão desse um murro na cara da diretora, mas ela blablabla, permanecia firme no seu discurso de vida comunitária, blablabla, partilhar tudo, blablabla, não excluir ninguem... mas estava cansada. Disse que esse assunto deveria ser discutido por toda a escola num "common meeting".
                      - Temos que discutir sobre a exclusão!
                      Para ela, discutir sobre os erros alheios é fácil. Ou ela pressiona até a pessoa desistir, ou ela "perdoa" o erro e a pessoa aceita as condições que ela impõe. Então, ela coloca o foco da discussão na exclusão, porque assim fica fácil manipular e fazer todos acharem que o alemão está errado.
                      - Não! - eu disse -  O assunto não é esse! Temos que discutir sobre o direito à privacidade!
                       E a diretora e o professor que estava com ela, me olharam atônitos e calados. Falaram que era tarde e que deveriam continuar a discutir esse assunto outra hora. E era mesmo. Foram quase duas horas de discussão inútil. Deu pra ver que para discutir privacidade, eles não estão preparados. Vamos ver o que acontece. Hoje é dia de "common meeting".

                                                                       ***
                                                         
                       Acabou o "common meeting". A diretora amarelou. A festinha e o acampamento não foram assunto.  O acampamento não vai acontecer, porque as barracas são da RVA e ninguem vai pedir emprestado. Então a festinha vai ser na praia de Richmond mesmo, vamos fazer o churrasco, ouvir música, dançar e depois voltamos cada um pro seu quarto. A diretora não foi convidada e não insistiu mais no assunto. Tudo em paz.

                        Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                  Eulina


          
















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