quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

I


                                                      PESSOAS


          Quem já foi pra Disney sabe. É gente que fica economizando o ano todo pra fazer o cruzeiro.  Um festival de roupas de liquidação. Um mau gosto ostensivo. Peruas com mega hair, cílios e unhas postiças e bundas enormes. As grandes famílias dignas de figurar na série da Globo, devidamente caracterizadas como Dona Nenê ou Agostinho, sempre querendo aproveitar o máximo, entram na fila do bufê e enchem o prato de bacon. Eu fico olhando fascinada. Se não fosse o barulho, eu poderia ficar o dia todo só observando. Mas depois de um tempo, eu preciso do silêncio da minha cabine.

            Para meu espanto, depois de Itajaí, essa leva de gente sumiu. Devem ter desembarcado. Em seu lugar, chegaram pessoas mais bonitas. Roupas compradas em prestações. Mas não tão interessantes. Bundas menores, menos brilho. Gente mais contida, menos expontânea.

            Temos lugares marcados para o jantar. sempre os mesmos companheiros na mesa. Um casal de lésbicas da terceira idade, que moram na Moóca em São Paulo. Elas são muito simpáticas, já fizeram outros cruzeiros e tem um papo agradável. Um jovem casal hétero de Jequié, interior da Bahia. Também muito simpáticos. O papo flui, os assuntos rolam soltos, sem problemas. Dá pra perceber que todos evitam falar sobre política.  

            Conhecemos gente do mundo todo, principalmente sul americanos, muitos argentinos e uruguaios. O navio é italiano, então temos muitos passageiros italianos. Mas a mistura de nacionalidades se dá principalmente entre a tripulação. Além dos italianos, temos indianos, filipinos, africanos de vários países, argentinos, chilenos e brasileiros. O comandante é italiano. No primeiro dia, tivemos um garçom filipino chamado Putu! São todos simpáticos. Parecem gostar do que estão fazendo.

             Ficamos aqui completamente desligados do mundo. A internet é muito cara. Os telefones não se conectam. A  TV do quarto só tem programas italianos e filmes sobre a natureza. Não sabemos notícias, redes sociais não funcionam, nenhuma mídia impressa, nem rádio. Uma bolha flutuante no oceano Atlântico.

            Muitas crianças. Hoje choveu, então as crianças não foram à piscina. Ficaram correndo pelos corredores. Num dos "lounges", os adultos da família fizeram uma roda com as cadeiras e as crianças ficaram no meio. Eu estava olhando de longe, então vi num vãozinho entre duas cadeiras, aparecer primeiro uma cabecinha, depois o corpinho de um bebê engatinhando... uma gracinha! E ele fugiu mesmo, foi indo pela sala, bem depressinha, todo sorridente! Estava se achando livre! Porém não durou muito. Logo, veio um adulto e o levou de volta para o meio do círculo familiar.

             Temos muito velhinhos, alguns de bengala, outros cadeirantes. Não vejo jovens circulando pelos restaurantes nem pela piscina, nem participando de algum evento. Até achava que não havia jovens no navio. Mas, fui à discoteca numa noite e lá a faixa etária fica em torno de vinte e cinco anos.  Acho que eles dormem o dia todo.

            Muitos grupos de mulheres aposentadas. Poucos grupos de homens. Só vi dois. Uma roda de samba e um grupo em volta de um pebolim. Os outros homens estão sempre acompanhados de suas mulheres, pais, mães, filhos, filhas, fazem parte das grandes famílias.

             Hoje, foi dia de navegação. É como chamam os dias em que não há paradas. E com a chuva, todos os eventos estavam lotados. Bingo, aula de artesanato, aulas de dança, spa, massagens, academia... Tudo cheio de gente. Eu fui à aula de artesanato. Fiz um porta retrato. Depois fui ver um show de talentos da tripulação. Teve um bar man dançando, um salva vidas cantando Elvis, o professor de artesanato cantando Roberto Carlos, uma camareira cantando Alcione, um garçom cantando Frank Sinatra.
É bem agitada a vida no navio.     

            Você já pode dizer eu li na tela da
                                                                  Eulina 

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