segunda-feira, 25 de março de 2013

A longa volta

                                        

                                    
                                                                      A LONGA VOLTA 
                                                           
                                                                                                                                3/1/13


     Estou indo para Tel Aviv. Da janela da van que me leva, vejo Jerusalém pela última vez.
     Estou feliz, andei pelos tempos bíblicos, conheci o povo palestino, fiquei tres dias em Jerusalém, convivendo com sua babel cultural. Está na hora de voltar pra casa e pensar no assunto. Tentar entender tudo o que vi, se é que é possível...
                                                                        ***.
     O vôo de Tel Aviv para Istambul foi ótimo. Porem, mais uma vez, o meu agente de viagem não teve êxito na reserva do lugar na janela. Vim no corredor. Não liguei, porque o vôo só tem duas horas e meia e está chovendo. Espero que desta vez, eu consiga o tal pernoite que esta incluido no preço da passagem,  Devo conseguir, porque  não estou atrasada.

     Desembarco e vou diretamente ao balcão da Turkish Airlines. Depois de uma pequena fila, e de muito esforço para entender o inglês tortuoso do rapaz, fico sabendo que o pernoite está incluido só no preço da primeira classe. Classe econômica não tem direito a pernoite, nem pagando agora. Tenho que dormir num hotel em Istambul. Que merda! Então, na ida, mesmo que eu chegasse na hora, eu também não teria direito ao pernoite! O agente de viagem foi enganado, ou me enganou... Outra noite no aeroporto. Cheguei aqui às dezoito e trinta e o vôo para Sampa só sai amanhã, às nove e trinta.  Não tenho coragem de me aventurar até a cidade, procurar hotel para passar a noite e ainda ter que tomar taxi amanhã de manhã a tempo de pegar o voo.. Que saco! Outra longa noite no aeroporto de Istambul.

     Enfim... o que não tem remédio, remediado fica, como dizia minha mãe. Vou me dedicar à interessante função de observar pessoas. Depois de andar, ver todas as lojas do free shopping, tomar um lanche, eu me sento numa cadeira em frente a duas mulheres de burca negra. É um pouco assustador. Parece uma pilha de roupas, só ficam os olhos de fora. E uma delas usa óculos. Uma pilha de roupas de óculos! Estão acompanhadas por dois homenzarrões mal encarados. Devem ser os maridos. Eles vestem roupas normais com um gorro na cabeça.
     Eu fico olhando pra elas, disfarço, fingindo que leio uma revista. Elas falam, dão risadas. Quando riem, a pilha de roupas treme. Elas abrem a bolsa, fico curiosa de saber o que haveria dentro das bolsas que carregam. Falam no celular... afinal, são pessoas normais, não sei porque eu estranho tanto. Mas eu estranho. Queria entender a lingua pra saber o que elas dizem. Não dá pra ver a cara, mas o assunto é animado. Elas conversam e riem muito. Será que estão fazendo alguma fofoca? O que será que elas pensam do mundo ocidental, das mulheres que não se escondem debaixo de pilhas de roupas?
     Eu vou ficar perto delas, até  embarcarem. Eu tive de mostrar o passaporte e tirar o óculos, para a soldada me ver bem. Abri a bolsa, tirei os sapatos, fui submetida ao aparelhinho de revista eletrônica... Como vai ser com elas? Será que elas vão ter que levantar o véu? E aquela pilha de roupa? Vão passar o aparelhinho nelas? Ou vão para uma cabine própria e mostram a cara só para a soldada? Elas tiram o passaporte das bolsas e entregam aos maridos. Os quatro se levantam. Eu também.
     Não sei qual é o destino delas, mas sei qual é a fila em que elas entram. A soldada olha  a cara de todos  na fila, comparando com a foto do passaporte. Eu disfarço e fico andando por perto. Elas continuam conversando animadamente. Os passaportes nas mãos dos maridos.
     Chegou a vez delas. Eu estou bem perto. Os maridos passam na frente e entregam os passaportes. A soldada não olha e fala pra elas passarem.  Não olha a cara delas, aliás, não olha pra elas!  A de óculos continuou de óculos! Parece que elas não existem!

      E se não forem as mulheres das fotos do passaporte? Pensando bem, como seriam as fotos do passaporte? As caras com as burcas e os óculos? E se tiverem uma bomba escondida dentro da roupa? E se não forem mulheres, forem terroristas? Desse jeito, não dá pra saber nem se são mulheres! Que coisa! Fico indignada!

     Agora, passa no aeroporto, um grupo de homens envoltos em panos brancos, que parecem fraldas, todos com sandálias e todos barbudos. Na frente, vai um mais velho, de barbas brancas, lendo um livro e cantando. Os outros o seguem, respondendo em côro. Como tem gente estranha no mundo!  Atrás desse bando de homens com fraldas, vai um bando de mulheres cobertas de panos pretos. Mas essas tem a cara de fora. Também cantam.  Homens de branco, mulheres de preto. Que coisa!

     Achei um lugar jóia, atrás de uma coluna. Vou ver se consigo dormir.
                                                             
                                                                                                                                          4/1/13

     Agora, são sete horas da manhã. Ainda está escuro em Istambul. Eu ainda não sei qual é o meu gate.

     Passa gente do mundo todo, com todos os tipos de caras e roupas. Passa uma mulher bonita,  bem vestida, com roupas ocidentais, e um micro cachorrinho numa coleira. O cachorrinho vai andando na frente, todo empinadinho, parece que está se mostrando. A moça para e o cachorrinho continua a andar, sem sair do lugar. A moça suspende a coleira e o cachorrinho fica mexendo as patinhas, caminhando no ar. É engraçado, as pessoas que estão perto dão risada, ela percebe e pega o cachorrinho no colo.

     O vôo das nove horas já está anunciado no painel eletrônico. O meu, é às nove e meia. Preciso achar o meu gate.

     Passa uma mulher numa cadeira de rodas, carregando um cano com uma garrafa de soro. O cara que empurra a cadeira, tem um ar preocupado.  Ainda tem muita gente dormindo nos bancos e nos cantos.     Passa um pai, com um menino de uns três anos. Ambos chutam uma bolinha. O pai é esperto. se não fosse a bolinha, provavelmente teria de carregar o filho no colo.

     Os italianos já devem estar em suas casas, falando, falando, contando mil histórias. Sobre o deserto, sobre os palestinos, sobre a amiga alemã e a amiga brasileira que fizeram. E eu aqui sentada, vendo as pessoas passarem. Parece um filme. Só que é ao vivo.

                                                                       ***
     Fico pensando nos palestinos. Nidal, sempre sorridente, prestativo, eficiente, amigo. Respondia a todas as perguntas.Contou que sua família era de pescadores, morava numa cidade à beira do Mar Mediterrâneo e que ele pretende voltar pra lá, um dia. Atualmente, os palestinos estão confinados às montanhas, no lado oeste do rio Jordão, no lugar que eles chamam de West Bank. São proibidos de ir a Jerusalém, a Tel Aviv, precisam de salvo conduto e em cada check in, ficam muito tensos.
     Eu estava toda comovida com as histórias deles, principalmente porque as famílias são tão simpáticas, nos receberam tão bem... mas depois do episódio da cerveja, passei a examinar os fatos com mais frieza, menos emoção.
     Nidal poderia ter sido menos imperativo, ter explicado que a religião dele é assim.  Poderia ter pedido compreensão, poderia ter pedido por favor... mas não. Simplesmente ele disse:
     - Se voces tomarem cerveja, eu mudo de mesa. Havia uma dureza no seu olhar, na expressão do seu rosto, tão imperativo, tão ditatorial! Por um momento, desapareceu toda a sua cordialidade. Acho que se eu estivesse sozinha com ele, teria sentido medo. No dia seguinte, tudo igual. O mesmo Nidal sorridente, prestativo. Mas eu tive que dar bom dia três vezes, ele só falou comigo, quando perguntei algo na frente de todos. E não se despediu de mim. Esperou que eu fosse ao banheiro para despedir-se dos outros.
                                                                      ***
     Achei meu gate. Nos bancos de espera, pessoas com caras normais, vestidas com roupas normais, falando português. Brasileiros. Ai, que bom entender tudo!
     Presto atenção nos papos. São turistas, andaram por Israel. Falam mal da Palestina. Dizem que as cidades são pobres, sujas e feias. São uns chatos. Só se interessaram pelas cidades totalmente ocidentalizadas, ou pelos pontos turísticos mais famosos. Pobres de espírito.
     Eles não viram os sorrisos das crianças. Nem os pastores e suas ovelhas. E muito menos o sol se pôr e a lua nascer no deserto. 
                                                                   ***
     Para embarcar, passo pelos detetores de metal, tiro os sapatos, sou revistada, submetida ao aparelhinho, perguntam um montão de coisas, inclusive:
     - Do you have any bomb, in your baggage?
     Eu quase dei risada, mas lembrei a tempo de ser educadinha.
     - No. I don't have a bomb in my baggage.
     Mesmo assim, a soldada mandou abrir e revistar a minha mala.
     Eu quase fiquei com inveja das mulheres de burca.

     Voce ja pode dizer: Eu li na tela da
                                                            Eulina

   
 
   
   

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