sexta-feira, 20 de março de 2015

Sessão Fofoca

                                     
                                                                                                                                20/03/15

               Os horários daqui são rígidos. Café da manhã às sete, almoço ao meio dia, jantar às seis horas. Durante o dia, existe uma programação intensa. Mas à noite, só temos "common meeting" nas quintas feiras. Common meetting é a reunião geral na qual todos os alunos falam sobre o andamento de seus projetos e os "responsabilities groups", ou grupos encarregados da limpeza, da cozinha, das atividades culturais, falam sobre suas funções. É a democrática ocasião em que todos se manifestam e discutem em comum, todos as questões relativas à cada área de estudo ou de trabalho. Esporadicamente, há jogos ou projeção de filmes. O úlltimo foi de terror. Normalmente, todos ficam concentrados nos seus proprios computadores. Então, sobra tempo.

              E no tempo que sobra, eu comento, os assuntos mais palpitantes com a outra brasileira que está aqui. Ela não é aluna, mas faz trabalho voluntário na administração. Chamamos de sessão fofoca e tem ocorrido diariamente, entre oito e nove horas da noite, mais ou menos. A língua oficial é português e o assunto é a brasileiríssima fofoca. Seguem alguns comentários e descrições de alunos  e professores.

                Entre os alunos, temos um japones preto! Black Japa, eu nem imaginava que isso seria possível! Ele fala bem baixinho, com um sotaque terrível, trocando todos os "erres" por "eles" e vice versa. Quando ele fala comigo, eu fico fazendo um sorriso amarelo e torcendo para que o meu ham ham seja considerado resposta. Aliás, eu descobri que ham ham ou "yeah" pode ser resposta pra quase tudo o que eu não entendo. Talvez me achem meio retardada, mas cansei de dizer "speak slowly, please". quando não entendo, respondo ham ham ou yeah  e pronto.

              Temos uma espanholinha lindinha e seu marido nem tanto. São professores de mergulho. Dão aulas para os hóspedes. Temos dois ingleses. Um aluno e um hóspede.ambos falam como se tivessem uma batata quente na boca. Mas, como são gentlemen, repetem mais devagar quando eu peço. Temos tres jovens alemães, com cabelo feito soldados, que parecem ter saído de um filme sobre a segunda guerra. Duas jovens americanas, muito bonitas, uma da California, que cuida dos cavalos e outra da Carolina do Sul que é aluna. Bem simpáticas, Temos um casal de alunos:  ele é costariquenho e ela japonesa. Se conheceram aqui. Entre os professores, há dois casais, os diretores, dinamarqueses e uma  hungara que "namora/fica" com um vincentiano. E dentre os alunos vicentianos, não identifiquei nenhum casal, mas sei que existe, porque uma das meninas ia dividir o quarto comigo, mas preferiu ficar com um dos meninos. Imagino que sejam namorados. Ainda existe um dinamarquês que não usa desodorante e às vezes calha de eu ficar do seu lado na hora das refeições. É triste.  Descrevi só uma parte dos alunos e professores. Existem muitos outros.

                A minha turma deveria ter cinco alunos, mas começou só com três. Uma eslovena de vinte e um anos, bem doidinha, que estuda turismo na Eslovênia, mas está se dedicando a conhecer o mundo, viajando de maneira alternativa. Chegou aqui, como aluna do curso sobre ecologia, mas em uma semana descobriu que não ia aguentar dormir todos os dias às dez horas da noite e acordar às sete para o café da manhã. Foi embora há tres dias e agora está no Canadá, onde já arranjou um trabalho temporário. De lá vai pro Mexico e depois, quem sabe, pro Brasil.
                E a outra, a chinezinha, baixinha, magrinha, timidazinha, doçurinha, que também tem vinte e um anos, mas cara de quinze, se encantou com o hóspede inglês, parecido com as descrições do Sherlock Holmes feitas pelo Conan Doyle. Aparenta ter quarenta e poucos anos e tem em torno de um metro e oitenta de altura. É o par mais descombinado que já vi. Imaginem  Mr. Holmes, com uma gueixa! Não sei se existe ou existiu gueixa ou algo semelhante na China, mas a aparencia é essa. Ela faz confidências comigo, Ele podia ser seu pai, mas é seu primeiro namorado. Ela está apaixonada e disse que vai gostar dele para sempre...ai, que paixonite mais adolescente! Ela me pede conselhos eu digo que aproveite o momento, mas não faça planos para o futuro, e tome cuidado para não se machucar.

                Outro assunto palpitante, durante as sessões de fofoca, é a chatice das aulas. a escola foi fundada por um grupo de dinamarqueses que, depois de correr o mundo, nas décadas de sessenta e setenta resolveram fundar uma escola alternativa, pois não se conformavam com a mesmice do ensino formal. Eles descobriram que viajando, aprendiam muito mais. No início, a escola fundada era itinerante, dentro de um ônibus. Depois, eram vários ônibus. Iam cada um para um país diferente. Depois de passarem por países muito pobres e terem ajudado na construção de obras locais, descobriram que, além de aprender, eles podiam também ensinar. então começaram a usar o trabalho voluntário em países pobres, como fonte de aprendizado.
               E é essa a filosofia da escola até hoje.  Os anos se passaram e o pioneirismo virou um grande empreendimento, que não dá lucro, mas que proporciona uma excelente qualidade de vida a todos. e esta escola no Caribe, parece ser o polo gerador de idéias para todos os programas que foram criados no mundo.
              Então, os anos se passaram e os jovens, já não tão jovens, se acomodaram. As aulas teóricas são de uma chatice à toda prova. O professor fala, fala, depois mostra um documentário bem comprido, depois dá um texto pra gente ler e discutir com a turma e finalmente tem uma lição de casa. Até agora sempre foi fazer um resumo do que foi dito e discutido e encerrar com uma opinião pessoal. Pra mim é especialmente difícil, porque não consigo entender direito o que dizem os documentários e para ler o texto e escrever a lição, preciso usar o dicionário muitas vezes.
             Olho para os outros alunos durante a projeção dos filmes e vejo a cara de tédio. Pelo menos, eu interpreto como sendo cara de tédio. Eu sempre dou umas cochiladas, apesar de me esforçar pra ficar acordada. Mas, depois de dois meses de aula teórica, começa o estágio junto às comunidades. Não vejo a hora!  Esse é o assunto mais sério da nossa sessão de fofocas.

             Eles comem pepino e cebola frita no café da manhã e fazem salada de quiabo cru com molho de pimenta. Voces podem imaginar isso?
             Como voces vêem, não falta assunto para as fofocas.

              Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                         Eulina


             

















       

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