terça-feira, 27 de outubro de 2015





                                                 CHEGA!


                              Depois do piti e do protesto na semana passada, eu pensei que haveria alguma reação da parte deles, mas nada aconteceu. No "common meeting" quando o assunto foi comida, continuaram o papo do desperdício, e com o papo de que a horta precisa produzir mais, então as pessoas precisam trabalhar mais. Como sempre, jogaram a responsabilidade nos estudantes. Eu passei o tempo todo tentando formular um argumento, em ingles, para convencê-los de que precisam comprar mais comida. Em vão. Teve alguma votação, eu nem me lembro qual foi e eu concordei, porque estava de saco na lua. Aí, quando todos começaram a se levantar, eu consegui. Antes tinha menos gente, então a comida era suficiente. Agora somos mais, é preciso comprar mais comida, mais óleo de cozinha, mais ovos, mais queijo... Mas todos já haviam se levantado. A diretora veio até mim, toda sorridente e disse:
                              - Viu como nós nos preocupamos com a alimentação? Também não gostamos do que aconteceu outro dia!
                               E eu respondi, o que havia acabado de pensar, que agora somos mais pessoas, então é preciso comprar mais comida!  Ela fez cara de espanto! E eu me espantei com a cara de pau dela! Afinal o que eu estava dizendo é o óbvio: mais gente, mais comida.
                                - Voce tem uma opinião diferente!
                                - É. Eu tenho.
                                - E por que voce não disse isso na reunião?
                                - Eu vou dizer na próxima, se as coisas não melhorarem até lá.

                                                                   ***

                                No fim de semana, Nadhia e  as colombianas foram à festa, em Chatobelair, novamente. Nadhia nem dormiu na RVA e as outras voltaram depois das tres horas da manhã. Foi o estopim. Na segunda feira, logo cedo, fomos chamadas para um "meeting". O professor explicou que era sobre o fim de semana e perguntou se eu queria ir. Eu disse que não. Fiquei tranquila, porque, desta vez, eu não tinha nada com isso, porque elas haviam avisado o professor que iam sair. Não ia ser novamente submetida àquela espécie de lavagem cerebral, porque não disse onde meus colegas estavam...
                                 A reunião se alongou teve um intervalo, pra tomarem água, recomeçou, foi até a hora do almoço, e ia continuar depois. As pessoas com caras horríveis.
                                 Depois do almoço, eu estava no meio da minha soneca, quando o professor bate na porta do meu quarto e diz que eu devo comparecer à reunião. Ai meu saco!
                                 Eu vou. Grande parte da lavagem cerebral já está feita. As colombianas e a Nadhia já concordaram com eles,e estavam novamente falando que não entendiam direito o que estava acontecendo porque não entendiam inglês. Ele, como sempre, disseram que a culpa era nossa, porque  falamos espanhol e  português, entre nós e assim não vamos aprender nunca. Eu expliquei mais uma vez  que meu problema não é falar. Meu problema é entender! Mas bla,bla,bla e no fim a culpa é nossa, como sempre a culpa é nossa...
                                 Aí foi a minha vez de levar bronca. Disseram que eu não participo, que eu tenho opiniões diferentes e não compartilho, que estamos vivendo em comunidade, então temos que compartilhar tudo. que eu devo interromper a fala de qualquer pessoa que esteja engolindo as palavras, ou pronunciando depressa demais... eu até respirei fundo e disse que iria interromper todas as vezes que não entendesse.
                               Então, uma das colombianas  disse que ela tinha uma vida na Colômbia, faculdade trabalho, família, amigos e muitas vezes ela tinha problemas que não eram daqui... ela nem conseguiu acabar de dizer, quando o vegano interrompeu dizendo que somos um time, uma comunidade, temos que partilhar tudo... Eu disse que ela tinha direito à uma vida privada, mas não adiantou.  Ele insistia em que temos de partilhar todos os sentimentos, e todos os sentimentos tem que ser resolvidos em conjunto, porque assim temos força, assim, somos fortes, que juntos podemos resolver os problemas de cada um... Não sei reproduzir direito as palavras, porque foi dito em inglês e eu posso não ter entendido direito mas, tenho quase certeza de que o sentido era esse. Me deu medo! Isso é lavagem cerebral! Eles são perigosos!
                                 Depois, nem sei como, passamos às soluções para os problemas. Então, a diretora, com ar triunfante, traz o quadro e nos mostra uma grande "squedule"!  Fico olhando aterrorizada. Eles acham que vão colocar todas as minhas idéias dentro desses quadradinhos? E a diretora foi falando triunfante, vamos planejar agora, as nossas próximas seis semanas!                  
                                 - What do you know about a meeting about environment that is happening in Europe now? - ninguem respondeu. Ela arregala os olhos e faz cara de espanto!

                                  - How you don't know?!?!?
                                  - We don't have TV, nor radio, nor newspapers,.. - eu disse.
                                  - You have the internet!
                                  - Very bad internet. In my room, almost nothing!
                                  - But here in the main hall, you have!
                                  - And the signal is not clear!
                                  - But this is a problem of your computer! You are complaning again!

                                  Eu não aguentei mais. Levantei e disse:
                                   - Eu vou embora. Não fiz nada de errado, não tenho que ficar ouvindo tudo isso. Eu vim pra cá pra trabalhar com a população e até agora, o que fizemos?  Plantamos arvores, brincamos com crianças uma unica vez, limpamos praia também uma só vez? Em quatro meses? Dá pra contar nos dedos, as ocasiões em que estive com o povo! Pra mim chega! Eu vou embora.Voces podem ter certeza de que ninguem está mais triste e desapontado do que eu.
                                 E saí da sala. Explosão bem típica da minha pessoa! Mas, cá comigo, bem no fundo fiquei feliz! Ufa que alivio!
                                 Quando acabou a reunião, vieram falar comigo, as colombianas, a Nadhia, o professor venezuelano, gente do outro programa, todos solidários, alguns pedindo pra não ir. Até o professor vegano, mas ele disse que queria"abrir a minha mente" e acabamos brigando novamente.
                                 Isso foi ontem. Eu resolvi dormir, antes de decidir definitivamente.
            
                                                               ***
                                 Hoje, estou escrevendo, para clarear as idéias. E cheguei à conclusão final. Eu vou mesmo. Tinha até vontade de ficar, porque segundo me disseram a "schedule" prevê muito mais trabalho com a população e é isso o que eu queria. Mas eu também me conheço. Não sei se ia aguentar olhar pra cara da diretora e do professor vegano. E se conseguir aguentar seria a custa de muito sacrifício. E iria ficar todo o tempo atormentada, sujeita a explosões a qualquer momento. E eu não quero isso.
                                 Acabei de ter uma boa conversa com o vincentiano encarregado dos gramados, dos pastos e da horta. Ele disse que os diretores tem um segredo. Eu também acho. E eu estive procurando desvendar esse segredo até agora. Não consegui. Ele disse que passa o tempo todo tentando saber o que eles querem.
                                   Está resolvido. Vou agora, tentar mudar minha passagem.

                                   Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                            Eulina
                               


                                   
                            
                               
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