sábado, 26 de janeiro de 2013

Jinin/ Zababdeh

                                                     

                                                  JININ - ZABABDEH 
                                                                                                                                           24/12/12

    Existem três caminhos que vão de Nazaré a Belém. Um a leste, beirando o Rio Jordão, um a oeste, beirando o Mar Mediterrâneo e outro pelas montanhas, o caminho do centro. É esse que, segundo todos os relatos da época, foi trilhado por Maria e José. Foi esse o caminho que trilhamos.

     Paisagem ondulada, com montanhas parecidas com as de Minas. Só que ao invés de verdes, são marrons. Cobertas de terra cor de caramelo e de pedras. Vegetação rasteira, espinhuda e nos vales, pequenos povoados, com algumas plantações em volta de poços de irrigação. Como os palestinos não possuem território, ocupam o território israelense, os "israelis" (é como os palestinos chamam os israelenses) são donos dos poços de irrigação. Eles verificam todas as semanas a quantidade de água que foi utilizada. Se a quota for ultrapassada as penalidades vão de multa a fechamento do poço. Um horror. Então, as plantações também são pequenas. Proporcionais à quantidade de água. Segundo os palestinos essa é uma das maneiras de se exterminar um povo.

     Subimos montanhas e atravessamos vales. Muitas pedras. Muitas ovelhas e seus pastores. A paisagem bíblica perfeita. Enfim! Era isso o que eu queria! Sentir que estava pisando o mesmo solo que Maria e José pisaram.  Fui pensando neles, José caminhando na frente segurando a rédea, Maria sacolejando no burrico, e na garupa, os sacos com a bagagem. Comecei a rezar. Minha reza consiste  em me lembrar das pessoas  da família próxima, dos parentes afastados, dos amigos que vejo com frequência, dos que vejo pouco, dos amigos que fiz e nunca mais vi, e até dos inimigos, que porventura eu tenha. Vou caminhando e me lembrando de todos, um a um. Desejei Verdade, Justiça, Paz e Amor para todos e para todos os povos também.

     Não me lembro de ter visto cenas mais pacíficas do que as ovelhas com seus pastores nos desertos da Palestina. Vimos inclusive um pastor conduzindo uma cáfila, com camelos jovens e alguns filhotes. Eles ficam espalhados por entre as pedras, comendo as ervas e mastigando. Aparentam ser tranquilíssimos.
     Achamos uma árvore. Paramos para o almoço. Nidal vai colhendo ervas pelo caminho e na hora do almoço, faz uma fogueira, ferve água e faz um chá. Nós nos sentamos no chão, comemos nossos lanches, e tomamos o chá.

     Cada um procura uma moita para fazer pipi. Eu procurei a minha, achei uma bem legal, um pouco afastada, não dava pra ninguém me ver. Fazer pipi com a mochila e a roupa de andarilha é uma atividade complicada. É preciso abrir a  mochila, pegar o papel, abrir a calça, desviar dos matos com espinho, abaixar cuidando para não perder o equilíbrio, e depois cuidar para que o pipi não atinja as pernas, nem a calça, nem as botas. São as únicas ocasiões na minha vida, que eu tenho inveja de homens. Quanta facilidade! Pois bem, eu estava tão concentrada nessa árdua tarefa que nem ouvi barulho nenhum, nem prestei atenção em qualquer outra coisa. Mas, eis que quando acabo de me limpar e de enterrar o papel, levanto a cabeça e vejo um camelo me olhando. Eu olhei pra cara dele, ele olhou pra minha, tivemos um momento de entendimento, ambos pensamos:
 - Somos diferentes, mas podemos  nos respeitar! - e também acho que ambos nos achamos recíprocamente simpáticos... Ele ficou me olhando enquanto eu subia a calça e fechava o zíper, deu até uma piscada com seus olhos cheios de cílios (camelos tem duas fileiras de cílios para proteção nas tempestades de areias) e continuou mascando seu chiclete de ervas. Eu também pisquei pra ele, pensando:
- Sou sua amiga... seja meu amigo também! -  Então, eu me despedi dele e voltei para o meu lugar no piquenique. Olhei pra trás, ele continuava parado, me olhando. Cruzar com uma cáfila é estranho. Fazer pipi com um camelo olhando, é surreal! Mas foi lindo!
     Os muçulmanos rezam cinco vezes por dia. E antes da reza, eles cantam chamando os fiéis para a oração. Por isso, as mesquitas tem torres bem altas. Eles sobem no alto das torres e cantam. As montanhas todas refletem o som, fazendo ecos, então essas cantorias são ouvidas a quilômetros de distância. Muitas vezes ouvimos esses cantos tristes, quando não havia nenhum povoado à vista. É impressionante. Ouvi dizer que as torres das mesquitas são assim altas para que o canto dos muçulmanos seja ouvido a longas distâncias.
     Esta era a região mais povoada dos templos bíblicos. Devia haver muitos viajantes nesta estrada. Todos com aquelas vestes longas, cabeça coberta, sandálias rústicas nos pés. Eu vou caminhando e pensando em tudo isso. Minha cabeça voa!
     Fez um tempo ótimo. Céu muito azul, nuvens de carneirinhos, Temperatura entre os doze e os vinte graus, ótimo para caminhar. Dias lindíssimos.

      Nidal, enquanto caminha, vai contando histórias sobre a ocupação dos "israelis". Fala que os palestinos querem conviver pacificamente com todas as religiões. Afinal, são todos árabes, e que cada religião é um caminho para se chegar a Deus, que é um só e protege igualmente judeus, cristãos e muçulmanos. A guerra é coisa de políticos. Diz também que os palestinos fazem distinção entre "israelis" (cidadãos de Israel) e judeus (fiéis da religião judaica). Os palestinos respeitam os judeus e dizem que até existem judeus vivendo pacificamente na Palestina, mas dizem também que os "israelis" não querem paz, não querem conviver com os palestinos, que os expulsam  de suas terras e os toleram somente na condição de refugiados.

     Em todos os contatos, os palestinos pedem ajuda. Dizem que os cidadãos elegem os governantes e os governantes podem votar favoravelmente a eles, na ONU. Um deles agradeceu ao povo brasileiro, pelo apoio à causa palestina. Mais uma vez, fiquei feliz por ter nascido num país cujo povo não tem ódio coletivo e atávico por outros povos, culturas, ou raças. A intolerância, quando existe, é pontual.
      Me lembrei do camelo. Apesar das diferenças, podemos conviver!

      Voce já pode dizer Eu li na tela da
                                                           Eulina

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