quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Noite de Natal

                
                                                                          
                                                            NOITE DE NATAL


                                                                                                                                    24/12/2012

     Em Zababdeh, passamos a noite na casa de palestinos. Era o que eu mais esperava, pois assim pudemos ver de perto e participar da vida deles. Fomos divididos em pequenos grupos e cada grupo ficou em uma casa. Andrea e eu ficamos na casa de uma família cristã.  Os italianos foram acomodados em três casas de  muçulmanos.

    A nossa família era cristã anglicana. As mulheres não cobriam os cabelos, usavam roupas ocidentais e sentaram-se à mesa conosco. O pai é enfermeiro, a mãe trabalha em casa, fazendo um serviço burocrático com computadores, além do serviço doméstico. Três crianças: uma menina de quatorze anos, e dois meninos um de oito e outro completou nove anos na noite do Natal. A casa, fica no último andar de um predinho. Nos andares inferiores, moram a avó, os tios as cunhadas e mais várias outras crianças.

    A  sala é grande, cheia de sofás e com uma das paredes coberta por uma estante, repleta de copos vasos xícaras, fotos, estatuetas, trabalhos de escola das crianças e diversos badulaques no gênero. Num canto, uma grande árvore de Natal, muito enfeitada. tudo muito brega, mas muito aconchegante.

    Chegamos depois de dezenove km. de caminhada, e logo nos foi oferecido um chá, com biscoitinhos natalinos feitos pela esposa. Ficamos na sala, conversando e comendo os biscoitos. Ela trouxe uma cesta de frutas também. Eu comi uma banana. O marido  nos conta como vivem oprimidos pelos "israelis", enquanto a esposa alterna a participação na conversa, com os preparativos para a festa de aniversário do filho. Com a diferença da língua local, são parecidos com qualquer família de classe média, moradora em algum bairro periférico da cidade de São Paulo, dessas que o Faustão mostra, nos domingos. São todos muito acolhedores. Podemos nos entender, porque todos falam inglês.  As crianças criam pássaros, nos mostram as gaiolas. Atitude contraditória, para quem se diz privado de direitos... Parece que nós despertamos mais a curiosidade deles, do que eles a nossa. Eles chamam os parentes e todos vem nos ver, perguntar de onde somos, o que estamos fazendo, e nos contam historias tristes sobre os "israelis". E sempre vão nos oferecendo mais comida.

     Até que alegando cansaço e vontade de tomar banho, fomos para o quarto das crianças, onde vamos dormir, nas duas camas, com pilhas de cobertores e uma infinidade de bichinhos de pelúcia. O banho foi complicado. A água quente sai de um chuveirinho daqueles de "telefoninho", que para nosso espanto, fica dependurado à altura da  cintura e toda vez que suspendemos, esfria. Então, para o banho ser quente, precisamos ficar de cócoras. Bem complicado. Não há box por isso a molhadeira é total. No canto há um rodo com um pano. Limpei tudo direitinho. Mas, um banho mesmo assim dificultoso, é sempre um banho! Depois de uma caminhada, então é joia!

     Banho tomado, roupa limpa, vamos jantar. Comida boa e farta, servida na cozinha. Fico olhando. Família bonita. Alguns comem muito, outros não comem, os pais insistem, a esposa senta-se conosco, mas come só um pouquinho. Mas todos são sorridentes e bem humorados. Falam muito, dá pra sentir o carinho entre eles.

     Depois da janta, começam a chegar os outros parentes: avô, avó, vários tios, tias, primos, muitas crianças, todos moram na mesma casa, nos outros andares. As crianças fazem folia. Todos cantam parabéns, o menino apaga as velinhas, e as mulheres servem enormes fatias de bolo, além dos biscoitos. Graças à minha diabetes, eu consegui comer só uma fatia bem pequena.  Andrea teve de comer dois imensos pedaços de bolo.

      Os palestinos falam muito, riem muito, são carinhosos uns com os outros. Casa cheia, crianças excitadas, os adultos nos explicam que daqui a pouco vai chegar o "Baba Noel".  Andrea e eu ficamos também excitadas e curiosas para ver o "Baba Noel"... aí, começamos a ouvir jingle bells, cantado em árabe, o som foi crescendo, crescendo até que entraram seis "Babas Noéis"! Um adulto, com um saco de brinquedos e outras cinco crianças, todos devidamente caracterizados, com fantasias rústicas, barbas de algodão,  tocando sinos, tambores e cantando. Eu entrei no clima de tal maneira, que quando percebi, estava pulando e batendo palmas, como todas as crianças. Olhei pra Andrea e ela também estava pulando e cantando.

     O "Baba Noel" adulto, abriu o saco e foi distribuindo um presente para cada criança. Brinquedos bem simples. Nenhum eletrônico. A menina adolescente, ganhou um guarda chuva! Um guarda chuva no deserto, deve ser uma raridade, porque ela ficou felicíssima, olhos brilhantes, abria e fechava o guarda chuva, andava pela sala com ele aberto, toda faceira. Os meninos ganharam bolas, que imediatamente começaram a jogar, aumentando a confusão. É o auge da festa! Todos falam ao mesmo tempo, falam alto, falam conosco, nos perguntam coisas, eu respondo, conto das festas de Natal no Brasil e Andrea conta das festas na Alemanha. Mas, durou pouco. Logo todos vão embora, porque vão à Missa do Galo.

     Andrea e eu vamos à Missa do Galo. Faz frio à noite, (o meu termômetro interno me diz que deve fazer uns doze graus centígrados). Então, além do meu casaco corta vento de peregrina, eu me enrolo na mantinha que roubei no avião. O casaco peregrino de Andrea é mais quente que o meu.  A  Missa segue o rito anglicano e é rezada em árabe, numa igreja situada num vilarejo no meio do deserto palestino! Que coisa! Inimaginável! Quase inacreditável!

   Como não dava para entender nada do que o padre dizia, e depois de dezenove km. de caminhada, muita comida, bolo, festa de aniversário e Baba Noel, cochilamos bastante, durante a missa. A certa altura, nos cutucaram, porque o padre estava falando em italiano, desejando as boas vindas para o grupo de peregrinos italianos. Ele não sabia que justamente nós duas não éramos italianas.

      Depois da missa, na frente da igreja, todos se confraternizam. Mais uma vez, somos a atração do evento. Todos nos cercam, nos olham, nos fazem perguntas. Voltamos para casa caminhando e ainda nos convidaram a visitar mais duas casas de parentes, onde entramos, sentamos, tomamos mais chá com biscoito. Numa das casas além do chá e biscoitos, nos serviram licor de cerejas e para petiscar, pepino em fatias! Que coisa!

     Depois de tanta agitação, tanta comilança e tantas emoções, chegamos em casa exaustas e finalmente dormimos feito anjos, no meio de um zoológico de pelúcia. Foi um Natal inesquecível!
                                                                  

                                                                 ***
     Voce já pode dizer Eu li na tela da
                                                       Eulina


   

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