segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Duma - Tenda de Beduinos

                               
                                                                         

                                                     DUMA - TENDA DE BEDUINOS



                                                                                                                                   28/12/2012

      Sabemos que o dia de hoje será difícil. Subidas e descidas íngremes, principalmente descidas. Vamos descer até abaixo do nível do mar. Poucos povoados. A região é a mais deserta de todas.

     Passamos por um empório, para comprar o lanche e eu novamente cheguei perto de uma mesquita pra ver como é por dentro. Vejo a cara preocupada do guia e de todos os homens que estão na rua. Eles todos suspiram aliviados quando eu saio de perto da porta.
     Por que mulheres não entram?  Onde as mulheres rezam?

     Lanche na mochila, partimos. Hoje temos dois guias. Nidal e um outro cujo nome não ouço direito e fico envergonhada de perguntar pela terceira vez. Mas ouvi contar que ele tem três mulheres e onze filhos! Uau! Como pode?

     Na subida eu vou bem. Bufo um pouco, como todos, mas não tenho maiores problemas. Mas na descida... eu cometi um erro enorme quando estava preparando minha bagagem de peregrina. Não olhei para a sola de minhas botas. Fiquei feliz de tê-las já há tempos e de serem tão confortáveis.  Mas não vi que as solas estão perigosamente carecas. Isso significa que para andar no plano e na subida, eu não tenho problemas. Mas na descida, quando todos os santos ajudam e o diabo empurra, as botas não me dão nenhuma segurança. Escorregam muito, principalmente se existem pedrinhas no chão. As pedrinhas são um perigo. E o que não falta são pedrinhas no chão das montanhas dos desertos da Palestina. Eu nem pude prestar muita atenção na paisagem, nem nas conversas. Fiquei concentrada no caminho. E a descida foi se tornando cada vez mais difícil. À certa altura, passamos a caminhar sobre o leito de um rio seco. Além das pedrinhas redondinhas no chão, há pedras enormes, em trechos que devem ser encachoeirados, quando há água. As pedras grandes requerem mais força, mais agilidade. Eu escorrego e caio três vezes e a cada vez, tenho que me levantar depressa e explicar a todos que eu estou bem, que não me machuquei, que estou em perfeitas condições de continuar, que não se preocupem. Mas eles se preocupam. Nidal passa a segurar as alças de minha mochila, o que me deixa ainda mais aflita. Ando um bom trecho com Nidal segurando as alças da mochila, como se fossem os arreios de um burrico. Fico pensando que agora, eu pareço o burrico que carregou Maria, sendo levado por José que segurava as rédeas. Não gostei. Pedi a Nidal que me desse a mão. Senti que para ele, pegar na mão de uma mulher, deve ser complicado. Mas eu estava realmente precisada de uma mão amiga. Sei lá o que ele deve ter pensado, mas pra mim foi tudo o que eu precisava para descer aquela montanha.

     Descemos, descemos, por entre pedras e pedregulhos, até que chegamos a uma planície. Soltei a mão de Nidal. Estamos quarenta metros abaixo do nível do mar! Depois de um tempo, chegamos a um acampamento de beduinos, povos nômades, que vivem nesta região da Palestina. Moram em tendas. São muito pobres. Os homens são pastores e as mulheres criam galinhas. Acho que eles vivem da renda proveniente dessas atividades. Como sempre há muitas crianças sorridentes, mas não há escolas. Para estudar, as crianças devem deixar o acampamento. Pela quantidade de crianças que vemos, acho que bem poucas vão à escola.

     Chegamos à tenda em que vamos dormir. É um barracão enorme, coberto de lona e plástico por fora, sendo que nas beiradas foram colocadas pedras para segurar o plástico, durante as ventanias. Por dentro, há cortinas e o chão é todo acarpetado. Tiramos as botas e andamos descalços dentro da tenda. Os beduinos fizeram uma grande roda ovalada no chão, com colchonetes. Cada colchonete tem um travesseiro. É onde vamos dormir. Muito mais confortável do que qualquer camping que eu conheço. Em um dos lados da tenda, há uma grande prateleira onde se encontram as famosas pilhas de cobertores. Eu escolho um lugar, coloco minha mochila do lado, estendo meu saco de dormir em cima do colchonete  e me sinto em casa!

     O banheiro merece um parágrafo especial. Fica longe, uns cem metros de distância. Consiste em uma parede de alvenaria, em forma de caracol, sem telhado. Inteiramente escondido, (para quem está do lado de fora), no centro do caracol,  fica um buraco com um vaso sanitário em cima, daqueles que a gente coloca os pés e fica agachada. Fedorento, porém limpinho.  Usei com gosto.

     Chegamos, arrumamos nossas coisas e saimos para conhecer o acampamento. As crianças vem atrás.
São várias tendas, que ficam em volta de um grande curral de ovelhas. Eu fico um tempão vendo os pastores e os cachorros recolherem as ovelhas no curral. As ovelhas bebês, não vão para as montanhas. Ficam o dia todo num pedaço cercado do curral.  Depois que as ovelhas adultas chegam, os pastores, especialmente as crianças, soltam as mães no curral dos filhotes. É um belíssimo espetáculo. Todos os filhotes berram muito e as mães ficam andando bem devagar, dando pequenos balidos e olhando para todos os lados, até que acham o seu filhote. Elas cheiram cheiram, dão uma lambidinha e os filhotes param de berrar e começam a mamar. Tudo isso dura uma meia hora, no máximo. É uma meia hora de puro encantamento.

     Estamos na hora do por do sol. É outro espetáculo glorioso. O céu da Palestina tem tons pastéis. Bem diferente das nossas berrantes cores tropicais. Lá ele vai se tingindo de rosa, laranja, vermelho escuro, roxo, mas sempre meio esfumaçado, não há contrastes, estamos olhando um tom de rosa, quando nos damos conta já é um vermelho, quase roxo e tudo isso se faz suavemente.
 Eu acho que essas ocasiões sempre merecem uma música. E a música aqui, seria a tão óbvia quanto suave Ave Maria de Gounod e não a bombástica Jesus é a Alegria dos Homens de Bach, mais apropriada para o por do sol no Pantanal de Mato Grosso do Sul... 

Pois bem, ficamos todos, alemã, italianos e eu, em um silêncio extasiado, admirando o sol se pôr atrás das montanhas desertas. E não acabou aí. O êxtase continuou, porque logo em seguida, o céu já quase escuro, passa a ficar avermelhado novamente e começa a aparecer a lua. A primeira beirada da lua é quase vermelha, depois ela vai crescendo, ficando alaranjada, e quando está quase inteira, fica amarela. Esse amarelo vai clareando, até que ela fica inteiramente prateada. É noite de lua cheia!
     Como diz o Gil: "...do luar...  não há nada mais a dizer... o luar... é preciso ver o luar".
     Que bom que eu vi o luar  no deserto!

     Hoje, não há banho. Ficamos todos na tenda. Algumas das italianas jogam cartas: Porca miseria! Mamma mia!   Caspita!   Aspecta un attimo!  São engraçadas as italianas.

     Andrea fica rodeada de crianças. Chego perto. As crianças não falam inglês e ela não fala árabe. Mas eles se entendem. Fazem gestos, emitem sons, fazem mímica e dão muita risada... Antonia e eu vamos dar uma volta à luz da lua. Chegamos numa tenda. Uma mulher com suas longas roupas e o véu negro, mexe numa panela sobre um braseiro, dentro de uma tenda. Reparamos que ela segura seu pulso e faz uma cara de dor. Falamos em todas as línguas que conseguimos e descobrimos que ela machucou o pulso. Eu tenho uma pomada espírita do Vovô Pedro e Atonia tem uma atadura. Vamos para a nossa tenda e voltamos com a pomada e a atadura. A mulher nos espera. Eu passo a pomada e fico massageando seu pulso, até ela sorrir e acenar com a cabeça. Então Antonia vai enrolando a atadura, suavemente, até ficar bem firme. Ela sorri bastante. Acho que está agradecendo.

       Estamos abaixo do nível do mar e está uma temperatura agradável, mas Nidal disse que de madrugada vai fazer frio.Voltamos para a nossa tenda. Temos que ficar esperando o jantar. Acendemos nossas lanternas. Imagino uma produção complicada, com panelas de comida, bebida, pratos e copos, e provavelmente uma mesa, para acomodar tudo... mas, pelo contrário, vieram duas travessas, redondas e enormes, cobertas por um pano, que parecia uma lona. Uma criança nos deu colheres, uma para cada um e uma latinha de refrigerante.

    Falaram que devíamos nos sentar nos colchonetes. Os colchonetes estão colocados de forma oval, então eles colocaram as travessas nas extremidades e para nosso espento, Nidal nos disse para  tirar, rasgar e comer o pano! Na verdade, o pano é um tipo de pão, do qual a gente rasga um pedaço e come. Em baixo do pão, está uma grande quantidade de arroz, com especiarias e vários pedaços de frango, que devemos comer com as mãos. O arroz se come com a colher. Que delicia de comida! E que delicia comer assim, partilhando o mesmo prato, no centro da tenda à luz das lanternas! Nidal explicou que as beduinas nunca sabem a que horas os pastores (seus maridos ou filhos) vão chegar, então preparam a comida, cobrem com o pão e deixam no braseiro. Assim, os homens sempre comem comida quentinha.

     Dormi feito um anjo. Levantei à noite para ir ao banheiro, nem precisei da lanterna. Fiz pipi à luz da lua.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                              Eulina

     

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Essa deve ter sido uma experiência impar COM TODA CERTEZA! Quando será o próximo post?

    Abraços.

    Leonardo Silva

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  3. Olá Leonardo!
    Realmente, foi uma experiência ímpar. Não só essa, como todas as que relatei. Ainda tenho muitas outras experiências para contar, pretendo contá-las uma ou duas vezes por semana. Continue comentando, que eu acho ótimo.
    Como se faz para comentar? Outras pessoas me perguntam e eu não sei responder.
    Maria Eulina

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