quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Zababdeh - Fara'a

                                             


                                                              ZABABDEH - FARA'A


                                                                                                                  25/12/2012

     Depois de um lauto café da manhã, e de nos despedirmos da nossa família hospedeira, nós nos dirigimos ao ponto de encontro do grupo e reiniciamos a caminhada. Andamos por algumas ruas de Zababdeh e logo chegamos às páginas da Bíblia. Passamos por plantações de vegetais, com aquele sistema de irrigação vigiada pelos "israelis" e as sempre presentes oliveiras. Esta zona é a mais fértil e mais verde do deserto. O celeiro da Palestina.

     Logo ao deixarmos a cidade, no meio da estrada, passamos por um grupo de homens, ao lado de um caminhão, carregando cartazes, falando palavras de ordem, com expressões sérias, porém rodeados por muitas crianças (meninos) sorridentes. Chegamos perto. Nidal foi falar com eles. Os homens muçulmanos se vestem como ocidentais, com a diferença de que sempre estão de cabeça coberta por um gorro, ou pelo turbante do Arafat. Suas roupas são sempre sérias e escuras. Ficamos todos curiosos, à espera das informações de Nidal, enquanto conversamos com os meninos que nos cercam, perguntando coisas e ouvindo as respostas num inglês estropiado. Eles riem de tudo o que dizemos, perguntam nosso nome, falam, falam, pena que não conseguimos entender quase nada...

     Nidal volta com as informações: estamos perto de um grande poste, onde ficam todas as ligações dos fios palestinos, por onde corre a energia que abastece a cidade. Hoje à tarde, vão cortar esses fios e ligá-los à  energia que vem de Israel. Para que seja usada a sua energia, Israel nomeou representantes, responsáveis pela questão, em cada cidade, pois não aceita os representantes já eleitos pelos palestinos. Essa exigência é considerada mais uma demonstração de dominação. Por isso, fazem a manifestação. Nós deixamos claro o nosso apoio, desejamos a todos boa sorte e continuamos a caminhar. Os meninos nos seguem durante um tempão, gritando nossos nomes.

     Ao passarmos por um outro vilarejo, Andrea vê um muro coberto de flores. Não resiste, colhe uma, pendura em sua mochila, depois me dá outra. Uma senhora muçulmana, toda de preto está parada no portão, perto das flores. Ela vai até lá - eu acho que vai dar bronca -  ao invés, colhe várias flores e me dá, sorrindo. Eu sorrio de volta, agradeço e distribuo as flores entre os italianos. Então a mulher chamou outra mais jovem, veio também um senhor e logo apareceu um grande bule com café fumegando e copinhos de papel. Nós todos nos reunimos, ali mesmo na rua, tomamos o café e ficamos falando, cada um a sua língua, mas todos nos entendemos e confraternizamos. Foi um belo momento.

     Pé na estrada novamente. Hoje não há camelos, mas nos deparamos com vários burricos, sendo que dois deles fazem um dueto de "hiii hooommm", em nossa homenagem. E também vemos vários pastores com suas ovelhas, enfeitando a paisagem.

     Vou conversando com Nidal. Ele me conta sobre uma estrada que foi planejada para ligar todos os povos árabes. Essa estrada foi iniciada, (acho que no Egito) mas atualmente está paralisada, em virtude das exigências dos "israelis", no sentido de que seja uma rodovia larga, de várias pistas, cruzando o deserto. Acontece que a rodovia está projetada para passar no meio das plantações que ficam próximas às cidades palestinas. As plantações seriam destruídas deixando os povoados sem meios de abastecimento. Os palestinos desejam várias pequenas estradas, interligadas, passando pelas cidades e povoados, de maneira que não afetem as plantações e não causem problemas ecológicos. Após muita polêmica, a construção foi suspensa. Os palestinos dizem que essa estrada é uma das muitas maneiras de extermínio de um povo, já que sem ter onde plantar, eles não teriam o que comer.

     Converso com os italianos. Eu entendo um pouco de italiano e eles entendem  um pouco de português, quando falamos devagar. Dá trabalho, mas a comunicação é  possível. E sempre há alguém para traduzir tudo para o inglês. Eles são muito engraçados, tudo é motivo para piadas e risadas.  Andrea e eu rimos também. Formamos um grupo de alto astral. Caminhamos felizes.

     Muitas subidas e descidas pelas dunas do deserto, e lá se foram nossos quinze quilômetros bíblicos, de hoje. Chegamos à cidade de Fara'a. Ruas muito estreitas, ladeiras, muita gente nas ruas, o mesmo modelito de cidade já descrito. Novamente fomos divididos em pequenos grupos. Andrea, Giacomo e eu vamos para a casa de uma família muçulmana. É a minha primeira família muçulmana. Estou ansiosa para ver como é.

     Vamos de carro. Subimos muitas ladeiras assustadoras e becos idem. Quando vem um carro na outra direção, temos que dar marcha a ré, ou parar em algum canto apertado, para que o outro carro passe. Enfim, chegamos. Uma porta estreita e uma longa escada. Nos patamares da escada, há sempre alguma criança nos olhando com olhos curiosos e sorridentes. Vou sorrindo para elas também. No terceiro andar, está a mãe. Vestida com uma saia longa, uma bata do mesmo tecido cinza com estampa de florzinhas miúdas e um véu na cabeça. Jovem, bonita, aparenta ter pouco mais de vinte anos. Eu achava que ela era filha, mas nos foi apresentada como a esposa. Entramos e nos sentamos numa sala pequena cheia de sofás. Na parede, uma foto emoldurada do Arafat.

      O dono da casa leva nossa bagagem e nós ficamos nessa sala, onde a mulher traz o chá e café com tâmaras. O café é delicioso tem o pó depositado no fundo da xícara e não tem açúcar. Pra adoçar, cada gole deve ser tomado com uma pequena mordida na tâmara. Então, ficamos à espera do marido, de um irmão do marido e dos cinco filhos. A filha mais velha tem quinze anos, já usa véu. A mãe tem só trinta e dois anos. Aparenta bem menos. São todos muito bonitos. Têm olhos azuis escuros, cheios de cílios bem negros. Um menina de dez anos é a mais comunicativa. Consegue falar um pouco de inglês. Eu ainda tenho uma flor das que ganhei na estrada. Dei a flor pra menina. Foi lindo ver o seu sorriso!

     Ficamos todos na sala, conversando. Eles contam histórias sobre a vida deles e sobre os "israelis". Servem mais uma rodada de chá e café com tâmaras. Eu como muitas tâmaras. Adoro. Depois nos levam até a laje, para ver o por do sol. Da laje, além do varal com as roupas compridas e os véus,  dá pra ver o sol se escondendo atrás das montanhas. Muito lindo.

      Até que atendendo aos nossos pedidos, nos mostram os quartos onde vamos ficar. A casa parece pequena por fora, mas é grande e espaçosa. Há uma sala grande, sem móveis, com o chão coberto de tapetes e almofadas. Ambiente das novelas da Gloria Peres, só que sem o luxo. Andrea e eu ficamos no quarto das meninas. Giacomo, no quarto dos meninos. Eu pensei por um momento que dormiríamos no chão, mas há camas, e pilhas de cobertores. Arrumamos nossas coisas e enfrentamos o banho. Mas este banho é bem mais tranquilo do que o último. Chuveiro na altura normal e em cima de uma banheira. Não fizemos molhadeira. Mas... nem tudo é perfeito. A água é quase fria.

     Jantamos só nós três, na cozinha. Não sei onde a família janta. Comida muito boa, feita na hora pela mãe. Enquanto ela prepara a comida, ficamos na sala dos tapetes, sentados nas almofadas, conversando com as crianças. Eles fazem as tarefas escolares. Olhamos os cadernos, todos "de trás pra diante", escritos com aquelas letras... aliás, a tela e o teclado do computador também tem aquelas letras. Não sei porque me espanto tanto, afinal é a língua deles... mas que é esquisito, é. O pai chega e liga a TV. Coloca um vídeo com música. As crianças dançam, nós entramos na dança também. Fazemos uma grande roda. Alegria geral, muito bom! Todos dançam, menos a mãe. Foi legal, mas, por que ela não dançou conosco?

     Depois da janta, fomos novamente para a sala dos sofás e começaram a chegar o avô, a avó, os tios, cunhados, primos, etc., todos querendo nos ver, perguntar coisas sobre nossos países e contar coisas sobre a Palestina. Um deles manifestou sua gratidão ao povo brasileiro porque elegeu uma mulher que defendeu a causa palestina na ONU. Que bom ser brasileira! Papo muito interessante, mas estávamos muito cansados.

     Enfim, Andrea e eu fomos dormir, soterradas pelos cobertores pesadíssimos, ficamos quentinhas. Dormimos bem, apesar de não conseguirmos nos mexer. Perguntei a Giacomo ele disse que também dormiu esmagado por uma pilha de cobertores. Não sei onde dormiram as crianças.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                            Eulina
   

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