quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ainda Jericó - Mar Morto ~A cerveja

                                                              


                                                           JERICÓ - MAR MORTO


                                                                                                                                     29/12/12


     Vamos todos ao Mar Morto. Todos com seus trajes de banho por baixo.
     Saímos da cidade. O micro ônibus vai por uma bela estrada larga e asfaltada. Estamos em território israelense. Passamos por carros novos, avistamos terras férteis. Tudo muito diferente. Chegamos num balneário. Entrada por um jardim, caminhos floridos, passamos por lojinhas, restaurantes e depois de descer uma escada, vestiários. Os frequentadores são na maioria loiros, altos, creio que americanos, franceses e alemães.

    Descemos as escadas e chegamos em uma grande praia. Apesar de ser inverno, está calor. Estamos quatrocentos metros abaixo do nível do mar! Na areia da praia ficam cadeiras e guarda sóis. Olho em volta. Se me mostrassem uma fotografia deste local, eu iria achar que era alguma praia do nordeste brasileiro ou do Caribe. Não tão bonita, mas parecida.

     Os homens entram no mar. As italianas ficam nas cadeiras, com exceção de Antonia e Katia que entram também. Eu entro na água. Esperava que fosse mais gelada.  É  quase sem ondas e a água tem temperatura agradável. Mas o chão... ah, o chão é coberto por uma lama preta grudenta e movediça. Eu ando, ando e não saio do lugar, é difícil tirar o pé do chão. Os pés vão afundando na lama. Olho em volta, vejo uma porção de gente se lambuzando com a areia. Ficam todos negros.

      Eu não consigo andar direito, continuo engatinhando, até chegar numa altura em que a água fica acima de minha cintura. Então, eu boio. Dá pra ficar sentada  na superfície. É engraçado, dá pra curtir,  mas a lama preta é nojenta. Me fa squiffo, como dizem os italianos. Só agora percebo que as pessoas pretas que vi são  Giacomo e  Nidal que parecem se divertir muito, pois dão muitas risadas. Eu continuo sentada na água, olhando, sem achar nada de graça e me sentindo melada com toda aquela lama preta. Afe!

     Eu não aguento por muito tempo, me arrasto penosamente até a praia e depois de cambalear sobre a lama movediça chego à praia e me dirijo imediatamente a um dos chuveiros que ficam na areia. Fico um pouco com as italianas nas cadeiras e logo vou para o vestiário. Em seguida, saímos da praia,  passamos pelas lojinhas, onde se vendem, entre as onipresentes "lembrancinhas",  frascos de lama preta, que dizem fazer bem pra pele - argh!
 
     Eu resolvo dar uma volta pelos arredores, enquanto espero o resto do pessoal. Num carrinho, parecido  pipoqueiro, um rapaz vende tâmaras. Eu compro uma caixa. O rapaz vê a camisa amarela tipo seleção brasileira e, para meu espanto, começa a cantar:
      "Ai se eu te pego, delícia, delícia!"
       Ele capricha na coreografia! Meu Deus, que coisa! Até aqui! Tanta música brasileira boa e eu ouço logo essa!

      Antes de voltar ao hotel, o ônibus passa pelo centro de uma pequena vila, para que possamos dar uma volta a pé e conhecer o local. Parece uma típica cidadezinha de praia, dessas que existem em países ocidentais. A grande diferença, além da língua falada, são as letras nos cartazes das lojas. A maioria das pessoas se veste à maneira ocidental. Há uma pracinha, com um coreto no centro, e sinais de trânsito nas ruas em volta. As ruas  de comércio são muito parecidas com a Vinte e Cinco de Março ou a José Paulino, em Sampa. Lojas pequenas, apinhadas de gente, cheias de mercadorias dependuradas no teto. Numa delas, eu entro e compro um pano "Arafat".

     Pequenos restaurantes, cheirando a gordura, com o cardápio do dia escrito numa lousa, na entrada. Nós tomamos suco de romã, abundante e delicioso. Uma curiosidade: os restaurantes colocam mesinhas na calçada, e em cima delas, fica um narguilé. Vários velhinhos (só velhinhos) estão sentados em volta fumando e conversando. É uma espécie de happy hour. 
     Tudo tão diferente das paisagens bíblicas às quais estávamos acostumados!

                                                                        ***
     Voltamos para o hotel. Banho demorado, com shampuzinho, condicionador, potinho de creme, tudo o que tenho direito. Roupa limpa, me sinto revigorada, novinha em folha.
    O restaurante como tudo neste hotel é grande e bonito. Comidas caprichosamente decoradas, expostas numa mesa enorme. Nós nos servimos e nos sentamos a uma mesa. Nidal virá jantar conosco. Estamos todos alegres e pedimos cerveja. Nidal chega e conversamos um pouco. Nidal fala que somos um ótimo grupo e que ele se sente amigo de todos nós. Eu digo que nós pedimos cerveja e queremos brindar com ele. Estamos todos em clima de festa, nos preparando para um brinde, e levamos um susto quando Nidal disse:
     - Se voces forem tomar cerveja, eu mudo de mesa! 
     - Por que?  - eu não estou acreditando direito, acho que é um tipo de brincadeira, sei lá... 
     - Porque eu sou proibido de me sentar à mesa com alguem que toma bebida alcoólica - brilho de aço no olhar.  
     Eu acho absurdo, acho difícil de acreditar, não pode ser verdade... os italianos desandam a falar, falar, eu acho mesmo que é um tipo de brincadeira. O garçom fica parado esperando. Eu mantenho o meu pedido. O garçom vai embora e os italianos continuam falando. Nidal está em silêncio.
     O garçom volta com as bebidas. Eu gelei quando vi várias garrafas de refrigerante e só uma cerveja, a minha. Não era brincadeira! Os italianos cancelaram a cerveja. Obedeceram  Nidal, aos preceitos da religião de Nidal!  Afinal estamos na terra dele... disseram. E eu? Fiquei com cara de transgressora. Fiquei sem saber o que fazer. Se eu tivesse entendido a discussão dos italianos que resultou no  cancelamento do pedido, eu provavelmente também teria, muito a contragosto, cancelado a minha cerveja.
      Mas não foi o que aconteceu. Eu mantive o pedido, agora não sabia o que fazer! O constrangimento foi geral! Nidal fechou a cara e eu não tenho coragem de tomar a cerveja. Comemos todos em silêncio. Aquele que seria um jantar agradável, com um brinde às nossas aventuras, se transformou numa situação altamente desconfortável para todos e especialmente para mim, que não consegui tomar a cerveja, sentada ao lado de Nidal, de cara amarrada. Como em silêncio enquanto observo a cerveja degelar suando a garrafa, na minha frente. Até que uma das italianas, a Donata veio pegar a garrafa e a levou para a outra ponta da mesa, longe de Nidal.
     Quando acabei de comer, peguei a garrafa, e mudei de mesa para tomar sozinha a cerveja quente! Foi horrível!
     Depois que Nidal foi embora, os italianos todos começaram a falar ao mesmo tempo, discutindo e analisando a situação. Tentei participar, mas eles estavam exaltados e falavam muito depressa, eu não consegui acompanhar. Mas deu pra entender que eles também não aprovam a conduta de Nidal. Não sei o que pensaram de mim, mas não deve ter sido nada muito ruim, porque continuaram a me tratar da mesma maneira.
     Eu  fui dormir impressionada com o brilho gelado nos olhos de Nidal, com a intolerância de seus preceitos religiosos e com o absurdo da situação!
     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                               Eulina  
   
     
     
   

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