sábado, 16 de fevereiro de 2013

Nablus - Duma

                                                                                                  



                                                            NABLUS - DUMA


                                                                                                                                          27/12/12

     Café da manhã no hotel. Farto, como todos.
     Malas no carro de apoio, saímos caminhando. Primeiro, andamos pela cidade. Nidal nos leva para ver o mercado, pela manhã. O mercado é enorme e já amanhece confuso. Vendem-se desde móveis, eletrodomésticos, roupas, brinquedos, aparelhos eletrônicos,  utilidades domésticas, até grãos, frutas verduras, ervas, etc. E todos gritam e berram anunciando suas mercadorias. Fica na cidade velha, dentro de muros e tem inúmeros becos, vielas, pracinhas, tudo coberto por toldos. Cheio de sons, cheiros, cores e  gentes... tinha até uma loja com a bandeira do Brasil!

     Se a intenção era nos fazer gastar dinheiro no mercado, foi frustrada. Nem a alemã, nem os italianos e muito menos eu, compramos coisas. Olhamos tudo, com o maior interesse, Comentamos muito, falamos nossas línguas misturadas... mas não compramos.

     Nidal compra as coisas para o lanche do caminho e vamos  novamente por o pé na estrada.
     Ah! Que delícia a estrada, que bom estar nas montanhas! Tanta paz, depois da balburdia do mercado...      Vou caminhando, feliz, me lembrando de todos os amigos. Acho que me lembrei de todos mesmo.

      É engraçado, uma lembrança puxa outra. Comecei por lembrar dos meus pais, do tempo em que morava no Rio, meus colegas de infância no Externato Coração Eucarístico de Jesus, depois do Sacré Coeur, em São Paulo, do Clube Pinheiros, do Clube Paulistano, do Ginásio N. S. do Brasil, do Mackenzie, primeiro Secretariado e depois a Faculdade de Direito, da União Cultural Brasil Estados Unidos. Tudo isso, sem falar da família do Rio, na de Sampa, na de Mato Grosso do Sul, na Fazenda Rancho Alegre, onde passava as férias, na família da Bahia, nas empregadas domésticas com as quais convivi em minha casa ou em casa de parentes, dos amigos que fiz em viagens, dos que fiz enquanto era casada, dos que fiz logo depois de me separar, do ex-marido, dos namorados, dos paqueras, dos "casos",  dos amigos peregrinos, dos que fazem terapia comigo, dos que fazem artesanato, dos escritores amigos do curso antroposófico de escrita criativa, dos que trabalharam comigo em escritórios de advocacia, na escola/agência Yufon, no Jornal do Brooklin,  na Prefeitura, Freguesia do Ó, Butantã, Sto. Amaro, Campo Limpo, HABI e RESOLO... lembrei também dos vizinhos, do Rio, e em Sampa na Tucumã, no Butantã e na Vila Sonia.  E tem um capítulo especial para as filhas: eu me lembrei de cada uma delas, desde que nasceu, quando eram bebês, quando começaram a ir para a escola, me lembrei de suas gracinhas, de suas travessuras, de  seus amiguinhos de seus acidentes, dos sustos, das brigas, das alegrias, dos abraços e beijos. Muito boas lembranças!
     Vou andando e me lembrando... às vezes dou risada, as lembranças são engraçadas, às vezes sinto um peso no coração. Maus momentos, pessoas que me fizeram sofrer e pessoas que já morreram. Tentei ser democrática nas orações. Desejei Verdade, Justiça, Paz e Amor a todos, sem exceção.
     Credo! Acho que estou ficando carola, rezando tanto! Minha finada tia freira, Madre São Luiz, teria achado lindo!

     Hoje a caminhada é mais suave, as subidas e descidas não são tão íngremes, por isso deu pra ligar o "piloto automático", ou seja, as pernas andam, enquanto a cabeça voa. Enfrentamos novamente a prazerosa rotina do deserto: admiramos as montanhas, passamos pelo pastores, pelos burricos, almoçamos no campo e tomamos chá de ervas, fazemos pipi nas moitas olhamos as nuvens, ouvimos os cânticos muçulmanos... e voamos...
     "O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar..."

    Avistamos ao longe, uma grande construção no alto de uma das montanhas, que Nidal nos informou ser a Universidade da Palestina. Seu filho mais velho estuda lá.

   Chegamos a Duma que é um vilarejo, um pouco diferente. As ruas são mais largas e menos tortuosas. Paramos em um local, na entrada da cidade onde  vários carros nos esperam. Novamente fomos divididos em pequenos grupos. Eu fiquei num grupo com duas italianas Katia e Francesca além da Andrea. Subimos mais uma ladeira e chegamos numa casa grande casa térrea.  O dono da casa nos recebe e nos leva até uma sala bem grande, dividida ao meio. Na metade perto da porta, ficam dois grandes sofás, com uma mesa no centro. Na outra metade, ficam quatro camas e as tradicionais pilhas de cobertores. É onde vamos dormir. A sala é cheia de cortinas em todas as paredes. A um canto, uma mesinha, com várias fotos emolduradas. A maior é de um irmão do dono da casa, que foi morto num combate com os "israelis". Aliás, nas outras casas em que ficamos, também havia fotos de parentes mortos pelos "israelis".

     Como sempre, chegamos e nos sentamos no sofá, com o pai, que chama os outros filhos. São quatro.
E ficamos todos conversando. Essa família foi mais light, não contou tantas histórias tristes. A filha mais velha, tem por volta de 18 anos, veio de véu e estuda jornalismo na universidade que vimos no caminho. Um menino aparentando uns 14 anos ficou falando de futebol comigo. Ele disse que gostava de jogar e era fã de Cacá, Romario, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, que ele custou muito a pronunciar e eu custei a entender. Os  filhos mais novos eram mais tímidos, quase não falaram. A menina mais nova trouxe o chá e ficamos todos na sala, menos a mãe.

     Depois do papo, o banho. O chuveiro, no meio do  banheiro, era suficientemente quente, mas a água espirrava  na horizontal, em todos os sentidos, menos em cima da cabeça. Andrea tomou o banho circulando em volta do chuveiro. Eu resolvi o assunto. Desatarraxei o chuveiro e a água passou a sair direto do cano. Avisei a Katia, que tomou banho por último e ela atarraxou o chuveiro novamente.

     Depois do banho, o jantar. Sempre farto e desta vez, servido só para nós na mesa da nossa sala/quarto, encortinada. Os filhos se revezavam para trazer as comidas, mas não se sentaram conosco. Depois que jantamos fomos até a grande e escura cozinha, onde conhecemos a mãe. Atarefada no fogão e na pia. Ela não fala inglês. A filha mais velha serve de intérprete. Sem muita serventia, porque ela nada falou além de seu nome e dos agradecimentos aos nossos elogios à sua comida. A filha maior, tirou o véu. Tem longos, lisos, lindos e negros cabelos.

     Quando o pai chega, a mãe lhe serve um prato. Serve outro a um tio que chegou também. Parece que o restante da família já jantou.  Faz frio. A um canto da cozinha, há um braseiro, rodeado de almofadas, na frente de uma TV, que apresenta o noticiário local. Al Jazeera. Não dá pra entender nada. Eu tento conversar com as crianças, mas não tenho assunto. Andrea consegue. Conversa com o menino e depois com a futura jornalista. Ela diz que pretende fazer pós graduação nos Estados Unidos, que já tem um primo que estuda lá. Observo a mãe, ela olha para a filha, com olhos bem tristes. Vai perder a companhia. Fico pensando em quantas dificuldades essa menina vai encontrar para realizar esse sonho. Rezo pra ela também.

     Dei para a mãe um brochinho com a bandeira do Brasil, foi a única vez que a vi sorrir. No dia seguinte, na hora das despedidas, o menino que gosta de futebol, me deu um brochinho com a bandeira da Palestina. Deu e saiu correndo envergonhado, nem viu o meu sorriso e nem ouviu o meu agradecimento.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                                            Eulina

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