sexta-feira, 21 de outubro de 2022

 


                                                ALMOÇOS E JANTARES


Um passarinho entrou na sala. Pousou em cima de uma poltrona e ficou quietinho. Em seguida, veio a gatinha da Sara. Estava toda arrepiada e se preparava para dar o bote. Mas eu cheguei antes! Peguei o passarinho, tão pequenininho, senti seu coraçãozinho batendo forte. Ele me bicou, arranhou meu dedo. Eu o levei para a varanda, ele se soltou e voou sem olhar pra trás. A gatinha me olhou feio. Roubei seu almoço. Me vinguei do omelete.

                                                                          ***

Eu me referi várias vezes ao mercado. Não é uma construção, cheia de mercadorias arrumadas em vários balcões. É difícil descrevê-lo, mas eu vou tentar. São três ruas, vielas ou becos, bem estreitas, por onde só passam pedestres. As ruas são inteiramente ocupadas por lojinhas muito pequenas, muito coloridas, completamente abarrotadas com todos os tipos de mercadorias, alguns bares, empórios, salões de beleza, serviços eletrônicos, alfaiates, etc.  Vendem-se roupas, comidas, material de construção, existem até casas de câmbio, onde troquei meus dólares por meticais (moeda local).Tudo junto e misturado. É uma parafernália fenomenal de cheiros, cores, sons, e gente, muita gente. Mulheres vendedoras, vestindo capulanas e com os filhos nas costas... Homens apregoando suas mercadorias, crianças ajudando os pais no comércio... Tudo muito interessante. Na rua lateral ficam os restaurantes, perto de um grande braseiro, situado numa esquina, onde se assam as carnes... não sei como as pessoas não tropeçam no fogo e não se queimam! Na frente, fica uma espécie de feira livre, com frutas, verduras, legumes, ovos e ervas. Eu fui ao mercado todos os dias, para comprar alguma coisa, para comer num dos restaurantes, ou apenas para ver tudo. Adorei ficar passeando pela vielas e apreciando o caos organizado moçambicano.

                                                                        ***

A casa da Sara fica bem pertinho da praia. Fui caminhar quase todos os dias pela areia fofa. E nas partes menos frequentadas, a areia canta, tal qual a de Juqueí. Mas o oceano Índico, enquanto eu estive lá, era gelado. Só molhei até a canela. Não me atrevi a entrar. Venta muito! O vento faz barulho, encobre o barulho das ondas quebrando na praia. O barulho é contínuo, como se fosse um rio passando por entre pedras. Ponta do Ouro fica bem ao sul de Moçambique e é rota de baleias, que vêm ter seus filhotes na frente da praia. Então, se observamos o mar, podemos ver, com certa frequência,  as baleias brincando com seus filhotes, fazendo aquele esguicho. Dava pra ver da minha varandinha. Pena que eu não tinha binóculos.

                                                                        ***

Um dia, Gabriel, Rômulo e eu fomos almoçar num restaurante chamado Safari, que fica no topo de uma pequena elevação, no extremo sul da praia, quase na fronteira com a África do Sul. Foi uma linda caminhada de uns quarenta minutos nas areias da praia, ouvindo o barulho das ondas, quebrando nas pedras... depois um almoço bem gostoso, regado à cerveja local. Nós nos sentamos perto de uma grande janela, de onde ficamos observando as baleias brincando de esguichar água nos filhotes, enquanto o papo corria solto, bem gostoso... Na volta, viemos por uma estradinha bem cheia de árvores e plantas menores, que passa por um bairro distante da praia, onde ficam as casas modestas dos moçambicanos. Foi um dia perfeito! 

                                                                      ***

A Sara tinha convidados quase todos os dias. Era impossível passar por sua varanda, sem que ela me convidasse para um chá, uma cerveja, um petisco... Seus convidados eram sempre interessantes. Lá todos falavam inglês. Um dia, ela me chamou para uma festinha. Um jantar muito gostoso, com muita gente alegre... quase eufóricos. Reparei que vários tinham um objeto parecido com aqueles pimenteiros para pimenta do reino, onde se colocam os grãos, e depois de girar a tampinha, a pimenta vira pó. Pois bem, eles tinham esse moedor. E fabricaram vários cigarros com  as ervinhas moídas. Me ofereceram, eu não aceitei e perguntei se o fumo era permitido. Eles me responderam rindo que em Moçambique não, mas todo mundo tinha... e na casa da Sara era permitido.  Daí a pouco, a Sara veio com um saquinho cheio de cogumelos secos e me ofereceu um. Eu disse que não conhecia, nunca tinha experimentado, que no Brasil não tinha. Ela respondeu:

- This is imported from Brazil!

Fiquei toda sem jeito e acabei aceitando um pedacinho, bem pequeno. E, enfrentei os olhares atentos de todos, durante o jantar... Mas não aconteceu nada comigo. Só senti muito sono. Dei uma de cachorro magro. Acabei de jantar e fui dormir. Tive belos sonhos, dos quais não me lembro. Só me lembro de que acordei muito bem.

                                                                     ***

Um dia, depois de um jantar na casa da Sara, um dos convidados, um jovem bonito, de uns vinte e poucos anos, depois de algumas cervejas e de alguns cigarros feitos com o conteúdo dos potinhos moedores, começou a conversar comigo. Ele é africano do sul e conhecia Florianópolis, porque já tinha ido surfar lá. E continuou falando. Eu pedi pra ele falar devagar, umas três vezes. Não adiantou. Eu desisti. E ele falava, falava, eu entendia uns fiapos de pensamentos, ele estava falando sobre o mundo atual, sobre a solidão das pessoas... acho que era isso, e eu não sabia o que responder, só ficava olhando pra ele e pensando, um moço tão bonito, tão triste... e eu pensava o que posso dizer? Não entendo nada desse papo... a outra convidada foi embora e eu querendo ir embora também, mas o moço não parava de falar, e eu sem saber o que dizer... que situação! Então eu disse:

- Sometimes, life is very difficult, isn!t it?

Pra quê? Foi pior! Aí ele começou a falar da infância, dos pais... e eu fiquei mais aflita ainda, mais sem respostas pra ele... Mas a Sara, percebeu minha aflição e começou a tirar a mesa, os pratos talheres, e eu me ofereci para ajudar. Limpamos a mesa, enquanto o moço tomava mais uma cerveja. ao final, eu me despedi. Não sei como a Sara fez para dar boa noite para o rapaz. Ele estava hospedado lá mesmo, no quarto em baixo do meu. No dia seguinte, logo que acordei, senti o cheiro do cigarro do rapaz. Ele começou cedo. Muito triste.

                                                                   ***

Na última noite que passei lá, a mãe de uma das meninas do surf ofereceu um jantar na casa dela. Presentes, a mãe, o pai, duas irmãs, um irmão maior e outro de três aninhos, lindinho, bem pretinho, carequinha, a gente só via o branco dos olhos e o grande sorriso malandro! Seu nome é John Lennon! Mais uma tia e um bebê, filho da tia! Família completa! Família linda! Alegres, falantes, calorosos. Prepararam uma comida típica que é uma espécie de purê de mandioca, com molho de tomate, frango assado e uma carne moída cosida com gengibre, tomate e  (uau!) bastante pimenta. Eu repeti tudo, menos a carne com pimenta. Antes de servir a janta, a tia trouxe uma pequena bacia, uma jarra com água e uma toalha, para que nós  lavássemos as mãos. É o costume local, uma vez que todos comem as carnes com as mãos. Adorei conhecer a família! A casa pequena, com uma varanda onde foi posta a mesa. Tudo muito simples, mas tão rico, tão cheio de amor! 

                                                                   ***

Finalmente, chegou o dia de ir embora. O último almoço com Gabriel e Rômulo. Eles me deram uma mini pranchinha de surf, com meu nome gravado, que agora está orgulhosamente enfeitando minha estante de livros e lembranças. Que bom ter amigos do outro lado do mundo! Depois do almoço, Joel (o motorista) chegou para me levar até Maputo. Pegamos dois rapazes que também iam pra lá, para participar de um campeonato de surf. Antes de pegar a estrada,  Joel parou numa tenda que vende produtos para turistas e comprou um lindo chapéu de abas largas... e me deu! Fiquei emocionada, quase não tive contato com ele...  mas ele disse que foi muito bom ter tido a oportunidade de falar sobre a história de seu país. Muito bom mesmo fazer amigos do outro lado do mundo!

Você já pode dizer eu li na tela da Eulina.

  






 

Nenhum comentário:

Postar um comentário