quarta-feira, 21 de agosto de 2019






                                                   ERA UMA VEZ UMA CABRITINHA

          Nasceu na América do Sul, no começo da selva amazônica, ao pé da Cordilheira dos Andes.
           Era curiosa. Era obstinada. Resolveu que queria subir os Andes. Queria chegar bem perto do céu. Queria ver o horizonte bem longe.
          Vivia com a família, nos vales úmidos, perto dos rios encachoeirados que vão crescendo e se juntando para formar o Amazonas. Era uma bela paisagem. A cabritinha gostava. Mas continuava querendo subir as montanhas. Ela achava que quando visse o mundo do alto, saberia muito mais coisas e seria muito mais feliz. Na verdade, a cabritinha queria saber mais. Achava que a felicidade estava na sabedoria.
          E foi crescendo. Sempre com a mesma ideia. Sempre se preparando para subir as montanhas.
          Até que um dia,  sentiu-se suficientemente forte. Achou que estava preparada. Despediu-se da família, juntou-se a um bando de outras cabritas que também queriam subir e partiu. Andou, andou, com muitas cabras, bodes cabritos todos muito animados com as aventuras que os esperavam.
          No começo, foi muito divertido. Iam todos contando histórias, rindo, cantando...  Depois de uns dias, começaram a reclamar do cansaço, do desconforto, mas ainda estavam imbuídos do mais alto espírito aventureiro. Na verdade, o grupo se encorajava mutuamente, quando um ameaçava desanimar, os outros o encorajavam.
          E assim foram subindo, subindo. Os caminhos se tornavam mais difíceis, as subidas mais íngremes. O cansaço foi aumentando. E o descontentamento também. Quando o primeiro desistiu, foi uma comoção. Todos ficaram em silêncio. Ficaram se questionando:
- Será que eu consigo? Será que eu quero?
          Mas a nossa cabritinha não desanimava. Era obstinada. Continuava firme no seu propósito. Queria chegar no alto, ver o horizonte de longe. Queria saber mais.
          O tempo foi passando, e mais e mais cabras, bodes e cabritos foram desistindo. Os primeiros justificavam a desistência, davam explicações. Depois, não havia mais necessidade de explicação. Desistiam e pronto. O grupo foi se tornando cada vez mais reduzido.
          O caminho, a cada dia mais difícil, árido, gelado, o ar rarefeito, quase não havia vegetação e o grande número de pedras soltas tornava a jornada mais perigosa. Mas a nossa cabritinha não desistia.
          Às vezes ela ficava apreensiva:
- Será que dou conta? Será que terei forças? Estou tão cansada, tenho tanto frio... e então aparecia um amigo para reanimá-la. Assim como ela também reanimava os amigos que fraquejavam.
          Ela olhava a paisagem cada vez mais do alto. Sua vista alcançava cada vez mais longe... via as cidades, os vilarejos, as estradas, os campos, as outras cabras, tudo cada vez menor, mais distante. O mundo lhe parecia tão belo, tão pacífico, a vida tão simples, bastava caminhar, comer e descansar, para ter acesso a toda aquela beleza, toda aquela paz... Esses momentos valiam todo o esforço. E a cabritinha se sentia recompensada. Sentia que estava aprendendo muito, que estava no caminho certo, que era isso mesmo que ela queria.
          E nesses momentos, sua alegria era tanta, que ela queria repartir com todos os   companheiros! Era alegria demais, não cabia dentro do peito, tinha que ser dividida, partilhada!
          Mas... toda essa felicidade tinha seu preço. Os poucos amigos que restavam, estavam muito ocupados com suas próprias jornadas. Já não andavam mais em grupo... ela os encontrava somente nas paradas de descanso, quando procuravam algum lugar seguro para pernoitar. Estavam sempre tão cansados que pouco se falavam. Ela procurava lembrá-los da animação do começo, das cantorias, das histórias e risadas, mas quando percebia, eles já estavam dormindo e não dava tempo de falar das belezas que tinha encontrado pelo caminho. Quando havia algum problema, ela ainda tinha ajuda. Mas era uma ajuda eficiente e silenciosa. E então, ela compreendeu que só tinha companhia nos momentos difíceis. As alegrias eram solitárias.
          Porém ela não desanimava. Continuava a subida. Estava resolvida a ver o mundo do alto. Queria continuar subindo. Queria continuar aprendendo. E ficava cada vez mais só.
          E é assim até hoje. A nossa cabritinha continua subindo. Continua aprendendo. Já não avista quase ninguém. Quando tem oportunidade de olhar a paisagem, fica deslumbrada. Continua curiosa. Continua persistente. Continua solitária. Mas está também mais forte! Mais certa de que encontrou o seu destino! E - por que não? – cada vez mais feliz!
          E espera que quando chegar ao fim da jornada, encontre outros cabritos curiosos e persistentes para compartilhar o deslumbramento com ela.

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